quinta-feira, 24 de outubro de 2013

orgasmo no clitóris é como fumar e não tragar




Então falamos sobre como ela gostava. Me disse que tinha construído sua própria via-régia até o orgasmo. Eu ficava imaginando não o gozo em si, porque esse eu sentia, mas o caminho. E que tipo de paisagem erótica ou exótica ela via enquanto ia caminhando até o abismo do orgasmo. E o modo como caminhava, ou se rebolava, ou se corria, ou se deslizava. Ou se era abduzida na hora do abismo ao invés de cair. O orgasmo feminino é mais misterioso que todo o Cosmo e os Buracos Negros e os OVNIS. É da natureza do êxtase não ter direção, nem noções espaciais precisas. É uma espécie de lambida que a gente dá na morte. Ela preferia orgasmo interno, o choque das paredes internas, o frêmito invisível dos sucos espalhando-se por dentro. Disse que gozar pelo clitóris era como fumar um cigarro e não tragar. Fiquei pensando em como sabemos pouco sobre o corpo de uma mulher. E nada sobre sua alma. Em como somos miseravelmente ignorantes. E em como somos óbvios com nosso pau ali honestamente pendurado, e nosso orgasmo inegável, e todas mentiras que não sabemos mentir.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

escute-me




Estamos ligados um no outro.
Tenho provas improváveis.
A ciência não poderá dizer.
Nem nada poderá dizer.
Dizer o quê, quando a coisa já está dita?
Não se pode ver, mas acontece:
em todos os lugares e em nenhum lugar ao mesmo tempo.
As coincidências pululam e pulam.
E gemem em eco.
As recorrências também.
As novas incidências do mesmo, somadas às diferenças do múltiplo.
A diferença acontecendo dentro da repetição.
E eu ai dentro -
do teu banho,
da tua coberta,
da tua vida,
do teu corpo.
Morando ai em ti,
como se tivesse mudado pra um flat beira-mar.
Com rede na sacada.
E música boa.
Ganhando um assopro de vida sem fazer mal pra ninguém.
Feliz com a potência da coisa.
Olhando tudo de olhos fechados.

domingo, 13 de outubro de 2013

morte aos facínoras



A segunda é uma minoria ignorada.
A segunda foi deposta pela tirania da maioria das sextas e sábados.

Por isso se prostituiu.
Teve que sair de casa.
E dar sem vontade ou tesão para os velhos gordos e broxas,
por sobrevivência, pra pagar as contas.

Sonho uma segunda recriada. 
Como um final de semana ao contrário.

Sonho que a segunda seja a primeira.

E torço que os casais possam transar na segunda.
Não de noite, mas de tarde.
Boa parte dos problemas do mundo se resolveriam 
se as pessoas trepassem mais de tarde.
 
Eu luto pelas segundas.
Mas sem passeata, porque passeata cansa.
Pretendo ressuscitar as segundas.
Para que tenham direitos, 

para que não sofram preconceito nem bullying,
para que tenham quota na universidade, 
para que tenham passe livre no metrô. 

Para que sejam ressarcidas por esperar na lama.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

o coice





a paixão é um coice.
é uma morte violenta de um adolescente que bate o carro no final de semana.
e que está frio no meio de um velório dramático, com o mundo desabando ao redor daquele corpo frio.
e que faz a vida mudar do dia pra noite pela dor da ausência nos que ficaram.

simplesmente pelo que se era antes daquilo que aconteceu.

a paixão também é um coice de carinho.

nesse tipo não há corpos frios, apesar de toda a mudança.
um coice 

que sorri três vezes no celular quando ela coloca três bocas ao invés de uma.
e que olha as árvores passando enquanto um ônibus anda.
e que fica 24h sem comer, na cama, fungando uma pele,

com os gatos olhando com ceticismo para o jeito como a gente faz amor.
e que acorda como se já tivesse acordado,

com ares de uma outra vida repetida, 
uma intuição mais próxima da verdade do que a própria verdade.
e que diz SIM.

Porra, temos que dizer sim para as coisas - toda a merda do mundo começa com um Não!
 

e que afirma a desrrazão daquilo tudo.
e que percebe que o sol, quando morre, é mais bonito.

e que nota que tem outras coisas além do sol que são bonitas mortas, ou morrendo.
e que não entende a rapidez dos coices, das lanças e do estar vivo e já não estar mais.
que não entende nada.
e que só trairá o outro com o silêncio.
ou nem mesmo com ele.


a paixão é um tipo de absurdo.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

sem escrever a palavra silêncio





E eu...
que me pensava rico de palavras,
me percebi menino.
Ou melhor: criança.
Dessas novinhas, de colo.
Tipo as que cospem a papa na gola da camiseta.
E que devolvem a papa para a colher, 

sem nenhuma culpa ou vergonha dos outros.

Definitivamente, não tenho sabido dizer!
Por isso, quando escurece, escrevo.
É um jeito nostálgico de lembrar quem eu fui.
Mas escrevo só a raspa do tacho,
só as cracas das palavras que, mesmo ditas, não dizem porra nenhuma.
Dizer é errar o alvo das coisas humanas que são sumas.

E eu...
que me pensava rico em palavras!
QUE INGÊNUO! QUE IMBECIL!
Fui autoboicotado por mim mesmo, que é um tipo de boicote raro. 

E duplo.
Tenho tido fé no gaguejo.
E balbuciado como nunca.
Ando bom também em enrolar a língua:
Em público porque sou sequestrado pelo que penso.
E no íntimo porque simplesmente minha dicção gripou.
É uma espécie de virose da linguagem que os médicos nunca poderão catalogar porque ainda acreditam em catálogos.
Craque mesmo fiquei em sussurro e gemido - tanto em emitir quanto em ouvir,
porque não se pode dizer nem um nem outro.
De resto tenho BABADO.
E limpado na manga da camisa.
Isso porque pegaria mal pra um cara de 30 andar com aquele paninho-branco-estanca-baba-de-recém-nascido.

É que depois dela emudeci.
Não sei dizer.
E nem quero.