sábado, 26 de fevereiro de 2011

THIS IS THE END






O Bukowski a cachaça levou. O Tim Maia também. O Jim Morrison se consumiu todo, fumou um cigarro com os próprios cabelos e entrou nas portas do paraíso que tem muitas portas. Cazuza e o Caio F. foram embora levados pelo hiv, que foi quem comeu o cú deles literalmente. A Clarice deve ter morrido de cansaço. Niezscthe morreu de suicídio (que é diferente de suicidar-se) depois de se atirar do alto da torre de babel escutando Wagner no walkman. Quintana Drummond e Vinícius, vivem juntos no an(verso) do mundo. O Jung não morreu, foi morar no inconsciente coletivo e vizinha com Freud que vive no inconsciente pessoal no andar de baixo. O Fernando Pessoa foi sequestrado por ele mesmo, ficou com síndrome de Estocolmo e é super amigo de Alberto Caeiro o suposto sequestrador. Raulzito construiu uma casa de dois andares em Anarquilópolis. Joseph Campbell virou um mito. A velha guarda se foi. A nova guarda também. Mercedes Sosa sabia que todo, todo cambia  e cambiou-se pro lado de lá. O Saramago tá na porta do céu, tentando um habbeas corpus contra a autoridade coatora de Deus pra entrar no reino do senhor que não tem nem virgens nem neoliberais pra ele criticar. O Warat foi embora no dezembro último, virou pescador de lagos encantados. Hojé é fevereiro mas é o dia dos finados. Meus heróis morreram e estão morrendo. De overdose e de outras formas naturais como a overdose. Sobrou o Woody Allen, o Galeano, o Albano Pepe que até tenho o número do telefone. Tenho que dar uma ligada pro Albano. E se sobrou mais alguém não lembro. Tem horas em que há um cheiro de morte no ar, a morte tem um cheiro de cera de ouvido. E eu NÃO estou louco. Nadinha. THIS IS THE END, MY ONLY FRIEND, THE END.


sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Bukowski, cuspindo o catarro (2)

...e os velhos às vezes ficam bem agressivos com o que uma parte da juventude anda fazendo - "que diabo, trabalhei DURO a vida inteira!" (eles acham que isso constitui uma virtude, quando a única coisa que prova é que o sujeito não passa de um perfeito idiota), "esse pessoal quer ganhar tudo sem fazer NADA! passando o tempo todo sentado pelos cantos, estragando o corpo com drogas e álcool, esperando viver às custas da riqueza da terra!"

aí a gente olha pra ELE:
que dúvida.

está com inveja. foi tapeado. perdeu os melhores anos se fodendo por aí. o que gostaria, mesmo, era de cair na gandaia. se pudesse recomeçar a vida. só que não pode. por isso agora quer que os outros sofram como ele sofreu.


Bukowski, a mainha.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Bukowski, cuspindo o catarro


quem ainda não ouviu essas velhas que vivem dizendo: "oh, acho simplesmente ATROZ o que essa juventude anda fazendo por aí, com todas essas drogas e sei lá mais o quê! que coisa mais horrível!" e aí a gente olha pra ela: sem olhos, sem dentes, sem cérebro, sem alma, sem bunda, sem boca, sem cor, sem ânimo, sem humor, sem nada,  apenas um sarrafo ambulante, e a gente fica pensando o que o chá com bolinhos, a igreja e a bonita casa de esquina fizeram por ELA.

Bukowski, o painho.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

RARIDADES COTIDIANAS

Eu sabia inconscientemente que ela estava me esperando no quarto. E porque ela era um tesão, o ritual do prazer em mim começou. Tirei os sapatos que faziam doer a panturrilha (há tempos tenho sustentado que os saltos de sapato social para os homens são uma tortura às panturrilhas, guardadas as proporções e resistências, igualzinho ao massacre às panturrilhas femininas. E por falar em salto, logo volto ao ritual do prazer, há que se dizer que o salto é a revelação da representação. É a expressão do nosso fatal destino de viver na escravidão do olhar alheio. Dizem que a alteridade é isto: identificar-se por meio do outro. Não sei se concordo. Provavelmente eu discorde porque discordar é essencial, pelo menos pra mim. O salto é a revelação da representação cotidiana. Do teatro de merda. O salto é um dos personagens e o teatro é todo o resto. Isso porque o salto é feito absolutamente PARA o outro, PARA o deleite do outro sobre aquilo que somos ou parecemos ser, PARA nosso próprio deleite pelo deleitamento alheio, enfim. Convenhamos: usar salto é uma merda. Nossa natureza não é feita pra andar sobre os tacos dos saltos. Não lembro de nenhum indígena ou aborígene australiano com apetrechos nos pés nos programas da Discorery, no máximo uma havaiana feita de casca de árvore. Fico imaginando o desprazer que as mulheres enfrentam tendo que se equilibrar naquela porcaria de salto agulha. Os nossos são fichinha perto do delas. Pobres mulheres).

