sábado, 19 de dezembro de 2009

Olha! quem é esse? Acho que é meu pai. Ele tá brabo comigo? Olha minha mãe sorrindo... Não, parece triste... Será que é por minha causa?
Menino, não pode falar essas coisas, é errado! Olha as outras crianças, como são comportadas. Tá vendo teu amiguinho? Os pais são orgulhosos dele, só tira notas altas...
Olha, meu filho, tens que tomar cuidado! Tu só podes confiar na tua família.
Menino, tu não enxergas! Eu dou um duro danado pra pagar as contas e tu só fazes estudar na vida!
Olha, tu tens que ser um homem de sucesso!
Olha, casamento é pra vida toda....
Um bom homem é aquele que tem um olhar para o futuro... Olha teu pai....
Olha o filho do João, entrou nessa roubada de se apaixonar e tomou um chifre da mulher...
Olha a mulher perfeita pra eu casar...
Olhar nos olhos é coisa de gay...
Olha: meu filhão nasceu, vai ser que nem o pai! Olhar firme e dinheiro no bolso...
Olha, tô com uma dor esquisita nas costas....
Não tenho tempo, olha os clientes chegando...
Olha o novo carro do ano.
Olha que festa chique...
Olha se gosta dessa roupa...
Olha, quanto mais tempo no trabalho, melhor...
Olhar pra minha mulher todo dia é duro...
Olha, não estou enxergando direito, vou ao oculista. Dois graus e meio! Puxa, vou usar óculos que nem meu pai!
Não, agora não, tô cansado, filho. Olha, o pai tem coisas importantes pra resolver...
Olha, Carlos, sei que faz 2 anos que eu não apareço no futebol, é que preciso ter uma visão para a empresa...
Ah, meu amor, esse final de semana eu tenho que focar no trabalho, não vai dar...
Cara, seus olhos estão estalados...
Olha, tô sentindo uma coisa estranha no peito...
Paula, olhando bem, me sinto muito agitado, vê na farmácia um calmante, um remédinho pra eu dormir melhor...
Te olha no espelho, João, é mais sério, tu estás pálido...
Olha, nada de médico, sei me cuidar sozinho...
Olha que gostosa! Pára, Antonio, sabes que eu não tenho olhos para isso...
Olha, tô sentindo falta de ar... olha, minhas mãos estão trêmulas...
Olha meu filho, como cresceu!
Olha, tô com a boca seca...
Olha, onde estão meus amigos?
Olha, preciso deitar...
Olha, não amo minha mulher faz uns 10 anos...
Olha, está escurecendo...
Olha meu filho chorando...
Olha meu corpo caindo...
Olha como eu vivi sozinho...
Olha meu coração explodindo...
Como não vi tudo isso?!

Abra os olhos, agora!

domingo, 13 de dezembro de 2009

Ao descobrimento

Quinhentos e tantos anos depois, o homem lança-se novamente ao mar. Para novas descobertas e outros escambos nas Índias.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Érica, Lispector e um sorriso


Recebi uma linda homenagem no blog da amiga Érica. Tanto pelo carinho quanto pelas sempre fidalgas palavras de Lispector, faço um agradecimento público a ti Érica; e reproduzo esta exata combinação de palavras! Seguimos a intuir as verdades; essas que, ao final, reinam como floridas certezas na mais límpida consciência. Com as sombras das verdades já podemos milagres!



"O que me tranqüiliza é que tudo o que existe, existe com uma precisão absoluta. O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete não transborda nem uma fração de milímetro além do tamanho de uma cabeça de alfinete. Tudo o que existe é de uma grande exatidão. Pena é que a maior parte do que existe com essa exatidão nos é tecnicamente invisível. O bom é que a verdade chega a nós como um sentido secreto das coisas. Nós terminamos adivinhando, confusos, a perfeição."


Clarice Lispector

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

tim-tim aos idiotas!


Se bebemos para ser mais idiotas e se, idiotas, ficamos dionisiacamente felizes; então os idiotas que o são sem qualquer álcool vagando pelo sangue, são dionisíacos sóbrios, que fazem da vida uma felicidade plena. Que fortuna ser um idiota completo! Por isso, devemos brindar quando estivermos bêbados e efemeramente idiotas, aos idiotas de verdade, os mais sábios entre os sábios mais idiotas...tim-tim!

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Boaventura de Sousa Santos: a contrarrevolução jurídica



