quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Melosa II


me-lo-sa...
lembra
saudade.

(que lembra)

me-la-da,
que te lembra
com vontade.

(que lembra)

me-lo-dia,
que lembra
suave intensidade.

(que lembra)

mel,
que lembra
doçura de verdade.

(que lembra)

me-lin-dre,
que lembra
nostalgia da pouca idade.

(que lembra)

me-lões,
que lembram
protuberâncias em tenacidade.

(que lembra)

me-lan-cia ,
que lembra
duas bocas rosas em clandestinidade...

(que lembra)

me-lis-sa,
que lembra
aquela aguinha da serenidade.

(que lembra)

me-le-na,
que lembra
puxar os cabelos com vontade.

(que lembra)

A me-"lo"-sa,
que lembra
até depois que não mais se lembra.


PFF

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Enganos históricos: o bom da vida é empatar na vida



Na vida, empatando se ganha três pontos.

PFF

Melosa I



Melosa...
Melosa é uma palavra e tanto.
De um pensamento e tanto.
Melosa já é uma palavrinha... gostosa.
E que rima com palavras-sobremesa.
Melosa rima com deliciosa,
com saborosa, com gostosa.
Que são sempre coisas boas,
adjetivos de mulher.
Melosa é tão feminino,
tão interino...sim porque mulher melosa não dura muito.
Mas é de se aproveitar, de se provar,
de se lamber o mel da melosa
quando a melosa, melosa está.
Melosa é de se silabar
Me-lo-sa...
É de se falar o “lo” com a língua afora,
e deixar que também
o desejo vague estrada afora.
Alforria desejante por uma me-“lo”-sa.
De se silabar gritando baixo:
ME-LO-SA…

domingo, 26 de setembro de 2010

Diários



Epopéias são poesias longuíssimas, que contam grandes histórias. Ilíada e Odisséia de Homero, ou mesmo o roda-roda-vira Lusíadas de Camões, são crias dessa espécie. E em um dia da semana que passou, em tempo distante da Guerra de Tróia e das andanças marítimas de Vasco da Gama, tive um dia épico. A parte trágica começou logo cedo, quando uma viagem de 450km me aguardava pelo interior da querida Santa Catarina.

Terno, gravata e sapato social. Tudo bem afivelado e ajustado, como manda o roteiro do teatro cotidiano. Não é de agora que se deixa de ser quem se é a depender dos panos e dos cortes que se carrega na couraça, sim, a couraça que é igual para todos com umas diferenças de tom e outras pitadas de cheiro. Tem gente que fede MESMO, um fedor natural e sem relação de causalidade. Outras têm um fedor contingencial, fragmento da tragédia fedorenta das epopéias diárias de muita gente que tem que se virar com lotação que é lotada até no nome, falta de desodorante, metro com gente amontoada, falta de banho por falta de banheiro e outras fontes de fedor... coisas que, no fim, ninguém merece. Bendito meu espermatozóide que ovulou numa família com mais condições de curar o fedor natural da humanidade, benditos os que se dão conta e mais benditos ainda aos que fazem mais do que eu pelos de fedor contingencial...a gente sempre faz tão pouco...

Pois bem, a gravata às vezes pesa, parece que não combina com minhas pregações, mas vou usando até que pare um dia de pensar que ela não diz quem eu sou. Aprendi a entender as mulheres depois que passei a usar sapato social com frequência. Salto e panturrilha são duas coisas que não se afinam. E ainda que o nosso salto seja fichinha perto do delas, é coisa triste. Aliás, por que será que sapato social masculino tem aquele salto? Não fosse pra resolver o problema dos baixos, só posso pensar que é coisa pra completar o pedestal imbecil da maioria da gente que usa terno e gravata. De todo modo, meu pesar às mulheres que precisam se equilibrar em tacos todos os dias. É coisa de circo, com a diferença que trapezista não precisa sorrir...

Cedo da manhã, armadura posta e a chuva torrencial resolve dar o ar molhado da graça. Compromissos profissionais são coisas que tem horário marcado, na exatidão dos ponteiros do relógio, e, portanto, imprevistos na estrada demoníaca que liga o litoral ao interior do Estado devem ser ou previstos ou não devem ser, sob pena de estragar o humor de muita gente que já anda com ele pelas beiradas com os saltos. Tive sorte, ou melhor, meia sorte. Apesar de nenhum imprevisto, a viagem foi típica. Dia de chuva e trânsito é aquilo que todo robô urbano já sabe.