Tirei os sapatos com o salto de merda. Os pés precisavam desaguar o sangue acumulado. Existe uma overdose dos pés quando ficamos mais de 16 horas sem levantar os pés acima da linha da cintura. Os meus estavam a mais de 16 horas no campo de batalha. O alívio maior foi quando tirei as meias e senti o frescor do piso gelado na palma do pé (a palma parece uma palavra-propriedade da mão...).

 Que delícia aquela temperatura menor que a do meu pé no meu pé. Tirei a camisa, todos aqueles botões inúteis. Três botões resolveriam, mas enfiam uns 12. (fui até o quarto pra contar quantos botões têm nas camisas: são em média 7 ou 8 em cada camisa!) Inútil. Um velcro resolveria. A camisa estava com o colarinho podre de sujo, mas a faxineira viria logo. Grande faxineira. A Marina é a minha nova faxineira, e as coisas andam mais limpas por aqui. A outra faxineira era porca e, se eu não esqueci em algum lugar que não lembre, deve ter levado umas camisetas minhas que sumiram do armário.

Tirei a calça e aquela a cinta desconfortável. Minha barriga era escrava daquela cinta. Pobre da minha barriga, louca pra ficar à vontade, toda projetada pra frente. E aquela cinta infernal apertando as minhas vísceras cheias de pulsão de vida e expansão. Senti fome mas como a sede era maior resolvi beber e deixar a comida de lado. Enchi um copo de uísque com vinho branco. Lembrei do meu pai que ia dizer que o gosto do vinho muda de acordo com o copo em que se beba. Não importa. É uma bobagem. O gosto é o mesmo. E o vinho bebido no copo “errado” era acrescido com o sabor da subversão, que é delicioso. Com o copo na mão, liguei a vitrola que ganhei do meu vô com um LP dos Beatles que é uma raridade. Aconselho as músicas I’m the walrus e I’m only sleeping. Walrus é um monstro marinho, provável que o Paul estivesse chapado quando escreveu a música.

Tirei aquela cueca de dois dias e, com o copo, fui pro banho. Enquanto isso ela me esperava no quarto, deliciosa. Liguei uma luz azul e desliguei todo as luzes da casa. Ela gosta desse clima nublado antes do nosso encontro de peles. De peles limpas e peladas. Limpos e pelados é bom demais. A chance de dar errado é reduzidíssima. E ela sempre estava limpa, sempre à mim disposta. Nosso sexo dependia de mim, apenas de mim, que nos últimos dias andava ocupado demais com coisas de menos. Tomei o banho em meio a uns tragos de vinho branco.

Quando sai do banho, o desejo se expandiu em mim com ares vulcânicos. Fui até a cozinha e calibrei o copo de uísque com vinho, até o gargalo. A ponto de ter que chupar com o beiço o vinho que cairia pelo caminho. Juntei o tapete do corredor e o coloquei no quarto em que ela estava nua, à minha espera. Em cima do tapete coloquei a cadeira. Seria ali, em cima da cadeira. Nos sentiríamos ali, na cadeira que repousava no conforto do tapete do corredor emprestado ao quarto. Nos abraçaríamos ali mesmo. Unindo nossos breus. E eu estava quase lá, nu com os meus desejos.

Vesti um calção surrado que ganhei a muitos anos da minha mãe, eu precisava me sentir confortável, à vontade. Só assim é possível chegar ao maior prazer possível: estando tranquilão. Coloquei um chapéu panamá que me deixou como uma mistura de piada sem graça com anti-sexy simbol exótico. Aquela barriga indecente para um cara de 27 anos, o calção azul de algodão surrado, e o chapéu absolutamente ridículo para a ocasião. Juntei as roupas sujas. A cueca com cheiro de cú. As meias com cheiro de cheetos lua. O sovaco com cheiro de sovaco NIVEA. Depois troquei o lado do LP dos Beatles. Nesse lado tocou Penny Lane que é, se não me falha a memória, o clássico da faixa de segurança.