A contrarrevolução jurídica



ESTÁ EM curso uma contrarrevolução jurídica em vários países latino-americanos. É possível que o Brasil venha a ser um deles.Entendo por contrarrevolução jurídica uma forma de ativismo judiciário conservador que consiste em neutralizar, por via judicial, muito dos avanços democráticos que foram conquistados ao longo das duas últimas décadas pela via política, quase sempre a partir de novas Constituições.Como o sistema judicial é reativo, é necessário que alguma entidade, individual ou coletiva, decida mobilizá-lo. E assim tem vindo a acontecer porque consideram, não sem razão, que o Poder Judiciário tende a ser conservador. Essa mobilização pressupõe a existência de um sistema judicial com perfil técnico-burocrático, capaz de zelar pela sua independência e aplicar a Justiça com alguma eficiência.A contrarrevolução jurídica não abrange todo o sistema judicial, sendo contrariada, quando possível, por setores progressistas.Não é um movimento concertado, muito menos uma conspiração. É um entendimento tácito entre elites político-econômicas e judiciais, criado a partir de decisões judiciais concretas, em que as primeiras entendem ler sinais de que as segundas as encorajam a ser mais ativas, sinais que, por sua vez, colocam os setores judiciais progressistas em posição defensiva.Cobre um vasto leque de temas que têm em comum referirem-se a conflitos individuais diretamente vinculados a conflitos coletivos sobre distribuição de poder e de recursos na sociedade, sobre concepções de democracia e visões de país e de identidade nacional.Exige uma efetiva convergência entre elites, e não é claro que esteja plenamente consolidada no Brasil. Há apenas sinais nalguns casos perturbadores, noutros que revelam que está tudo em aberto. Vejamos alguns.- Ações afirmativas no acesso à educação de negros e índios. Estão pendentes nos tribunais ações requerendo a anulação de políticas que visam garantir a educação superior a grupos sociais até agora dela excluídos.Com o mesmo objetivo, está a ser pedida (nalguns casos, concedida) a anulação de turmas especiais para os filhos de assentados da reforma agrária (convênios entre universidades e Incra), de escolas itinerantes nos acampamentos do MST, de programas de educação indígena e de educação no campo.- Terras indígenas e quilombolas. A ratificação do território indígena da Raposa/Serra do Sol e a certificação dos territórios remanescentes de quilombos constituem atos políticos de justiça social e de justiça histórica de grande alcance. Inconformados, setores oligárquicos estão a conduzir, por meio dos seus braços políticos (DEM, bancada ruralista) uma vasta luta que inclui medidas legislativas e judiciais.Quanto a estas últimas, podem ser citadas as “cautelas” para dificultar a ratificação de novas reservas e o pedido de súmula vinculante relativo aos “aldeamentos extintos”, ambos a ferir de morte as pretensões dos índios guarani, e uma ação proposta no STF que busca restringir drasticamente o conceito de quilombo.- Criminalização do MST. Considerado um dos movimentos sociais mais importantes do continente, o MST tem vindo a ser alvo de tentativas judiciais no sentido de criminalizar as suas atividades e mesmo de o dissolver com o argumento de ser uma organização terrorista.E, ao anúncio de alteração dos índices de produtividade para fins de reforma agrária, que ainda são baseados em censo de 1975, seguiu-se a criação de CPI específica para investigar as fontes de financiamento.- A anistia dos torturadores na ditadura. Está pendente no STF arguição de descumprimento de preceito fundamental proposta pela OAB requerendo que se interprete o artigo 1º da Lei da Anistia como inaplicável a crimes de tortura, assassinato e desaparecimento de corpos praticados por agentes da repressão contra opositores políticos durante o regime militar.Essa questão tem diretamente a ver com o tipo de democracia que se pretende construir no Brasil: a decisão do STF pode dar a segurança de que a democracia é para defender a todo custo ou, pelo contrário, trivializar a tortura e execuções extrajudiciais que continuam a ser exercidas contra as populações pobres e também a atingir advogados populares e de movimentos sociais.Há bons argumentos de direito ordinário, constitucional e internacional para bloquear a contrarrevolução jurídica. Mas os democratas brasileiros e os movimentos sociais também sabem que o cemitério judicial está juncado de bons argumentos.




BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, 69, sociólogo português, é professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal). É autor, entre outros livros, de “Para uma Revolução Democrática da Justiça” (Cortez, 2007).

domingo, 6 de dezembro de 2009

Ideologias de domingo


DUVIDE

Duvide, acima de tudo, deste modelo de felicidade que ecoa nos espaços públicos já sem ideologia. Duvide deste orgasmo vital das telas luminosas que fazem da ganância a ideologia que tenta educar cabeças cheias de nada. Dos falsos sorrisos de felicidade que querem domesticar nossas tristezas. Duvide destes horizontes idealizados, que indicam enganosamente ser iguais o brilho do ouro e o brilho dos sorrisos verdadeiros. Desconfie destes sorrisos modulares; destes gestos modulados. Duvide - por favor duvide - da felicidade que não existe. Só assim poderás encontrar a delícia dos momentos alegres e a certeza de que as tristezas são prelúdios dos instantes de alegria e dos ínfimos estados de felicidade.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Atualidades centenárias de Nietzsche


Toda moral tem por fundamento o proveito do rebanho: a aflição dos homens mais raros e superiores está no fato de que tudo o que ela distingue chega-lhes à consciência com o sentimento de apequenamento e de difamação. As forças do homem atual são as causas do abscurantismo pessimista: os medíocres, como de resto do rebaho, quase não possuem questões ou consciência moral, - são alegres. [...] Tanto mais perigosa uma característica parece ao rebanho, tanto mais a fundo ele se acautela em relação a ela.
Friedrich Nietzsche

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Para perceber...