Três horas de estrada até a chegada ao pórtico de Trombudo Central. Confirmei com um vivente que almoçava e que me respondeu com a boca cheia de arroz e polenta que o caminho era aquele mesmo. Senti no olhar do vivente a solicitude, o carinho. As pessoas do interior tendem a ser sempre mais ternas, mais puras, mais gente humana, menos robóticas, menos ávidas por sabe-se lá o quê. Atalanta – meu destino – era na direção que me apontava o homem. Até ando pensando em comprar um GPS mas, talvez, ele me faça perder essas possibilidades de perguntar informação para um regional com a boca cheia de arroz e polenta. A tecnologia nos vai esfriando, congelando os corações, e é preciso atenção para continuar sentindo de verdade hoje em dia. De Trombudo Central até Atalanta, uma viagem de cinema. Estradinhas estreitas, casas de grama delicadamente cuidada. Umas com fontes de água clara e flores cheias de carinho simples, exatamente como o carinho deve ser. Tive dejavus naquela estrada. Não fosse pela tecnologia dos carros e dos caminhões, todo o cenário era muito familiar.

Cheguei a Atalanta perto das 13 horas. Parei no único posto de gasolina da cidade. Perguntei ao frentista aonde tinha um restaurante e aonde era o Banco do Brasil. Me respondeu com três “alis”. Dois dos alis era para os dois restaurantes da cidade que ficavam por ali. O terceiro ali era o do Banco. “Lá” não é um advérbio de tempo que se use em Atalanta. Já que a viagem andava cinematográfica, o primeiro restaurante indicado parecia uma mistura de “O Albergue” com “A Casa dos Espíritos”, tinha um outro vivente – bem diferente do arroz com polenta – de olhar sanguinário fumando um paiêro (essa é a tal palavra que não se pode escrever de acordo com o dicionário, perde-se a essência dizendo palheiro) e segurando um taco de sinuca na mão. Tinha cara de matador o desgraçado, de quem chupa a jugular de galinha viva. Forasteiro vestido de gravata era como Armstrong na lua: raridade.

Resolvi ir na segunda indicação gastronômica. Era OUTRO ambiente. Tudo bem que à uma da tarde não é mais horário de almoçar no interior, mas o bifê ainda estava lá. O lugarzinho era verdadeiro e quando cheguei o xiru dono do restaurante deu um pulo na cadeira. Era um cara tão simples e verdadeiro que fiquei me sentindo culpado só por existir. E também por vestir aquela porcaria de gravata. O alemão xiru que me recebeu tinha aquelas mãos rosadas, de dedos troncudos e trabalhadores. Meio desbotados de lavar prato e com uma aliança que já tinha grudado na carne. No interior o casamento ainda é uma coisa que funciona bem, felizes dos interioranos. A bisteca empanada tinha uma camada grossa de gordura, igual aos olhos expectantes da senhora do caixa. Traguei a bisteca, um arroz com feijão e uma coca de garrafa, que são mais saborosas e, por isso, provavelmente mais cancerígenas que as de plástico. O sabor da comida era tranquilo como peidar sozinho. Na móvel que segurava a televisão, uma reunião de porta retratos da família do alemão. Não se encontram mais lugares tão personalizados nas grandes cidades, achei legal. E fiquei perplexo e com alguma inveja daquela unidade familiar rígida qual concreto, forte, todos ligados como unha e carne, como a aliança que se incorporava na carne do dedo do alemão e, por certo, na mão da alemoa dele. Só senti pena dele porque a velha do caixa devia ser a sogra – e não que eu concorde com o mito das sogras – mas é que aquela tinha uma cara de cão chupando manga misturado com leão de chácara de mau humor. E o alemão tinha todo o jeito de ser mandado por ela, pobre diabo. Paguei e tomei um café. Do lado da térmica de café, um bolo caseiro, com cobertura de chocolate e tudo mais. Um afeto ao cliente materializado de forma tão graciosa. Graciosa e grátis. O alemão devia dar cursos de restaurantologia nas cidades grandes para ensinar que o carinho simples é melhor que a babação de ovo que se faz nos restaurantes chiques da aldeia urbana.


Falei com o tal cara do banco e fui embora. Tinha que dar aula em Blumenau. Depois que acabou meu sonho cinematográfico na estradinha que levava até Atalanta cheguei à estrada do Nosso Senhor seu Diabo que é a BR470. Me disseram que se o Serra ganhar a eleição vai duplicar a estrada, até cogitei em votar nele por conta disso, mas como o infeliz deve estar mentindo, vou seguir votando nulo. Cheguei à Rio do Sul para mais um compromisso até o final da tarde. Em final da tarde de chuva todo robô urbano sabe como é o trânsito, com o plus de ser na estrada satânica. Com o mostrador marcando 370 km cheguei à Blumenau. Cansado mas disposto. Aulas não me cansam, pelo menos não mais. Na época de faculdade eu dormia quando tinha que escutar um idiota como eu falando sem parar. Hoje que sou eu o idiota não durmo mais. Resolvi meu problema de sono na sala de aula. Quando cheguei na sala encontrei esse carinho no quadro, gosto das turmas como se fossem todos meus irmãos, porque também não tenho idade pra ser pai de ninguém. E os 370km mais os 70km que ainda faltavam, tinham valido a pena, pelo carinho simples que tinha sido o bolo do café e coração do quadro negro.

sábado, 25 de setembro de 2010

fiat




A mentira é a mais pura verdade de tudo que não é.