Quis ter a certeza de que a música não pararia enquanto eu estivesse com ela no quarto. Busquei o ventilador na sala para que o fogo não nos incendiasse. O fogo do verão infernal do Brasil tropical e infernal quando é verão. Liguei a luz azul da calma e o notebook na tomada. Sentei na cadeira. Ela estava ao meu redor. Pensei em tocar uma punheta. Mas cogitei que depois de encontrá-la seria melhor. Senti seus lábios no rosto quando ela se apresentou nua, ela, a escrivinhação, minha amante. Talvez a punheta fique pra depois. Depois que eu terminar de escrever essa porcaria a quem teve a sorte de poder ler pra entender que o ser humano é apenas um espelho que quer se sentir espelho quando alguém para na sua frente, se a palavra pra isso for ÚTIL, que assim seja. Talvez os caras da alteridade estejam certos.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

SEDE




Só o ócio pode nutrir. Se sou uma engrenagem, então vou rodar ciclicamente, até que a máquina morra. E é isso, então? Devo me resignar? Quase 100 anos depois do Chaplin? Se sou uma rebimboca da parafuseta, ou uma correia dentada que vai operando sem parar, não posso parar pra pensar. O chavão popular não diz "Pare e pense" à toa. Não importa do que meus nervos se alimentem, se de lama ou de pão com manteiga. Quero o banquete que não é o banquete de todos, e sem que com isso recaiam sobre mim, pesados como o aço, esses olhos cheios de pesar. Não importa se a feijoada me causa diarréia ou se o chocolate ataca minhas úlceras que dormem, a necessidade é pelo verbo, é necessário comer, seja lá o que for. Um prato de comida é a salvação para os famintos. Um prato sem sal, a salvação dos hipertensos. Um prato sem açúcar, a salvação dos diabéticos. Aos doentes um prato de comida pode ser mortal.
 Os substantivos são mal vistos, são luxo desnecessário, coisas de um playboy, coisas de um inútil. Não importa o quê você come, importa que come, dizem. Fodam-se. Fodam-se, definitivamente. Vou me alimentar das minhas operações pra ver se morro logo. E depois, ah depois eu vou encher a barriga com meus pratos favoritos e exóticos. Enquanto isso minha sede vai aumentando, vou comendo os amendoins, enchendo a boca com eles, sedento, testando minha sanidade, morrendo de sede. E mirando o copo de suco gelado que ainda não posso tocar. Ou já posso, caros senhores proprietários da minha alma?

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Contos Imediatos XXXVI




(...)




Ela: eu só fico assim toda cheia de coceira no nariz quando eu fico nervosa, e quem está me deixado nervosa é você Alberto.

Alberto: Então não fique nervosa.



quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

SORRIA:VOCÊ ESTÁ SENDO DESALMADO


Só as fotos são felizes. Mas isso pode soar muito pessimista. Então é melhor dizer melhor: só nas fotos mora a felicidade. E se alguém perceber um sorriso feito especialmente para as fotos, que seja desconsiderado. Aquele que sorri sem sorrir, quer congelar a felicidade, quer esquecer que depois do flash luminoso, só nos álbuns restará imortalizado o êxtase do sorriso que não era um sorriso. As fotos não são o que mostram, não são o que parecem, não são o que parecem. Assim como todo o resto.

Nelas tudo é riso, dos talheres que reluzem ao pedaço de carne cheio de dentes. As viagens foram perfeitas. Os encontros foram apoteóticos. A crise dos casais não habita as fotos. Não interessa se ela dorme sem sentir-se desejada. Não importa em que vasta quantidade a palavra “insuportável” habitou os pensamentos daquele outro no tal encontro "nobre" e de gentes "interessantes". Não importa o quanto ele trabalha e não dá a mínima para os filhos. Não importa que esteja se fodendo para o altruísmo. Não importa que esteja se fodendo pro próprio egoísmo. Não importa se o diferente existe ou se é possível tragá-lo. Nada nas fotos importa porque nelas existe uma morte por asfixia.