AFLORDOPOTINHO


Os caminhos se apresentam crus!
E as verdades de hoje,
oxalá serão de amanhã também.
O ritmo e a rima não são nada.
Não podem querer ser nada.
Pois tem um algo qualquer de convencimento.
Uma musicalidade que encanta, que fascina.
Porém, o que se busca, em casos raros da vida,
não é exatamente convencer, mas fazer perceber.
O convencimento pode ser um processo, um ardil,
um embuste que busca vitória ou satisfação episódica.
O convencimento é um contagotas de final marcado.
Convencer talvez pudesse ser uma arte,
uma técnica, uma ciência ou uma religião.
É em geral dom inato de homens cordatos.
A história já mostrou que para convencer,
nada se precisa sentir verdadeiramente.
Ainda que os filósofos das interioridades
apontem que ao mentiroso –
que é um convencedor de inverdades –
seja eficaz crer na própria mentira,
não é de convencimento que se constituem
os capítulos importantes da vida.
O filme que nos embriaga
não se conecta a nós por mérito convencitório do diretor,
mas por crença fervorosa de sua história.
Os advogados mais exitosos de um tribunal,
não o são por mestres da retórica, mas porque
acreditam e sentem a verdade do que dizem.
Também os bichinhos de estimação, que nos seduzem
com os olhos tristes e a pelagem macia,
não são convencedores da natureza,
mas despertam a emotividade que adormece
no depauperamento da sensibilidade humana.
Esses todos não nos convencem,
mas fazem perceber que suas razões são
únicas, verdadeiras e, por isso tudo, sinceras.
Não nos convencem, pois, mas nos fazem perceber:
que o filme trazia parte de mim,
que a causa trazia parte dos jurados,
que o cachorrinho trazia parte de seu dono.
E para perceber, quão crus são os caminhos.
Ademais de brutos, os caminhos são longos.
E tantos voltas, idas e vindas, paragens,
pedras pontiagudas, falsas fontes de água,
miragens de todas as cores e curvas labirínticas
tem esse itinerário da vida.
E seus viajantes, inconscientes de si mesmo,
são nau a deriva de seu próprio rio e canoa.
Os lugares mais altos dos sentidos
são impossíveis em solidão.
E também são impossíveis com quaisquer.
A solidão nos aprofunda, até enobrece;
mas só a conjugação nos eleva celestialmente.
Do ctônio ao celestial, queremos este.
Ainda mais com as máculas narrativas
que especulam ser no centro da Terra
o endereço do diabo e do inferno.
Perceber tudo isso leva tempo,
de repente uma vida toda aos pobres insensíveis.
Perceber é o maior detalhe
dessa vida tão cheia de detalhes.
O amor mesmo inaliterado dessas letras,
é o cume das vidas, é o espaço celestial,
Eis aqui sua receita:
2 vidas e 2 percepções.
Depois mexa tudo e
deposite a mistura num potinho de sonhos possíveis.
De lá brotarão flores personalíssimas.
Únicas como as digitais dos dedos
ou os pigmentos da retina.
Perceba sua flor, para depois poder cuida-la.
Como perceber?
Fale com a história dos seus sentidos,
(re)atualize seus conceitos,
especule sobre as noites e
funda seus próprios horizontes.
Se achar que te convecem, desconfie!
Se sentir que estás a perceber, amém!

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Luis Carlos Prates: o cabeça de azeitona!



Recebi do Prof. Zeca da Unisinos essa triste pérola. A espinhenta realidade é o que passa diante dos nossos olhos com o comentário desse ser com evidente debilidade mental. Analisando a novembrada, manifestação popular realizada em Florianópolis em 30 de novembro de 1979, diante de uma visita do então presidente João Batista Figueiredo; esse "cidadão de bem" reflete a miséria intelectiva que se propaga pelo senso comum. É doloroso ver que esse tipo de gente forma a opinião das massas. Recebi essa semana outro vídeo com os comentários desse cego ignorante em que falava, no alto de suas reflexões cheias de experiência, sobre educação e sobre a importância da condução dos alunos sob a filosofia totalitária. Disse ele que criança não pensa e não pode nada, então, deve ser privilegiada a imposição sob todos os aspectos. Imposição, coação e propagação de um discurso único de verdade...Olha, me fadiga ter que escrever pra criticar isso! Então desliguem a televisão já que se a liberdade fosse ditatorial era de mandar prender esse cidadão pelo efeito nefasto que causa nas cabeças de quem não tem capacidade crítica...

O Sonhador ( I )

Em outro tribunal kafkaniano da vida o sentenciaram como Sonhador. E decidiu-se no escuro. Na presença única dos grilos a tilintar seus grunhidos agudos, sem as lentes das câmeras da imprensa local nem o empuxo moral das platéias. Sem fontes bem definidas como mediatas ou imediatas, sem gravação eletrônica, taquigráfica ou estenotipa para deixar rastros para futuras investigações e possibilidades de recurso à instâncias que provavelmente nem haviam. A nosso incompreendido Sonhador, diversamente de K., sequer havia um julgador despreparado para lhe apertar a mão suada ao final da condenação, afinal, não há relatos na história da civilização de que existam grilos capazes de apertar a mão como forma de apaziguar o coração de um recém condenado. A síncope doce dos projetos de um sonhador era suave como a morte por afogamento, essa que especulam os vivos ser a melhor – estranhamente ninguém nunca morreram por afogamento e voltou para contar se é deveras terna a morte quando os pulmões se enchem de água. Como aos vivos lhes apraz lançar sentenças especulativas de coisas que não fazem a menor idéia. Essa é uma prática conhecida e corrente nos tribunais da vida, os mesmos que nos moldes dessa passagem capitular condenaram nosso Sonhador.