PFF

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

CAFÔFO



O toque dos dedos
em cada corda do violão
me transportam,
no tempo, ao cafôfo:
mundo paralelo possível de um universo juvenil.
Tão grande em sua pequenez.
(Não importa o tamanho da noção que se tinha,
pois se era pouca, sinal que era).
Os tempos que não mais existem,
se prestam apenas como dados biográficos,
nada além disso.
Somos mesmo um resultado,
um produto a cada dia. De cada dia.
E o cafôfo, nos constitui hoje, amigo.
Nos pensávamos enormes.
Enormemente.
E éramos.
Bebíamos o amor do mundo.
E éramos amor,
planejando, no longevo cafôfo de hoje,
os amores que não deram certo.
Ou até deram, pois nos fizeram engendrar,
naquele espaço especial entre o chão e as nuvens.
E só por engendrar ganhamos.
Quanta pueril arquitetura amorosa
para aprender que a amizade é o amor que fica.
Nas cordas do violão de hoje,
que nem se sabe ser teu ou meu,
deslizo na história com o rock gaúcho, nostálgico,
desafinado rock que outrora já nos entendia,
afinando nossos sonhos de guri,
alinhando nossas serenatas
com amigas que queríamos tomar por amores.
Que queríamos triunfar e tê-las como namoradas.
Comê-las também, mas com sexo musical,
que é coisa diferente do comer que se diz por ai.
Essas “amigas” que ficaram presas na memória,
e que foram sem ser,
propriedade eterna
da história nossa que a benção misturou.
Se ficaram é sinal que ficamos lá,
também na memória do cafôfo,
na verdura dos estados.
Tão puros estados.
Memoráveis estados.
Que me tomam em cada corda
do nosso violão de agora.


quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Mensagem do desassossego



Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que se haviam zangado um com um o outro. Cada um me contou a narrativa de porque se haviam zangado. Cada um me disse a verdade. Cada um me contou as suas razões. Ambos tinham razão. Ambos tinham toda a razão. Não era que um via uma coisa e o outro outra, ou que um via um lado das coisas e outro um lado diferente. Não: cada um via as coisas exactamente como se haviam passado, cada um as via com um criterio identico ao do outro, mas cada um via uma coisa differente, e cada um, portanto, tinha razão. Fiquei confuso d’ esta dupla existencia da verdade.


Livro do Desassossego - Tomo I, edição crítica de Fernando Pessoa, volume XII, edição de Jerónimo Pizarro, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2010, p. 476

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Natural




Agora que derrubamos os muros
Desejo, calmo, teus doces breus.
De buscar em teus cantos escuros
Pedaços que, em ti, do meu corpo se perdeu.
PFF

domingo, 19 de setembro de 2010

Contos Imediatos XXXI



Encontraram-se na sala de convenções da instituição, local distinto. Protocolinhos ali, sorrisinhos acolá, piadinhas sem graça por todo o lado; até que um que ficou por perto resolveu perguntar:

- Qual tua área?
- Lido com história das bolhas de sabão, com foco para a infância, sempre gostei de criança, respondi.
- E a tua?
- Sou especialista em técnica aplicada para coisas complexas, mestre em paradoxos existenciais com dissertação entitulada A relação entre os buracos negros e a política na pós-modernidade, sou procurador da administração pública e secretário honorário do Conselho das Únicas Pessoas que podem resolver o mundo, o CÚP. Além disso, sou tetra campeão do concurso de dançadores de bolero do Baile da Saudade e ganhei o prêmio Putz de literatura, que é um prêmio concedido pela Coroa Britânica em associação com a ONU e que, em breve, substituirá o Pulitzer. Ah, e claro, ia esquecendo, atualmente sou doutorando em metonímias fragmentadas pela UEQI, a Universidade Estrangeira do Quinto dos Infernos, que é a melhor daquele país...
- Que bacana, ouvi falar que anda complicado de reconhecer aqui o título de doutor pela UEQI...
- Olha, o que não me preocupa nessa vida é a titulação, mas sim o conhecimento...