Teve aquele show inesquecível que não se pode ver nada além de cabeças e uma voz que partia de um risco do tamanho de uma formiga, e como sorriu a foto. Não importa quanto álcool teve de ser engolido para que a foto saísse feliz. A tia gorda e mal comida também ri na foto e, olhando bem, até parece contente de verdade. As formaturas, as viradas de ano, os casamentos, o black tie: tudo sorri alegre no vão das fotos. Os moribundos fazem pose, os mortos também. Lembro de Incidente em Antares. E o riso da foto não sabe em que bolso esconder a melancolia quando a foto acaba. E todos esses sorrisos e essas cores são uma lança no corpo daqueles que não sorriem, então? Os sorrisos escondem um déspota, um torturador desprovido de comoção diante do não-sorriso alheio. E os choramingos roucos, onde estão? E o pesar da dúvida sobre os ombros, onde está? E a morte, em que distantes caminhos passa flertando a vida?

Não quero esses sorrisos enlatados porque não quero ser pela metade. Quero o luto do dia-a-dia que me pertence. Vivo da micro-morte de não ser mais o que fui quando acordei. Quero namorar a melancolia e dela tirar uns filhotes. No meu álbum, tragédia e comédia fazem um 69 sem fim, em um eterno estado anterior ao gozo. Estou sempre prestes-a, um prestes que não pode ser capturado pela rapidez da máquina fotográfica. O vir-a-ser tem o privilégio de desprezar a palavra “é”. Esse é o “quando” do Vinícius de Moraes quando disse: “meu tempo é quando”. O quando é também rei do meu tempo, sábio Vinícius. A vida é pobre quando é rica de sorrisos. Vou dar uma risada brilhante dessas diante do espelho e me fotografar com os olhos. Só pra ver se sou tão feliz quanto os felizes das fotos.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