Não sabia se seus encontros com as imagens oníricas se tornariam apenas memória ou se poderia seguir sonhando seus sonhos sempre. Afinal, o status de sonhador conferido a Sonhador era mera imposição nominativa ou aquela condenação teria a extensão perniciosa de lhe apagar, como que num passe de mágica, as aventuras surrealistas que experimentava nos seus sonhos e seus encantados mistérios? Rumando cabisbaixo pelas calçadas úmidas da sua grande cidade, essa sua indagação interior era espinhenta memória daquele julgamento que julgava ele ser injusto. Certo ou errado, moral ou imoral, justo ou injusto, o fato é que levava a ígnea estampa de sonhador gravada como uma tatuagem na pele da cara; e se via, mesmo sem alcançar sua imagem no espelho quebrado do banheiro de seu apartamento medíocre aos olhos dos medíocres, um condenado pelo tempo presente e atualizado da história. Vivia no seu tempo, e a isso também estava condenado. O presente – que sempre houve quem suspeitasse não se tratar de um tempo – era agora uma conspiração contra suas sadias imagens oníricas. Acordar era o lamento consciente do passado recente de flores e versos tão frescos como a saída de um banho com um amor. O caro leitor já percebeu o estado de graça depois de um banho de amor? Sim, um banho que se tem com quem se ama é uma comunhão graciosa entre uma alma feita de duas gentes e uma enxurrada de água. Mas nosso condenado percebia que sua atual debilidade era, por si só, frágil. Na primeira noite após sua taxação, fechou os olhos e esperou sem saber a profundidade daquilo que os cientistas do sono – provavelmente estadunidenses – chamavam de REM, esmiuçado como rapid eye moviment. Nesse estado do sono em que os olhos se desnorteiam é que Sonhador poderia alcançar o zênite dos delírios noturnos. Cruzou a parábola do sono durante toda a noite e de manhã, vendo-se acordado e com os olhos cheios d’água, havia percebido que sua noite passara em negro. Com nada havia sonhado, posto que o destino lhe havia concedido a graça de sempre lembrar com clareza dos próprios sonhos.

Imaginou acordado que lhe haviam roubado a sensibilidade noturna. Maculou a raça dos grilos e gafanhotos, lhe parecia que também estes tilintavam fugidios na declaração de sua sentença. Tinha a sensibilidade como rumo; e a ausência de sua capacidade noturna de sentir amargava o fundinho de sua garganta. Pensava que se realmente se confirmasse a decisão, não poderia mais arder noturnamente. Afinal, como sentir sem arder? As sentenças imperceptíveis em antanho eram sentidas, igual aos espíritos que nos rondam, esses que nunca vemos com contornos definidos, mas que sentimos a presença no calafrio do pescoço ou no relance do olhar. O Sonhador condenado deveria agora fazer-se acordado, recuperar seus prazer com os olhos abertos. Abandonar a ideia que tinha de que a clareza dos olhos abertos confundiam as imagens da vida. Era seguro de que só podia ver bem se olhasse suas interioridades. Lembrava o exato e profícuo Saint-Exupéry, regalado na infância por uma tia gorda que trocava os livros por uma fila quindins bem passados, quando dizia nas suas linhas que só se podia ver bem com o coração. Se o essencial é invisível, mesmo condenado pelos tribunais da mediocridade, o homem condenado, então, absolvia-se.

(CONTINUA...)

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Temas Emergentes no Direito


Há mais de um mês foi lançada, pela Editora Imed, a obra TEMAS EMERGENTES NO DIREITO. Integram a obra capítulos sobre os mais diversos assuntos jurídicos em voga. O 12º capítulo é de minha autoria e se chama "Reconfigurando o positivimo jurídico". Ainda que a propaganda sirva para todos os autores, portanto, inclusive para este que vos fala, resolvi escrever sobre o livro aqui no blog porque hoje terminei de ler o capítulo do querido amigo Luis Alberto Warat que inaugura a obra com o instigante título: "Do Paradigma Normativista ao Paradigma da Razão Sensível".

Incursionando pelo terreno da transdisciplinariedade, Warat se apóia na psicologia para denunciar as falsas representações ideológicas que mantêm aprisionado o Direito. Fala da necessidade de vencer os discursos estereotipados e os lugares comuns que engessam a capacidade sensível dos indivíduos que participam desse nômade e descarrilado circo jurídico . Denuncia as armadilhas do regramento apriorístico, tanto do campo psicológico (já comentado nesse blog) quanto jurídico, referindo que a utópica segurança jurídica nada mais é que um saudosismo psíquico em relação à primeira mamada, momento mítico de simbiose com o peito materno.

Por isso, afora os demais textos que tratam de temas de extrema importância, é especialmente pela qualidade altaneira das linhas de Warat que recomendo a obra.

Adágios sinceros

...

Pensar teus sussurros é perceber o milagre do mundo
...

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

As mulheres de Modigliani

A lindíssima canção se chama Queen Margot, da Orquestra Filarmônica de Praga.

Versos com magma...


ENTREMAGMAS

Venho despertando de mim.
Viajei aborrecido pelas estações.
Nos lugares do mundo, de Lisboa a Berlim,
mais borboletas sensíveis, menos dragões.

Ser sensível é ser poroso,
é escutar o inaudito.
Nesse meu calendário queixoso,
vejo tua forma nesse módico escrito.

No azar de não permanecer cego,
o belo é fadiga e futilidade.
Papeando com meu ego,
libertei minha própria clandestinidade.

Quando me encontrei, eu não estava!
E o espelho sorriu tua saudade.
Nosso filme era raro, mal começava.
O amor num potinho, guardava toda verdade.

domingo, 29 de novembro de 2009

Anestesia poética com Jorge Luis Borges


En cierta calle hay cierta firme puerta
con su timbre y su número preciso
y un sabor a perdido paraíso,
que en los atardeceres no está abierta
a mi paso. Cumplida la jornada,
una esperada voz me esperaría
en la disgregación de cada día
y en la paz de la noche enamorada.
Esas cosas no son. Otra es mi suerte:
las vagas horas, la memoria impura,
el abuso de la literatura
y en el confín la no gustada muerte.
Sólo esa piedra quiero. Sólo pido
las dos abstractas fechas y el olvido.

Jorge Luis Borges

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

...

Freud: orgasmos múltiplos ou homem-bomba?