E a conversa durou o tempo suficiente para encontrar alguma desculpa esfarrapada para ir embora.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Filosofia de banheiro


Sabe aquele momento estilo elevador sem assunto? Em que não há correspondência nem identidade com o bárbaro que nos olha de canto de olho e mal resmunga um “ô”, às vezes mais agudo que até chega a sair um “ó”, mas ambos sempre com a pretensão de abreviar o “ôpa”, que àquelas alturas da situação desagradável é uma palavra tão longa quanto inconstitucionalissimamente.
E não me venham dizer que o “outro” de elevador, principalmente quando estamos sem saco, não é um Viking bárbaro, barbudo e horripilante. Mais: não me venham negar que o desejo de todo passageiro de elevador é que o instante efêmero mais prolongado da existência acabe (logo) com a chegada da cápsula ao destino térreo que, mesmo longe do céu, é o espaço mais libertador da alma no mundo contemporâneo. Até tem aqueles dias em que a paciência dá as caras e a gente se permite falar da porcaria do tempo. Dá vontade de perguntar, só pra ver a cara do Viking, “- viu que chuva molhada barbaridade?”...

Mas esse estranhamento cotidiano de elevador é sabido por todos e até já se comentou por ai, nas crônicas tantas da vida. Mas existe outro instante, análogo em desgraça, que eu queria compartilhar com os homens e revelar às mulheres: o momento bárbaro do banheiro público masculino, um outro momento instantâneo que de instantâneo não tem nada.

Chega-se ao banheiro público. Vale rodoviária (que além de tudo tem aspecto de banheiro do quinto dos infernos misturado com o raio que o parta), universidade, shopping e os de praça pública mesmo (esses se recomenda mijar direto na calça porque deixar o pau exposto naquele ar infestado de infestações representa iminente risco de que, na mijada seguinte, o pau se descole do corpo e se fique literalmente com o pau na mão). Chega-se ao banheiro público e ai o Viking - agora mijador - chega quase junto com você. Definição importante é quem, de fato, entra primeiro no banheiro, porque acaba dando o privilégio ao primeiro de escolher entre o mictório e o vaso.

O mictório, para que as mulheres entendam, é aquela boca de porcelana cheia de pentelho que vai temperado em geral com limões, gelo e, se bobear, sal...quase um mojito de mijo, ou melhor, um mijito. Revelação: TODO homem tem prazer em degelar os cubos de gelo com mijo quente, não há maturidade que resolva. Mas voltando, a decisão entre mijar no mictório ou no vaso envolve um sem número de associações inconscientes que se coadunam para definir a escolha. Do tamanho do pau até o número de mictórios, que podem nos deixar confortavelmente longe do Viking se forem uns dez alinhados e se o filho da puta escolher o mictório bem do canto.

Regra geral (1), se o Viking entra antes e escolhe o mictório, e se existem três mictórios ou menos, pode contar que o desgraçado tem uma anaconda que vai deixar qualquer pau da média nacional se sentindo uma mariamole sem gosto e sem vida. Regra geral (2), se o Viking entra antes e vai para o mictório, e se existem quatro ou mais mictórios, é provável que seja um cara gente boa, equilibrado e com um pau de gente e não de elefante, o que é confortador. Regra geral (3), se o Viking entra e vai para as cabines de vaso, tranquilidade garantida. Quando isso acontece e os mictórios estão vazios, escolho sempre o do meio. E me sinto o rei do mijo.

Mas, definidas as posições de cada um, mictório-vaso, mictório-mictório, vaso-vaso (este último que é caso de terapia conjunta entre o mijador e o Viking dada a estranheza da situação); outro DILEMA surge. É o momento de fazer o pau entender que chegou a hora de mijar. Esse instante é tipo o de elevador que não chega. Existe uma afirmação em mijar LOGO. Só que daí a porcaria do mijo, às vezes, acuado que deve ficar por mijar fora de casa e na presença de um Viking bárbaro, não sai. E ai o mijo do Viking também hesita e não sai. E fica-se ali, paralisado no instante, com o pau na mão. Literalmente à espera de um milagre. Forçar só atrasa mais o processo. Especialistas recomendam respirar profundamente. A cabeça (a que tem orelhas) controla tudo e só ela é capaz de resolver. Até que o impasse se resolva e fiquem dois idiotas ali, desmoronando gelo com mijo quente.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Entrevista Clarice Lispector - Parte Final

A liberdade selvagem

Depois de ler o belo texto do amigo Afif postado ontem, fiquei um tanto perplexo comigo mesmo, razão pela qual escrevi o manifesto abaixo.