NOTAS SOBRE UMA PERERECA SEM PÊLOS


Passeando pela internet encontrei um site com imagens nada triviais. O não trivial me apraz uma barbaridade. Quando as imagens têm um significado superior para os meus nervos, chamo-as de imaginuras, uma adaptação da palavra iluminura que aprendi com o querido mestre Warat, que agora, enquanto escrevo, deve estar pescando uns peixes coloridos em alguma lagoa da dimensão seguinte, com um panamá fazendo sombra aos olhos e uma taça de malbec massageando a alma. Agora que morreu para esta vida, deve ter certeza de que esta vida é o tal inferno que pensamos estar no submundo.
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Entre as imagens nada triviais, encontrei a foto de uma perereca (sim, uma perereca dessas que as mulheres ganham quando nascem e que, nós homens, passamos a vida toda atrás). Gostei da perereca da foto. Toda misteriosa, lisa, sem pêlos (voltaremos em seguida ao tema “A RELAÇÃO ENTRE AS PERERECAS SEM PÊLO E A PEDOFILIA NA PÓS-MODERNIDADE”, mas fica, desde já, a dica pra título de tese de doutorado).
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Gostei da sensação amadora que a foto trazia. Parecia ter sido tirada com um celular de baixa resolução. Pude imaginar toda a cena que precedeu o momento em que a foto foi feita. Aqueles momentos preliminares, aqueles passeios pelos corpos. As conversas antes da dança do sexo. A textura dos lençóis roçando na bunda dela. Todos os joguinhos de sedução que as mulheres fazem até a porcaria da calcinha finalmente ir pro espaço.
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Cogitei que a foto pudesse ter sido tirada pela própria dona da perereca, no estilo “vou ver como minha perereca é, vista de baixo”, mas como gosto de inventar histórias – mesmo que elas não existam – preferi colocar um cara na minha confabulação especulativa.
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A foto mostrava um ambiente todo verdadeiro, uma perereca que escancarava, na imagem congelada, um momento de plena intimidade. Em geral os filmes pornô pecam porque, no fundo, não conseguem deixar transparecer o desejo verdadeiro da mulher. Mulher fingindo prazer é uma cena medonha. No fim das contas, quando se trata de sexo, as mulheres são as únicas que podem dar conotação de veracidade ao desejo. Os homens ficam de pau duro com qualquer revista pornô escrota de posto de gasolina, aquelas do tipo “FODENDO DUAS PRIMAS ARDENTES”. A foto que eu garimpei não tinha nada disso porque era dos melhores tipos de arte: a que retrata a vida em linhas exatas. Ao pornô falta a arte da vida real.
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Salvei a foto no computador, como faço com todas imaginuras que pesco das navegações na internet. Ontem, postei a foto com a poesia sobre o raso e o profundo. Pensando hoje, não sei o que pensei quando escrevi a poesia sobre o raso e o profundo, mas lembro que tive certeza de que a foto de uma perereca não tinha, de início, nada a ver com raso ou profundo. De início, porque depois, parecia ter sentido uma perereca como imagem de um texto sobre o raso e o profundo. Se não me fiz entender, paciência. To sem saco pra explicar.
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Bom, o que aconteceu foi que a tal foto causou um redevú (rendez vou, rendê e vu ou seja lá como se escreva essa merda de palavra emprestada do francês que significa algo próximo de confusão).
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Primeiro, tive quase certeza que minha namorada ia olhar pra foto e achar que eu tinha comido a perereca da fulana. Claro que salvei o site de origem da foto pra evitar um olho roxo posterior. Não confirmada (ou não externada) a desconfiança da patroa, recebi um email de uma amiga que estuda sobre crianças violentadas sexualmente, dizendo que a violência sexual contra crianças é uma realidade dolorida em nosso país.Disse que a perereca sem pêlo da foto parecia de uma criança e que, por isso, meu blog corria o risco de ser denunciado. Me disse para pensar por um instante (sabendo do meu ceticismo).
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Fiz o que ela mandou e, por um instante, me vi saindo algemado do edifício em que moro, no meio da madrugada, com o sono interrompido pela visita da polícia civil e seus capangas, vestindo camiseta branca amassada e um calção azul marinho confortável que uso desde 1998 pra dormir, com a imprensa toda em volta com aquela luz lancinante nos olhos, com todos os vizinhos olhando assustados pra mim e comentando em sussurros: “advogado é tudo ladrão mesmo, não adianta, raça maldita, e depois não querem que piadas, corja de canalhas”. Depois que o instante passou, a cena de filme passou.
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Percebi que a preocupação era exagerada, já que uma perereca adulta também pode não ter pêlos, o que, diga-se, é ótimo. Principalmente pra quem gosta de sexo oral. Perereca peluda e sexo oral tem uma relação muito íntima com o vômito. Não adianta dizer que o corte é ralo porque trata-se da textura e não do comprimento da grama. Esteja a grama alta ou baixa, os micuins sempre estão lá, esperando pelas nossas costas nuas. Com perereca e pêlos a coisa é mais ou menos igual.
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Os amigos quiseram saber de quem era a perereca, especulando sem êxito. Os inimigos devem ter pensado que a perereca em questão não era a perereca em questão. E a perereca continua lá, ou melhor, ali, rindo de todos nós. Quando as pererecas dão risada, o melhor é sair correndo. E isso vale para as carecas e as peludas.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

raso - profundo


Quando cavouco com o pé na areia,
percebo que também a areia representa,
como se fosse uma atriz com dotes naturais.
A areia clara esconde uma areia outra,
de robusta textura e profunda escuridão.
A areia outra que mora embaixo da areia,
tem outra natureza,
por privada dos toques do sol,
por esquecida,
por profunda,
por diferente,
por alheada.

Quando vejo todo o mosaico verde que pinta a montanha,
pressinto que também a mata virgem esconde terra escura
e folhas secas que um dia beberam a seiva elaborada
que só existe nos livros de ciências do colégio.

Quando o mar me beija
- e mesmo assim distante -,
sei que ele é a cobertura de um bolo.
E se o raspo com a colher infantil dos olhos,
puerilmente evitando a massa menos doce,
sei que o faço por cansaço do pensamento.
Mas mesmo negando num repente a inteireza,
sonho com o único silêncio mortal que guarda a vida,
o que contém o destino universal de estar vivo em um silêncio sepulcral:
o fundo do mar.
O fundo do fundo do mar, como meu pé,
também toca a areia,
e lá, a escuridão deve dar um medo danado.
Talvez os frutos do mar prefiram acabar fritos nos restaurantes
do que encarar essa fêmea senhorial que é a escuridão do fundo do fundo do mar.