Há alguns dias fiquei completamente surpreso com o desdobramento de uma discussão que, inicialmente de viés acadêmico, se desorientou para o campo das vaidades. Trata-se da discussão que gerou o texto sobre Freud e Jung lançado nesse blog há aproximadamente duas semanas. Ainda que o texto tenha sido completamente sincero – e por isso pode também ter sido áspero – fiquei realmente perplexo com os desdobres que causaram. Um verdadeiro clima de beligerância, afastamento e ignorância estimulada se acumularam em torno da tensão provocada. Pensei, repensei e resolvi fazer das nuvens carregadas um novo dia de sol claro, afinal, pouco se tem a ganhar, de lado a lado, quando as vaidades tomam o lugar reservado para o crescimento que emerge de um diálogo saudável, ainda que dissonante. Procurei meu amigo de debate, ofertando meu pedido de desculpas e a retirada do espinhento texto do ar. Sequer fui ouvido. Me foi batido, de forma fidalga (!)claro, o telefone na cara, igualzinho quando as namoradas estão magoadas e não querem ouvir explicações de nada! Não perdi noites de sono exatamente, mas reitero, fiquei perplexo. Primeiro pela grande diferença de idade entre eu e meu antigo “amigo”; sempre pensei que com o tempo a tolerância e a resignação ganhassem mais força. Além disso, pensei que alguém com idade para ser meu pai poderia ter a capacidade de relevar o “excesso de ideologia”, tão comum nas verdes idades em que a paixão transborda de todas as formas. Não ensinam isso na faculdade de psicologia? Foram todas frustradas minhas expectativas em relação a isso. Recebi um risível tu-tu-tu-tu e percebi que, apesar das rugas tímidas, tratava eu com um adolescente emburrado. Nada mais, nada menos que isso.

Confesso que devo muito ao mestrado da Unisinos pelas janelas reflexivas que se abriram em mim nos últimos tempos. Para quem não conhece, a dinâmica das aulas de pós-graduação estrito senso não tem nenhuma semelhança com a velha aula “papagaio egoísta” da graduação. Lá somos ensinados a debater, discutir e refletir. E pra isso ninguém precisa concordar com ninguém. Mesmo assim, confesso que a experiência com os fundamentalistas da psique me (re)ensinou aquilo que a velha filosofia campeira aqui do Rio Grande indica: não se pode dar murro em ponta de faca. Desdobres à parte, fiquei inquieto com a reação de contrariedade além do esperado e fui buscar suporte substancial em relação ao embate doutrinário. E porque pesquisando sempre se descobre, descobri que a psicanálise freudiana é tão fervorosa quanto essas religiões fundamentalistas. De acordo com os dados que colhi essa gente não mata ninguém, nem atira aviões em edifícios cheio de gente capitalista. De qualquer forma são tão fanáticos quanto os homens-bomba que explodem os próprios miolos em busca do paraíso cheio de virgens prontas para satisfazer, no céu, todos os desejos mundanos dos bombásticos imbecis. Também recebi suporte teórico de um excelente professor da UFRGS que esteve palestrando na Semana Acadêmica da Psicologia ocorrida na UPF no dia 11 de novembro. Dizia o professor Pedrinho Guareschi sobre os vícios da psicanálise em relação à não superação do paradigma racional-científico e do esquema sujeito-objeto e sobre algumas insuficiências da psicologia individualizada de Freud, que não tenho mais paciência para discorrer. Guareschi também fez uma interessante analogia: quando pingamos mercúrio na pele sã, não sentimos praticamente nada, porém, se tornamos a pingar mercúrio no mesmo lugar de antes, já com a pele sensível, sentimos alguma ardência e com a repetição podemos sentir fortes dores. A analogia foi utilizada para explicar que quanto se trata de dores da alma a mesma mecânica se dá: sempre que uma reação é demasiadamente inflamada, pode significar que tenha tocado em alguma ferida já aberta. E com isso fiquei especulando em que ferida fui eu, ingenuamente, tocar nos fundamentalistas da psicanálise...seja lá de cunho pessoal ou da sua seita hermética.

Pesquisando, o que me chamou a atenção nas leituras que fiz, foi a proximidade de Freud com a filosofia. Essa que segundo os adolescentes emburrados que debateram comigo não pode ser associada à psicanálise. Descobri que Freud, mesmo com a exclusão do status de obrigatórias das disciplinas de Reflexão Filosófica e História da Filosofia, cursou ambas e tardou o término de seu curso. Transcrevo agora, texto de Marcio Mariguela que faz conexões entre Freud e Nietzsche em relação ao sentimento de culpa. A Universidade de Viena de então era o centro de excelência da investigação científica, e havia pouco espaço para a especulação filosófica. Os jovens universitários, formados dentro do mais rigoroso estilo positivista de ciência – e Freud era um deles –, encontravam nas aulas de filosofia espaço para aventuras no terreno filosófico. Outro aspecto ilustrativo da especulação filosófica do jovem Freud pode ser identificado na correspondência com sua noiva Martha. Numa carta de 16/08/1882, escreveu: “a filosofia, que sempre imaginei como objetivo e refúgio para minha velhice, cada vez mais me fascina todos os dias”. Não se trata de demonstrar, como era previsível, que Freud se apropriou da filosofia para escrever toda sua rica obra. De qualquer forma, fica a minha perplexidade com a incapacidade de tolerância e de diálogo desses neofanáticos (pelo menos pra mim que não sabia). Escutei coisas como: “pra essa gente é Freud na terra e Deus no céu”. Caro o perigo das idealizações, sendo que desde já recomendo a leitura dos existencialistas, em especial Sartre. Ofereci espaço nesse mesmo blog para resposta, para que exercitássemos a dialética, e recebi uma total ignorância.

