Essa semana participei de um encontro fílmico composto, em sua maioria, por psicanalistas. Esses encontros como se sabe, utilizam o enredo de uma produção cinematográfica para, a partir de então, extrair interpretações associadas à corrente científica dos seus comentadores. Assim, a depender da reunião, psicanalistas lançam o olhar psicanalítico sobre o filme, os sociólogos utilizam os aportes da sociologia, os juristas o olhar jurídico e por ai vai. O exercício por si só, é completamente producente, visto que não parte do abstratismo teórico costumeiro que, em regra, sai do abstrato para buscar amparo no existencial. A mecânica combate, assim, os vícios pedagógicos e a dificuldade de se apre(e)nder sem exemplificações, como ocorre na fossilizada concepção pedagógica da academia e que dificulta que a massa cinzenta se movimente sem os "exemplos práticos".
Ainda assim, este não é um comentário sobre novas pedagogias nem mesmo um comentário direcionado ao filme - um tocante drama que trata sobre o trauma de uma mulher violentada e que possibilita excelentes elucubrações. O filme se chama A vida secreta das palavras, e fica aqui a dica aos curiosos. O que faço é um metacomentário. Um comentário sobre os comentários desenvolvidos depois que os créditos do filme atravessaram a tela. Em voga, pois, algumas divergências doutrinais – ainda que tanto nauseante seja essa verduga palavra – que ganharam vida. Obviamente que o discurso era psicanalítico. Numa reunião em que 90% dos participantes são psicanalistas nada mais justo que se legitime o tom daquilo que a maioria conhece melhor. Ocorreria o mesmo em qualquer reunião de sectários, seja de cunho científico, religioso ou qualquer outro. Até aqui, problema nenhum.
Para que se esclareça a quem não tem familiaridade com o assunto, a “ciência” psicológica, que tem Freud como seu precursor pela descoberta do método psicanalítico, conta
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Dito isso, deve-se também esclarecer que após Freud, alguns seguidores seus deram conta de seguir com a teoria. Repita-se: seguir com os importantes desenvolvimentos teóricos de Freud. O que não se traduz, exatamente, na manutenção rígida do baluarte inabalável (nas palavras do próprio Fredu) construído por sua teoria. Entre esses seguidores estão Adler, Lacan, Carl Jung e outros. Este último, se apropriou de diversas categorias de seu mestre e fundou o que hoje se denomina de Psicologia Analítica. No debate feito depois do filme, mencionei em dado momento uma das categorias de Jung que não são aceitas pela psicanálise. Ainda que o tom doutrinário seja de completa beligerância, nunca vi a teoria de Freud como absolutamente equivocada, afinal quem seria insano de faze-lo? De qualquer forma, meu comentário realmente não foi aceito, confirmando o dispositivo científico arraigado às ilhas de racionalidade que sentenciam: uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.
A reação era esperada. Mas não entendi e fiquei em silêncio absorto, como me foi indicado a não misturar filosofia no meio da endeusada teoria da psicanálise, quando argumentei que era necessário um cuidado hermenêutico no momento de entificação das coisas, afinal, dizer que algo e ou não é, é sempre muito arriscado. Obviamente que essas afirmações de certeza sempre partem de premissas que se sustentam em algum lugar, feliz ou infelizmente assim tem que ser. Logo, o discurso dos psicanalistas se faz verdadeiro uma vez apoiado na teoria que os embasa. Dito de modo simples: se a premissa é freudiana, é completamente verdadeira a afirmação de que existem duas pulsões (eros e tanatos) a operar na psique humana.
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Me foi indicado, além de que não utilizasse a filosofia, que respeitasse as verdades extraídas da vasta experiência clínica daqueles que lá estavam. Sinceramente: o tom forte do “disso sei eu” pareceu a tentativa de imposição da verdade por meio da imposição paternalista, tão antiga e viva em nossa cultura. Se não se herdou do pai, numa dessas pode até ser algum arquétipo que esteja a atuar baixinho e fugidio, afinal, essa imposição pelo poder hierárquico já é relatada no Gênesis da bíblia quando Deus impõe a Adão e Eva que fiquem afastados da árvore do conhecimento do bem e do mal. Parece que desobedecer a psicanálise é provar do fruto envenenado da serpente e conhecer o mal, o oculto e tudo aquilo que repelimos simplesmente por não conhecer, na velha trava misoneísta que faz a evolução ser tão lenta. De qualquer forma, não por uma pseudo-obediência hierárquica, dei o devido respeito ao comentário. Se tem algo que deve ser respeitado, verdadeiramente, é a experiência. Ainda mais quando não se tem muitos anos para colocar nas cartas do jogo. Não há como negar a legitimidade da experiência, talvez ela seja a única que tenha autoridade para enunciar em qualquer campo de observação. Disso não há dúvida. E repito: respeito muito a experiência! Ingenieros – que talvez, desastrosamente, foi filósofo e psicólogo já que não se deve misturar muito as coisas – anunciava: Aproximando-se de formas de expressão cada vez mais exatas, os futuros filósofos deixarão para os poetas o maravilhoso privilégio de usar a linguagem figurada; e os sistemas futuros, desprendendo-se de antigos resíduos místicos e dialéticos,usarão pouco a pouco a Experiência como fundamento de toda hipótese legítima. Da mesma forma que respeito, aceito e acredito no êxito clínico extraído dos psicanalistas e de sua vasta experiência. O que não posso, é desconsiderar êxitos que escolheram itinerários diversos para curar e ter sucesso. Também os analistas junguianos relatam incontáveis casos de êxito com seus pacientes por um caminho completamente diverso da psicanálise. Afinal, nos reportemos à poesia – que talvez também não possa ser misturada com psicanálise – nas palavras de Antonio Machado: caminante no hay camino, el camino se hace al andar.