E, como se essa convivência entre o raso e o profundo fosse singela aos olhos,
posto que a pureza da natureza é a mais possível a nós,
a tolerância é concedida aos homens
(mesmo que tê-la não saibam),
com ares feitos de resignação cósmica
e uma imensidão que cabe no bolso sem baixar o cós dos calções.

Quando essa resignação repousa em mim
assim grande e leve,
afirmando que harmonia é necessidade da vida,
ensinando que são inevitáveis as mãos para levar a água doce à boca,
ou,
se na falta delas,
as pernas ajoelhadas permitem a humildade do beijo da minha boca no riacho;
a tolerância que em mim sempre esteve não vista brilha
porque quer em mim ser.
Nessa fração atômica do tempo,
conduzo,
aqui dos ares salgados da praia e dos olhares cansados dos vendedores de churros,
o que de minha consciência o abstrato não usurpou,
deixando-me deitar aliviado sobre toda a existência,
com a mesma calma segura de um sexo com um velho amor.

Toda a vasta existência,
que existe como a areia e a mata e o copo que com água sacia minha sede com a força superficial das minhas mãos
(que por estarem aqui não requerem meus joelhos na beira de um rio),
toda essa vasta existência
tem a grandeza divina de poder simplesmente ser.
Pela absolvição da superfície.
Pelas necessidades mútuas que vem
da trama andrógina e harmônica entre o raso e o profundo.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

tele-visão




"A televisão me deixou burro, muito burro demais.
Agora todas coisas que eu penso, me parecem iguais..."

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Titãs

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

podia ter sido presidente da república



Cheguei em casa muito bem. O dia havia acabado e era uma hora do dia como nenhuma outra. Cheguei a pensar que aquele ditado “O trabalho dignifica o homem” podia estar certo. Por um momento aquela abominável coisa fez sentido. Mas depois passou. Melhor que passasse sob pena de eu morrer sem o ímpeto de seguir adiante e criar uma vida em que o ócio e a vagabundagem reinassem absolutos e que, mesmo assim, eu pudesse ter dinheiro na conta corrente pra fazer as coisas boas da vida que precisam de dinheiro. É preciso ter algum dinheiro pra ser vagabundo. Ou, então, ter a coragem do Bukowski. Eu não tenho (hesitei em escrever um “ainda não tenho...”).

Mas tinha chegado em casa bem. Não havia outro momento senão aquele. E a vida tinha que ser vista assim. Estar e permanecer no estar era uma missão filha-de-uma-boa-puta-boqueteira. Quando se podia tocar, por uns instantes, a excelência de permanecer no estar, era sinal de que a vida valia a pena.

Liguei a vitrola de tocar LP’s que ganhei de natal do meu vô. Aliás, esse meu vô, que é o pai da minha mãe, é um grande cara. Que ficou perdido numa vila porque ninguém o descobriu. E é só por isso que não tenho uma COMPLETA admiração por ele. É um gênio que vai morrer no anonimato, simplesmente porque não aprimorou as ferramentas que ganhou de presente na vida. Esse meu vô é o mais dionisíaco de todos na minha família.

Queimou todo o dinheiro que tinha com a canastra. Fumou todos os cigarros que pôde. Ele tinha 7 casas na vila em que morava com a família. Ai queimou 6 delas com as cartas. Quando sobrou apenas a última das 7, a casa em que toda a família morava, minha vó disse que, se tivesse que morar na rua, largaria ele. Nesse dia, meu vô morreu pela primeira vez. Exatamente no dia em que teve que deixar de ser dionisíaco na grande paixão que tinha na vida: o jogo de cartas.