De qualquer sorte, aprendi na reunião que a falta de movimento é filhote da chamada pulsão de morte (essa coisa imbecil que Freud estranhamente só inventou depois que as Guerras mundiais estouraram). Vai ver seja essa tal pulsão de morte a operar nessa gente: morte (simbólica pela ignorância) à tudo que vai contra os preceitos metafísicos do deus feito de carne, ossos e um câncer de boca (Sim, nosso imortal Freud morreu de câncer na boca porque era fumante assíduo de charutos cheios de “pulsão de morte”). Ainda bem que os fanáticos da psicanálise e apoiadores não vão ler esse textinho que é também idiota e pueril. Afinal, essas letras são inexperientes e funcionam como o conteúdo da sacola do lixo, quanto mais aumentam mais fedem. Portanto, não venham aqui feder no meu monólogo e fiquem aí paralisados com a pulsão de morte e seu câncer holístico.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Furtando Pablo Neruda


Reorganizando os livros das estantes, que em verdade nunca estiveram organizados por tema ou assunto, encontrei um livro de poesias que ganhei em meados do ano passado. Assinando os versos, Pablo Neruda. Assinando a dedicatória, as estrelas. E me lembrei do filme "O carteiro e o poeta". Lá havia a seguinte mensagem: depois de escrita uma poesia, ela não mais pertençe ao poeta...Talvez por isso que a dedicatória vá acompanhada de um verso lindíssimo do Neruda. Quando encontrar-se em algum verso, apropria-te dele, serão seus para sempre.


Para mi corazón basta tu pecho,
para tu libertad bastan mis alas.
Desde mi boca llegará hasta el cielo
lo que estaba dormido sobre tu alma.
[...]

Acogedora como un viejo camino.
Te pueblan ecos y voces nostálgicas.
Yo desperté y a veces emigran y huyen
pájaros que dormían en tu alma.

Pablo Neruda

Ó céus! O inimigo do cidadão de bem também tem suas razões...

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

A massacrante felicidade dos outros


Recebi esse texto da querida amiga Ani Paludo e agora compartilho aqui. Nunca gostei muito dos escritos da Martha Medeiros, mas a ideia desse parece tratar de um sentimento que a todos já deve ter tocado, ainda que de mansinho. Se bem que deve-se sempre duvidar da fidelidade autoral de textos recebidos pela internet...de qualquer forma não importa!



A massacrante felicidade dos outros...


Há no ar um certo queixume sem razões muito claras. Converso com mulheres que estão entre os 40 e 60 anos, todas com profissão, marido, filhos, saúde, e, ainda assim, elas trazem dentro delas um não-sei-o-quê perturbador, algo que as incomoda, mesmo estando tudo bem. De onde vem isso?Anos atrás, a cantora Marina Lima compôs com o seu irmão, o poeta Antonio Cícero, uma música que dizia: 'Eu espero/ acontecimentos/ só que quando anoitece/ é festa no outro apartamento'. Passei minha adolescência com a mesma sensação de que algo muito animado estava acontecendo em algum lugar para o qual eu não tinha convite. É uma das características da juventude: considerar-se deslocado e impedido de ser feliz como os outros são - ou aparentam ser. Só que chega uma hora em que é preciso deixar de ficar tão ligada na grama do vizinho...As festas em outros apartamentos são fruto da nossa imaginação, que é infectada por falsos holofotes, falsos sorrisos e falsas notícias. Os notáveis alardeiam muito suas vitórias, mas falam pouco das suas angústias, revelam pouco suas aflições, não dão bandeira das suas fraquezas... Então, fica parecendo que todos estão comemorando grandes paixões e fortunas, quando, na verdade, a festa lá fora não está tão animada assim! 4Ao amadurecer, descobrimos que a grama do vizinho não é mais verde coisíssima nenhuma.Estamos todos no mesmo barco, com motivos pra dançar pela sala e também motivos pra se refugiar no escuro, alternadamente. Só que os motivos pra se refugiar no escuro raramente são divulgados.Prá consumo externo, todos são belos, sexy, lúcidos, íntegros, ricos, sedutores, enfim, campeões em tudo! Fernando Pessoa também já se sentiu abafado pela perfeição alheia - e olha que na época em que ele escreveu estes versos não havia esta overdose de revistas que há hoje, vendendo um mundo de faz-de-conta: 'Nesta era de exaltação de celebridades - reais e inventadas - fica difícil mesmo achar que a vida da gente tem graça.' Mas tem. Paz interior, amigos leais, nossas músicas, livros, fantasias, desilusões e recomeços, tudo isso vale ser incluído na nossa biografia...Ou será que é tão divertido passar dois dias na Ilha de Caras fotografando junto a todos os produtos dos patrocinadores? Compensa passar a vida comendo alface para ter o corpo que a profissão de modelo exige? Será tão gratificante ter um paparazzo na sua cola cada vez que você sai de casa? Estarão mesmo todos realizando um milhão de coisas interessantes enquanto só você está sentada no sofá pintando as unhas do pé?Favor não confundir uma vida sensacional com uma vida sensacionalista. As melhores festas acontecem dentro do nosso próprio apartamento...