Dito isso, volta-se para a filosofia e especialmente para Gadamer que em 1960 escreve Verdade e Método. Gadamer faz ironia com o próprio título de sua obra, indicando a superação da filosofia da consciência racional da modernidade pelo paradigma da linguagem quando Heidegger promove o que se conhece por viragem lingüística. A partir de Gadamer, ou adota-se um método, seja ele qual for, ou se encontra a verdade. Não há nenhum método preestabelecido para que se possa tocar a verdade (ainda que seja um tema deveras exaustivo). Respondeu o querido Warat quando perguntado por seu interlocutor sobre qual o método a ser utilizado na mediação: “Que método você usa para trepar?”. Assim como não podemos trepar com o kama sutra embaixo do braço – seria impossível ler e lamber ao mesmo tempo os locais indicados na doutrina do prazer –, não podemos pensar ortodoxamente que existe um método único para a terapia e tratamento dos náuseas da alma, espírito, inconsciente ou coisa que o valha. Não há, portanto, um método. E muita gente teve que pensar para chegar a essa singela conclusão. Com isso não se está a afirmar que o caminho usado pela psicanálise não possa ser exitoso. Tenho certeza que que pode render bons frutos em termos de cura e autoconhecimento. Mas apenas pode! De qualquer forma lembro de Pessoa que dizia com outras palavras que nunca tinha visto ninguém contar em alto tom suas derrotas, vai ver pela força cultural do pai, que não pode abrir mão da armadura e se ver publicamente fragilizado.
Copérnico, Darwin, Sade e tantos outros negados e até queimados por seus contemporâneos. Tidos por loucos. Esse é o problema de pensar além do conhecimento sedimentado. Esse é o mal de vencer o misoneísmo. É por isso que a criatividade é medrosa. A evolução prematura nunca é compreendida no tempo que nasce. Talvez - e apenas talvez, caso contrário incorreria eu no mesmo engano psicanalista - seja isso que ocorra com Jung...como é difícil abandonar as certezas do pai (seja ele o da psicanálise ou aquele que as vezes nos apurrinha a vida em casa).
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O caminho da psicanálise é um. Apenas um. E seu problema reside na imposição e não aceitação de qualquer coisa que esteja fora de sua ilha imaginária de sentido. Outros milhões de caminhos podem haver para que se chegue no mesmo lugar, ainda mais quando se tem um cérebro tão limitado a operar nos nossos “crânios científicos”. Basta que se pense – com filosofia tanto melhor – e se esteja aberto à possibilidade que vem da alteridade. Ninguém pensou em fazer uma matéria chamada filosofia psicológica? Cairia bem! Bem demais.
Mas talvez essas palavras já tenham nascido mortas. Talvez mereçam ser abandonadas. Podem ser uma síncope frustrada de um inexperiente que, na verdura de seus vinte e poucos anos, nunca curou e muito menos tratou ninguém além do seu peixinho de aquário. Um serzinho que ganha comida para compensar a solidão de seu pequeno mundo e que esporadicamente habita uma bacia de plástico quando é preciso trocar sua água. Esse meu peixinho tem um grande trauma que se dá pelo fato do aquário ser de vidro: ainda que ele possa enxergar o mundo ao seu redor sempre bate a cabeça quando tenta ultrapassar os limites do seu mundo. Por essa desventura aprisionante do mundo aquático é que, de vez em quando, bato um papo com o meu peixinho para aliviar suas tensões, exatamente como manda a ciência dos peixes de aquário...
show de bola!!! um pouco pesado e bem direcionado neh, mas show!!!!
ResponderExcluirGostei do peixe!!! perfeito!!!
gracias Neno! a crítica deve arder...como diria a ciência dos críticos! Abração
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