O orgasmo pra ele era jogar cartas e deixar um cigarro esquecido queimando no canto da boca enquanto marcava o anverso das cartas com a unha comprida. No dia em que teve que controlar os ímpetos do jogo, preocupado em perder a minha vó (e não exatamente a casa), teve a primeira morte em vida. A segunda veio no dia em que o médico disse que ele tinha que largar o cigarro por conta de um enfisema pulmonar fodido que ele tem até hoje. Aqueles cigarros que ele fumava com a ponta amarelo-queimado, eram fortíssimos. Ele fumava 2 carteiras de "oliú" (Hollywood) por dia. 40 pregos cravados no próprio caixão a cada dia.
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Como aproveitou a vida esse meu vô, o Edo, que é apelido de Hélio, o nome dele. Ele é um dos caras que eu mais respeito na minha família, que admiro até a ponta dos fios dos cabelos. (a última frase teve que ser reconstruída porque a sinceridade ainda é muito ferina...)
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O velho podia ter sido presidente da república. Agora resiste em morrer porque acha que minha vó anda trepando com o vizinho. Só porque o pau dele não levanta mais. Anda todo sem esperança o coitado: se tomar um viagra, morre do coração; quando caminha até o banheiro, fica esbaforido como se tivesse corrido a São Silvestre; no inverno, quase morre de frio; não pode cortar a pele porque o sangue não tem consistência e não coagula; se ficar de pau duro naturalmente (como a repetir o milagre do Gênesis com um sopro de Deus direto no pinto dele), morre porque o pulmão não aguenta o chacoalho do sexo.

Esse quadro desgraçado fode com a masculinidade de qualquer um. E, quando a masculinidade escorre pelo ralo, um homem escorre junto. Essa impotência generalizada criou um ciúme doentio dele pela minha vó, que já anda pra lá de Bagdá. De qualquer forma, acho que ficar de pau duro é o mínimo que um homem pode oferecer. Uma mulher com um broxa persistente tem todo o direito de um “divórcio por justa causa”. Isso se a mulher não tiver problemas de lubrificação. A secura das mulheres é a broxura dos homens. Antes tinha a saliva pra ajudá-las. Até imagino as sessentonas dos anos 50 dizendo, “...olha, eu estou toda lambuzada e você ai com essa porcaria mole...”. Depois veio o KY (aconselho misturar com umas gotas d’água). E agora o viagra equilibrou as coisas. Na verdade, somos nós homens que historicamente fomos oprimidos. Até a chegada do viagra, não tínhamos solução, perdíamos a validade sexual assim como as mulheres perdem a validade reprodutora, uma coisa pra se pensar. Mas para o sexo-pelo-sexo, estamos em paz. Eu imagino a alegria da velharada com esse viagra. Vou tomar muitos futuramente.

Como no caso do meu vô, nem o viagra pôde salva-lo, consigo entender a neurose ciumenta que se instalou na alma dele. Ele criou uma ilusão, apenas pra se manter acordado aqui na vida da terra. Ele, como eu, gosta do ar podre da terra, e por isso resiste em morrer. É diferente de quem gosta simplesmente porque não conhece o perfume e o fedor do ar. Ai ele fica criando um ciúme de brinquedo pra ficar vivo. Ficamos vivos até quando podemos manter o foco em alguma coisa. Depois que nada mais tem luz, é preciso morrer. Ele iluminou a minha vó. E não porque ela é especial, mas porque era a que estava mais perto. Meu vô e eu conseguimos nos entender só com o olhar. Como se fosse um pacto silencioso sobre o grande mistério, que de tão grande eu nem sei qual é, mas sei que existe.

Fui visitar ele uns dias antes do Natal, que é um dia depois do meu aniversário, que é no dia 24. Ficamos lá no sofá conversando até que ele disse que ia me dar a tal vitrola de tocar LP’s de presente de aniversário. Achei que aquilo podia ser a herança do meu vô, e que ele pudesse bater as botas antes do meu próximo aniversário. Seria uma pena perder ele. Ele sabia que eu queria a vitrola, e por isso resolveu me dar. Agora, depois que comprei alguns LPs, a vitrola esta funcionando aqui em casa. Toda prosa. Meu pai disse que era um trambolho que nunca ia ser usado, se enganou. As músicas de LP têm um pano de fundo que se parece com som da garoa caindo antes de dormir. Toda tecnologia dos mp3 e Ipods para, no fim, voltarmos ao vinil e seu melódico som de chuva.

Liguei a vitrola porque cheguei bem, como eu já disse lá em cima. Coloquei um disco do Stones. Fiquei pelado e fui tomar banho. Não sem antes fazer um copo de guaraná, gelo e vodka vagabunda. Dancei no banho como um demente. E o som dos Stones rolando alto na sala. Depois sentei de toalha na mesa da sala e comecei a escrever. Uma mulher na janela do edifício que fica bem na frente da minha sacada, me olhou com uma cara de nojo. Deve ter pensado que eu tava no msn e ter me achado um imbecil. Ou não gostou de me ver pelado, que é realmente uma cena horrenda. A gente antecipa muito as conclusões sobre os outros e isso é uma merda. Ainda que seja necessário dizer que, em geral, o “todo mundo” é uma merda mesmo.