Iluminado o caminho.
Vai-se sempre até aqui.
Tem-se (e me incluo) a filosofia da lanterna.
Que é prodigiosa, não há dúvida.
Mas iluminamos, conhecemos além dos palmos correntes e curtos...
...mas... e aí?
Agora temos que saltar e confiar no paraquedas!
À beira do avião, com o mundo à nossa frente!
Mas, em geral, não vamos.
Não nos permitimos.
E, então, resta.
Resta o grande salto.
Ficamos no prelo da existência que soubemos iluminar,
mas não soubemos tocar com os próprios dedos.
Como a indicar para que os mais corajosos que nós o façam.
E isso até nos conforta, pois ficamos no:


"alguém vai me escutar ou ler e um dia (sempre essa porra de um dia que nunca chega) e ai esse algúem com bagos de um macho (ou fêmea) que vê vai se permitir".

Pensamos isso...lá loooonge das linhas do pensamento,
mas só no pensamento.
E resta.
Resta deixar a armadura alinhada de tecidos finos.
Abandonar a responsabilidade.
Abraçar a nudez.
Fazer dela a vestimenta irresponsável,
mas no fundinho, caprichosa e autêntica
(não viemos pelados, enfim?)
Resta fazer da cor cinza do texto, coloração da vida.
Levantar a bunda domisticada da cadeira.
E fazer, mas fazer agora!
Não me venham com desculpas.
Agora! Já! JÁ!
Largar tudo, para não precisar de nada.
É dessa liberdade que se fala?
ou da liberdade elegante que morre nas letras?
Exatamente como essa minha covardia?
ou é da liberdade pensada que por ser de linha tão longeva é...sonhada?
Sim, talvez sonhada!
E só! Nossos sonhos morrem no travesseiro e no pensamento.
Mas que MISÉRIA onírica.
Até que os ossos já não mais tenham resistência
para permitir o salto do bungee jump,
mas sem corda de seguranças.
Segurança de quê? Viver é um dilema!
Mas e se o espatifamento for melhor que essa pobreza nossa?
E se aquele guizado de gente, morto e fétido, não for mais que um guizado?
E se talvez a bolonhesa humana for o simbolo de uma porta mágica,
onde reine soberana a liberdade?
Mas essa bunda, essa bunda quadrada, mole e "maria-vai-com-as-outras",
essa bunda minha, tua,
dos que percebem como nós e sentam na mesma cadeira macia todos os dias...
essa bunda coletiva terá coragem de levantar?
Eu não tenho, mas vivo de dizer
- e de me convencer - que AINDA não tenho.
Esse é meu sonho.
Sou um missionário em busca da liberdade que não existe.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Abandonado da enchente



Ouvi o dito popular há muitos anos atrás, mas nunca tinha me interessado na averiguação da sua origem. Agora descobri, lendo as reminiscências do Dr. Sérgio da Costa Franco. Nas "Memórias de Um Escritor de Província", aquele notável historiador, ao comentar a grande enchente de outono de 1941, em Porto Alegre, fala do desamparo das vítimas da calamidade, gerando nelas tamanho assombro que fez nascer na cidade a expressão o abobado da enchente.

As pessoas ficavam dias e dias fora de casa, com a perda de quase todos os pertences. Dos lugares mais altos, livres da inundação, olhavam sem esperança as águas subirem cada vez mais, num estado de estupefação que se confundia com a debilidade mental. Explica o escritor que, por muito tempo, qualquer palermice que se cometesse era explicada com crueldade: "Coitado, ele é abobado da enchente!Pois o movimento de subida da maré daquele outono antigo apateta gente até hoje, deixando-as ao desabrigo da bestialidade:

Abobado da enchente é quem passa pela vida preocupado unicamente em acumular dinheiro, como se, ao morrer, pudesse levar nos beirais da mortalha o que guardou na caderneta de poupança.

Abobado da enchente é quem larga mulher e filhos para se juntar com uma guria bem novinha, que quando diz "eu te amo tanto, meu velho" não olha para os olhos, mas para o extrato bancário do trouxa.

Abobado da enchente é quem entra na política pensando em se acomodar no dinheiro público. Quem saqueia o povo faz para si um mal tão grande que nem o próprio povo deseja.

Abobado da enchente é todo aquele que, ao invés de consultar um médico para saber o que pode ser aquela dor aguda, vai atrás do afamado curandeiro recém chegado na cidade.

Abobados da enchente são todos os que futilizam a vida, como se ela fosse um liquidificador a produzir o mesmo caldo insosso na próxima manhã amarelada.

Abobado da enchente é aquele que não acredita no sonho da transformação. Aquele que já não guarda mais nem uma parte de si mesmo para renovar-se na utopia.

O abobado da enchente é quem acha que são os outros os únicos culpados pela sua permanente infelicidade. Se pesquisar junto ao espelho, encontrará fácil o exclusivo responsável.