Martha Medeiros

terça-feira, 24 de novembro de 2009

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

O túnel encantado


Um filme fazia mudar as cores das paredes brancas do quarto. Era sim uma memória doce gravada nos arquivos da alma. Naquelas nobres gavetas dos mais puros sentimentos e sentidos. Talvez este último, pelas peculiaridades ígneas daquela alteridade que tinham com as narrativas que se erupcionavam na tela, tenha marcado com furor magmático a cena daquele teatro noviço. Talvez por isso, o sentido dessa memória tenha tido mais ardência, mais aderência. E morria-se, prematuramente, com a certeza de que as marcas de sentido não seriam cicatrizes de fogo não fosse os anexos do sentimento, afinal, sempre havia sido temerária, na história dos homens e das mulheres que uniam seus breus, a dissociação entre sentido e sentimento. Alijar um e outro: uma cólera!

Vaguidades filosóficas à parte, o filme verdadeiramente ardia; e tudo o mais que orbitasse fora do quarto era puro disparate, com exceção do túnel. As lembranças têm o poder mágico de brincar com o espaço físico, ignoram a impossibilidade do toque. E o feitiço das imagens oníricas fazia a impossibilidade virar tato provável na mais sã ausência. As lembranças das gavetas mais altas dos aquivos mais altos do espírito, têm o poder de delirar diante das ordenações conscientes, essas que escravizam o poder sonhador que brota da sensibilidade e da meditação. Dialogavam no silêncio. Caminhavam juntos na solidão e na alternância dos passos próprios. Sentiam-se nas memórias fugidias da luz lunar que aproximava suas mãos quentes nas noites em que a lua pactuava seu protagonismo com as nuvens para satisfazer os afagos daqueles amantes. Fazendo desmoronar o falso castelo de certezas físicas, haviam criado um túnel mágico que ligava suas ausências. Havia um relacionar-se às escondidas, furtivo. Se encontravam no túnel encantado todas as noites. O túnel tinha todas as cores que o mundo não conhece, tons inimagináveis e completamente extasiantes. Partindo da janela de cada quarto do mundo, se encontravam no meio da noite e no meio do túnel para fazer amor. E lá se deleitavam diante da noite clara da lua, em cima dos sorrisos que o oceano lhes acenava. Viam os abanos satisfeitos dos aborígenes da Ilha da Madeira e das demais ilhotas da redondeza. Nas noites sensíveis, se encontravam no instante sagrado do túnel que era só deles. Em paz com seus corações e com o mundo.

Mas o filme que pintava as paredes era uma lembrança cheia de carícias. E lembrar era possível. Quando se encontravam no túnel mágico, era possível até lembrar das partes do filme que não tinham visto. Presença nunca tinha sido condição para sentir. E a lembrança do não-visto era também de todos os instantes, dos centímetros de pele e átomos de cabelo, gravados a fogo. Que toda a água do oceano não poderia apagar. Quando se encontravam, a humanidade se colocava em paz, os tempos do mundo se paralizavam e os anjos exterminavam todas as chances de separação dos sentimentos e dos sentidos.

Acariciando nossos dragões com Warat


"Emancipação é o conjunto de experiências radicais de alteridade, entendendo esta última como possibilidade de estabelecer vínculos de cuidado e afeto mais além de qualquer distorção tóxica, que nos torne reciprocamente dependentes, codependentes ou alienados.
[...]
Emancipação é a possibilidade de preservar meu espaço interior próprio, secreto, inacessível, custodiado por dragões; construir minha intimidade, a interioridade de meu eu, que funcione como limite e condição da minha autonomia."
Do livro "A rua grita dionísio" de Luis Alberto Warat

domingo, 22 de novembro de 2009

Cruas palavras do amigo e poeta Pedro Fonseca


QUE ALGUÉM?

Diga-me a novidade da vez
Conte-me a sua mentira de lei.
Vista-se com o seu vestido infalível,
Dessa vez, quem sabe, crível.
Nova tentativa de te enxergarem:
Mais uma expectativa ante o espelho,
Frustrada frente ao concreto de imagens alheias.
Não me diga, uma vez mais, ao que veio.
Esconda-me o sobressalto, a razão, o esteio.
Esconda-me a gastrite, o frio na barriga, o sangue nas veias.
Mostre-me, de novo, a perfeita maquiagem.
Mantenha os seus óculos escuros, cada vez maiores:
Cobrem-lhe agora, não só olhos, mas a sobrancelha
(novamente, omite-me o sobressalto).
Persista oradora de discursos pré-escritos.
Escritos, no escuro, não só à mão, mas a dedo.
Conte-me mais dos seus podres pensados,
Do seus medos não vencidos (e nem havidos).
Ande mais um pouco pelo mundo,
Com sua burca que lhe cobre os desejos.
Que pinta os medos de preto,
Que lhe esconde tudo.
Que lhe esconde toda.

Pedro Fonseca

sábado, 21 de novembro de 2009

O pus fedorento dos fanáticos


Em tempos ditos democráticos, despojados de preconceitos, de holismo discursivo e com nuvens libertárias para a expressão de todas as formas de humanidade; o furúnculo do fanatismo continua a expelir o seu pus cheio de pedaços atômicos de toda podridão humana possível. Por isso, segue infelizmente válida a velha regrinha dos 5 nãos, invocada antigamente por alguns pensadores para explicar o profanismo político do catolicismo no Vaticano:


1. não pensar. Se pensar,

2. não falar. Se falar,

3. não escrever. Se escrever,

4. não assinar. Se assinar,

5. não se supreender...