Nesse dia em que ganhei a vitrola do meu vô, ele contou que uma velhota caindo aos pedaços e toda religiosa, que morava na mesma rua dele, perguntou como ele fazia pra atrair os beija-flores que iam bebericar nas esperas de água com açúcar que ele deixava na varanda de casa. Ele respondeu pra velha:

- Eu amasso duas pedras de crack e misturo na água.

A velha fez o sinal da cruz e saiu horrorizada.

Pensando bem, dopar beija-flores não é crime. E, se fosse verdade, ele seria um homem de bem, mesmo drogando os pássaros. Vejam como o mundo é idiota, os atletas não podem tomar nenhuma droga, mas qualquer artista pode encher a cara e fumar o que bem entende pra produzir suas artes. O dopping é permitido aos artistas! Conclusão: melhor ser artista que atleta. O mundo quer leis universais e esquece que há todo tipo de gente e coisas no mundo. Mundo idiota, com a sensação de que não é.

O meu vô só dava esmola pra mendigo que quisesse tomar cachaça. Se chegasse pedindo dinheiro pra comprar pão e leite ele mandava o cara à merda. Que grande coração tinha o meu vô. Anestesiava as dores dos outros. Era um médico sem diploma. Falo era porque nem ele entende como ainda está vivo. Vou encher o copo que a vodka acabou.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

amores infantis


Sempre gostei da minha prima, a Carol. Foi a prima com a idade mais próxima da minha e, por isso, foi a menina que, desde guri, serviu de razão para os meus desejinhos pueris. Descobri os lábios de uma alma feminina nos lábios miúdos e rosados da Carol, com um selinho fugidio no quarto da nossa vó, quando devíamos ter nossos 9 ou 10 anos.
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Lembro que engolimos uns pedaços de pasta de dente Colgate, afinal de contas, um primeiro beijo não podia ter mal hálito. Os adultos bebiam e fumavam na cozinha da casa da vó e nem cogitavam que as crianças podiam estar seduzidas pela descoberta do "outro". Tivemos uma paixonite infanto-juvenil, muito mais infanto do que juvenil. Acho que ela também deve ter escutado umas músicas pensando em mim naquela época. Devia ser pelos anos de 1993 ou 1994. Na época, eu escutava Queen, pensando que se a gente casasse, nossos filhos iam nascer com defeitos pelo corpo.
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Depois que crescemos, lógico, a paixonite passou. Ficamos amigos. Fui viver meus amores e a Carol foi viver os amores dela. Ela engravidou e virou mãe cedo. Dela nasceu um anjo, a Manu. Que é a criança mais doce e especial que eu já vi. Uma borboleta sem asas. Uma flor, que mostra com os olhos que não vai murchar nunca. Que vai ensinar a pureza de ser a toda nossa família, a todo o país. Deve ser essas crianças índigo, que pelo que sei são especiais e pertencem à nova casta evolutiva da humanidade. No final do ano fiquei 1 hora balançado a Manu na rede. Ela fechava os olhos a cada vez que eu nos lançava no ar, feliz da vida com o vai-e-vem da rede. E enquanto ela fechava os olhos, a vida fazia todo sentido pra mim. Acho que quando eu tiver filhos, meus porquês vão acabar. Escrevi tudo isso, assim ao correr dos dedos no teclado, só porque a Carol mandou uma mensagem repetindo as palavras da Manu:


- Mamãe, se a minhoca não tem pernas, como que ela sobe no pé de limão?


Hoje, eu tenho pela Manu a mesma paixonite que tive pela Carol. Sou bem apaixonado pela doçura toda dela, que me faz ser otimista e ver a vida como ela deve ser vista: como um balançar bom de rede no fim da tarde.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Quadrinha frugal



Estou percebendo.
Eu sinto.
Já me fora alertado -
Vai cair meu pinto.
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terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Depois do Corcel 73, eu devia estar contente ?



Das melhores frases do Raulzito:
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"...do cume calmo do meu olho que vê, senta a sombra sonora de um disco voador".
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