Abobados da enchente são todas aquelas pessoas que jogam a saúde pela janela, em busca de patrimônio, e depois vendem tudo na tentativa de vencer a doença nascida daquela procura.

Abobado da enchente é quem se considera uma irremediável vítima da sociedade.

Abobado da enchente é principalmente aquele que acha que a viagem pelo mundo desconhecido não vale o cansaço.

O abobado da enchente tem a certeza de que vai durar perto de cem anos, e que, por isso, tem tempo de sobra para se incomodar com bobagem.

E o maior dos abobados fui eu, quando deixei de acreditar em Deus!




Texto do neointerlocutor pessoano Afif Jorge Simões Neto

domingo, 12 de setembro de 2010

Diálogos do velho safado 2


"...subi no elevador com a sensação que o meu poder ia aumentando. quando já estávamos dentro do apartamento, levantei a saia de Margy para ver o que prendia as meias no alto das coxas. depois passei-lhe o dedo no meio da mão direita pelo rego da bunda. ela deu um grito e o imenso pacote cor de rosa caiu no tapete, abrindo e esparramando tudo pelo chão. aquelas 3 galinhas branco-amarelas, com seus 29 ou 30 cabelos humanos pegajosos, retorcidos, assassinados, grudados nelas. pareciam estranhíssimas ali, boquiabertas naquele tapete surrado [...]

- ooh as galinhas.
- que se fodam.

a cinta liga dela estava suja, simplesmente perfeito. passei-lhe o dedo pelo rego outra vez.
ah, que droga. então sentei e abri a garrafa de uísque. enchi os dois copos até a borda, tirei os sapatos, as meias, as calças, a camisa e peguei um dos cigarros dela. fiquei sentado só de cueca. sempre faço assim, logo de saída. gosto de me sentir à vontade. se a fulana achar ruim, foda-se. porta da rua, serventia da casa. mas elas nunca vão embora. deve ser por causa do meu jeito. tem umas que dizem que podia ser rei. outras falam coisas bem diferentes. fodam-se.

- tenho dois filhos em Ohio. são crianças lindas...
- deixa pra lá. já passamos por essa fase. me diz uma coisa, você chupa pica?
- como assim?
- AH SACO! - espatifei o copo contra a parede. depois peguei outro, enchi e bebemos mais um pouco."





Bukowski em 3 Galinhas, do livro do mês.

sábado, 11 de setembro de 2010

Ilumina-dor


Piores são as dores
que sequer podem acontecer.
As que nem com mil refletores,
em nós se deixam ver.



PFF


sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Aspas




O "poeta" "aspador"
é, "na verdade",
um "grande" "duvidador",
em "busca" de "sinceridade".
PFF

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Entrevista Clarice Lispector - Parte 1 e 2









A profundíssima Clarice lembrada pelo blog de Warat num dos poucos registros da lendária escritora dos abismos sem fim.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Contos Imediatos XXX




DERROTA DA RAZÃO


O consultor econômico, àquelas alturas da crise financeira que assolava o país, foi dos poucos que tiveram aumento de salário no pontiagudo período. Chamado pela TV pública para explicar o modo de conduzir os ganhos para que a população não afundasse em dívidas, indicou, o estudado consultor, que era preciso correr para o comércio, em pleno setembro, para aproveitar a liquidação de 50% em todas as lojas, economizando e antecipando os presentes de Natal. Assim fizeram todos. Os estoques das lojas esvaziaram fazendo a alegria dos comerciantes, que tiveram faturamento nunca antes visto para aquele mês do ano. O planejamento do consultor tinha razão de ser, estava fundado em pesquisas científicas e tudo. Mas a maioria acabou entregando o presente antes do Natal...
PFF

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

O que nos salva?



ENTREPONTOSCARDEAIS

Fim que vira começo
que vira fim
que vira recomeço
que vira-se, enfim,
em tropeços.
E vira-se, cada um,
de costas.
Lonjura pura
que vira, no fim do fim,
tentativa ou salvação ou olvido,
ou os três.

Com costas com costas
e desejos de
"vai tomar no meio do teu cú"
(Cú tem lados...?)
vemo-nos virados,
contemplando
o horizonte do sul
o horizonte do norte
mas contemplando,
sempre desde lá, no plural.
Entrepontoscardeais.
Abanando-se com o dorso das mãos.
Escutando ao longe a voz.
Escutando até que não mais,
até o eco ausente.
Que se desfaz
sendo permanente.

E o fim de recomeços
que ao fim se finda,
vira eternidade.
E não deixa de ser
pois os amores que carrego,
sou Eu.


Baron de Condesexto

Exposição temporária de Fernando Pessoa



Indicado pela querida Déa, que disse ser imperdível, o Museu da Língua Portuguesa apresenta a exposição temporária Fernando Pessoa, plural como o universo até janeiro do ano que vem. Dica quentíssima para quem passar por São Paulo.

http://www.museudalinguaportuguesa.org.br/

domingo, 5 de setembro de 2010

Universo da cama




tomamos
chá
no chão
da cama.

esquecemos
o bule de chá
no chão
ao lado da cama.

a perna
caiu
no vão
da cama.

se entreabriu
sorrindo
o vão
da ama.

o peito
nu
na mão
à cama.

lençóis
desalinhados
em vão
na cama.

os movimentos
ritmados
tão sãos
sobre a cama

até as molas
ensacadas
privada publicação
no canto da cama.

as luzes
em nós enroscadas
iluminação
chamas na cama.

a parada
mãos nas têmporas
amor senão
na cama.

novo chá
divina ca(l)ma
redenção
no teto da cama.

PFF

sábado, 4 de setembro de 2010

Café com Pessoa





Tomei um café demorado
com Pessoa, o poeta Fernando.
Se foi mentira ou verdade,
ou verdade pela metade,
quem sabe?
Fomos essa dúvida,
cafeinada e dileta
que até agora
nos franze os olhos, inquieta.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Me anulo



Eu anulo meu voto. Se funciona? Tenho certeza que não. Levo a gota de água no bico até a floresta em chamas. Minha gota não serve para porcaria nenhuma. Mas eu anulo, no pleno exercício da falsa liberdade que tenho. Se a Dilma foi guerrilheira e tá com a cara toda retalhada para se inserir no modelo do raso julgamento da maioria bananeira, se o Serra tem muita olheira e só favorece os empresários sanguinários do país e se a Marina não fala nem português direito e não tem cacife internacional; pouco me importa. Até hoje não recebi nenhum email com proposta falsa de ninguém, dá até pra começar a campanha "A volta das promessas estilo conversa pra boi dormir", pelo menos ficaria uma disputa mais educada, desde os anos 80 que o Cazuza percebeu que as mentiras sinceras quase sempre interessam. Ficar queimando o adversário é tiro no pé politiqueiros! É como conquistar mulher disputada, deve-se exaltar as qualidades do cavalheiro adversário. Vai ver também a política não parou para pensar pelo viés da maquinaria humana...

Refletir política é refletir em como prescindir dela. É esse meu único esforço em relação à isso. Se funciona? Tenho certeza que não. Mas a democracia que vá brincar em outro lugar, bem longe de mim. Minha paciência é curta com coisas que não me interessam. Se sou egoísta? Sim, pelo menos quando se trata de política. Se sou egoísta com o resto? Tento não ser tanto, mas me permito a tentativa. Pelo menos, que é o mínimo do mínimo e por isso mesmo já é alguma coisa. Portanto, não me encham o saco com emails cravejados de teorias da conspiração e dados duvidosos, me excluam da lista. Eu não fico fazendo campanha pelo Sr. Nulo que é cheio de boas intenções como os outros candidatos. Eu tô fora. Tô nem aí. Se continuarem enchendo minha caixa de emails, não vou mais reclamar, vou simplesmente deletar. É que tento também minimamente, que é pouco mas é alguma coisa, não julgar, respirando toda a paciência que existe ao meu redor.

Cartas


Ontem tomei uma pinga, solito. E bastante. A pinga é uma amiga. Amiga porque nos joga em nossos próprios terrenos, nos nossos terrenos mais selvagens como diz o mestre Warat. Mas não só por isso. Porque ela nos pega pela mão e, delicadamente, nos joga no nosso terreno sem muros, comlpetamente aberto e de vastidão que a vista não alcança, e podemos deslizar com a maior parcela de liberdade que temos quando erguemos nossas cancelas morais e nos permitimos a pureza de ser, no sentido mais possível de existir, ainda que não seja a pureza completa, aquela que só com a morte somos premiados. O intróito é para dizer que com teu email fui longe, meditando sobre essa doçura existencial que é o encantamento de um por outro.

Ontem escutei o Chico falar sobre amor, dizer com outras palavras que só com simplicidade se pode explicar o amor. Como se fossem os três passos simples que traduzem o amor intraduzível por alguém. E o disse numa canção que resumiu as etapas da simplicidade da explicação do amor:

1) Gosto dela.
2) Gosto dela, porque era ela.
3) Gosto dela, porque era ela, porque era eu. (e ponto)

E ainda que seja inegável a beleza da bela que me chega por meio da foto, é uma beleza que a mim chega fria. É uma beleza quase morta, ainda que belamente morta. Desconfio dos ares sombrios da morte que paira no imaginário comum. Só concordo que a morte seja feminina, de resto, deve ser gostosa, apertada e com uma cinturinha de tocar polegares e indicadores com as mãos. Mas mesmo fúnebre, não deixa de ser bela. Tal qual tantas outras belas que nos perambulam e já perambularam. As belas das revistas. Que ejaculamos com o olhar e depois que folhamos a última página, voltamos a reiniciar a angústia a partir do novo piscar de olhos para o mundo. As belas tantas que trotam nas ruas em que nunca vamos estar, nas esquinas em que nunca vamos cruzar.

E por isso tudo, amigo, que mais belo que a imagem da bela que me envias, é o encantamento teu. Teu mais puro estado de encantamento é, este sim, a apoteose da beleza humana. Não da beleza de se ver, mas de outra mais fidalga que é a de se sentir. Da beleza que não tem traços definidos, mas que habita aquele universo sem nome, em que esforçadamente sempre tentaste estalar os dez dedos das mãos em riste para criar estrelas ao redor dos momentos mágicos que a vida te presenteou. E foram tantos, eu lembro bem. A vida - pressinto e sei - é graciosa com o amigo, que recebe encantamentos de presente em embrulhos tão delicadamente feitos. Com direito à fita mimosa e outros mimos notáveis.

Eu até poderia dizer, como a auxiliar tua subliminar angústia, se ela serve ou não serve pra ti. Mas não o farei. Porque o encantamento é uma divindade em que a resposta não tem vez, porque não se pode questionar. Se não há pergunta, prescinde-se da resposta: condição número um dos encantamentos. No dicionário dos momentos mágicos não consta a palavra porque, que provavelmente seja o mais amaldiçoado dos verbetes. Essa pergunta que fazes, é como a pergunta filosófica sobre Deus, que não é uma pergunta possível, por não requerer resposta. Como não to posso ser o respondedor que querias, me findo como narrador privilegiado já que acompanho teus poréns desde há mundo. Permita-me, com a humildade plena que'inda busco, ser o narrador de teu existencial. E o que narro, como amigo do coração, é que ela é um encantamento teu, e que, por isso apenas, ela é divina nos arredores de ti mesmo, que é o único universo que te pertence.

Hoje me sinto muito em mim mesmo. E sem fronteiras. E a vontade era de sentar na frente do mar, com o amigo na mesa de um bar e passar o dia se alimentando de diálogos sobre os encantamentos da vida. Dos instantes mágicos que passaram e dos que virão. Dádivas de ontem e de hoje, mas dádivas, seguramente dádivas.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Mijando a memória



O mijo que


mais gosto,


é o mijo do café.


Me faz lembrar.

Soneto da poltrona fria





Inveja tamanha tenho
Das gentes de vida estável.
E nem com esquecido empenho,
Tocarei a calma de suas poltronas confortáveis.

É que suas calmas
São selvagem ferino dormente.
Que sujeitas à leve zumbindo consciente,
Despertam - falsas rimas antes presentes.

Eis que a rima, por sentida,
É das linhas e da vida,
Essa sentida tanto e tão simplesmente.

E a benévola vida na poltrona havida,
Agora desperta por feridas dantes não sentidas,
Faz da antiga rima um nexo inconsistente.
PFF

Poema do velho safado

"...nascido nisso, andando e vivendo dentro disso. Morrendo por causa disso..."

Bukowski

ps. Fiquei detido na inscrição epitáfica do final do vídeo que diz: "Não tente"...putaqueopariu!

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Acompanhar a convalescência de um amigo





Não existe lugar em que Vinícius seja mais Vinícius que no banco...scott banco.

...porque é da natureza do óbvio não ser óbvio.



Diálogos do velho safado




[...]

- O que é que você faz na vida? - indagou.
- Sou escritor.
- Ah, que bacana! Onde já publicou?
- Ainda não publiquei.
- Bom mas então não é propriamente um escritor.
- Tem razão. E estou morando num puteiro.
- Como é que é!?
- Falei que tem toda a razão. Não sou propriamente escritor.
- Não, me refiro à outra coisa que você disse.
- Estou morando num puteiro.
- E costuma morar?
- Não.
-Como é que não está servindo no exército?
- Rodei no psicotécnico.
- Tá brincando.
- Ainda bem que não.
- Não quer ir pra guerra?
- Não.
- Mas eles bombardearam Pearl Harbor.
- Ouvi falar.
- Não quer combater Adolph Hitler?
- Não muito. Prefiro deixar pros outros.
- É covarde, então.
- Sou sim.

[...]


Charles Bukowski em "A vida num puteiro do Texas" do livro Crônicas de um amor louco - ereções, ejaculações e exibicionismos PARTE I