Eu é que não vou me surpreender com os fanáticos e suas incapacidades de olhar além dos seus muros herméticos. Ainda assim, vou continuar assinando embaixo e aberto para quem tenha a capacidade de dialetizar. Essas regras que só funcionam de vez em quando me aborrecem. Sim, me aborrecem Sr. Cabeça de Azeitona! Recolha seu rabo e volte para seu ninho cheio de pus para dialogar com seu espelho embaçado.

Catalepsias de amor


FÚNEBRESIRONIAS

Diferente do imaginado e do que havia sido,
foi um fim protocolar.
Em verdade não tinham,
em momento algum, sido protocolares.
Enganava-se ele,
ou mesmo ambos,
pelo erro corrente de todos:
pensar-se especial.
Todos sempre caem na mesma trampa.
E nada mais do que
pela qualidade anestésica do amor.
A armadilha ferrava com intelectuais e meliantes.
A cura, então, só foi possível
com pílulas no instante do choque,
e com repaginação, essa, passada a pancada.
Repaginar – pensava – era a solução.
Resolveu então organizar as lembranças.
Tinha como certo que cada amor vivido e passado,
merecia um pomposo funeral.
Sempre condicionado por ser ou não ser amor.
Não fosse, devia ser jogado aos porcos,
isso se restasse algum corpo para contar a história.
Se nem corpo restasse, simplesmente,
apagava-se a luz e dormia-se.
Mas tendo sido esse um amor,
contemplado estava a provar o rito de passagem.
Merecia seu espaço no subsolo da alma,
ou noutro sítio sagrado, individualizado e definido.
Definiu o armário para tanto.
E aquele morto amor, agora passaria a dividir
um espaço eterno com
as tralhas, as bugigangas e outros amores defuntos.
Assim tinha sido com outros ensaios de amor.
Aquele lhe parecia, porém, ter um cariz notável.
Mas bem não podia assim determinar,
pois ainda estava embebido por ele.
E as cabeças más sempre suspeitavam que
não havia neutralidade para se falar de defuntos vivos.
Havia uma lenda que contava que algumas pessoas,
ainda que parecessem mortas,
seguiam a encher os pulmões de ar no seu próprio velório.
Lenda ou catalepsia, não importava.
Fato é que havia um ar naquele funeral.
Assim, não tinha legitimidade para falar
de uma morte tão duvidosa quanto esta,
pois lhe parecia que o defunto lhe escutava
mesmo quando pensava baixinho em completa solidão.
Mesmo assim, resolvera enterrar,
tal qual os corpos podres e mal cheirosos,
aquele amor que, em verdade,
cheirava a broto de terra molhada da chuva.
***
Os corpos mortos nas tumbas e gavetas dos cemitérios
eram agora tudo isto:
as fotos, com e sem recados no anverso,
as bijuterias sem par,
as tarrachinhas desencontradas,
as peças de roupa com bolinha,
também as peças íntimas furtadas dolosamente,
os escritos todos, desde os bilhetes sem propósito
até as cartas obrigatórias das datas obrigatórias,
as entradas de cinema esquecidas no bolso,
as entradas de um show de jazz franco-americano,
e o que mais restava,
conservasse ou não o cheiro primeiro.
Tudo isso com as lembranças imateriais e sem corpo,
constituíam o corpo-mor de um amor declaradamente morto.
Morto pela imprensa oficial e pelos anúncios dos jornais.
Para alguns desses corpos de amor morto um envelope bastava.
Outros requeriam uma caixa de bombons.
Os demais, algum grande baú ou coisa parecida.
E nunca tivera por aquelas redondezas,
nenhuma morte de amor de baús.
E as pensava quão dolorosa seriam.
***

Reuniu os fragmentos desse posfácio
numa caixa que antes guardava uma camisa sem cor.
Seria o bastante para o presente caso.
Não representava nenhuma pequeneza,
mas apenas a prematuridade daquilo tudo.
Estranhamente,
o corpo não cheirava mal,
e a caixa de camisas foi a única que não entrou
no armário reservado para organizar as lembranças!
E ninguém nunca soube se a culpa tinha sido
do coveiro, da caixa de camisas, do defunto ou do armário.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Vinícius é um existencialista



Eis os confrontos entre o idealismo romântico e o existencialismo fortemente passional do poetinha. O existencial é um humanismo sentimental. Vinícius é (quem se atreve a verbalizar no passado em relação à ele?)seu próprio existencial. O existencial é sempre mais bêbado, pois espera a pureza do espírito. É mais dionisíaco, sem ser autodestrutível. É mais sincero, pois se expõe à intempérie. Enquanto a saudade do idealista se esgota nos enleios imaginários da consciência, a saudade do existencial é o cheiro vivo resgatado pela memória. O existencialista respeita não por preservação do outro, mas por sinceridade ideológica com a própria sensibilidade que sona em cantigas cifradas pelos inconscientes em contato. O existencial tem a coragem de duelar com o destino, desdenha-o. Faz sonhar de pálpebras abertas e aceitar sem projeções fantasiosas. Permite o toque que sente os pêlos em arrepio. É a rotina dos lábios que experimenta os sais dos suores. Que faz sentir o mundo de artérias e veias do outro em ação. Que espera manutenção, sem decepções tolas em busca do invisível essencial. O ideal é suicídio, o existencial é tolerância. Conforta as certezas que a maturidade relacional traz. Percebe, acima de tudo, a raridade ínfima e episódica dos encontros mágicos das almas.

Novas descobertas científicas, velha amizade sem ciência!


Abaixo notícia extraída do jornal Diário da Manhã sobre as pioneiras descobertas do amigo Vinicius Rosa. O Vini foi premiado em várias Universidades estadunidenses em razão das pesquisas desenvolvidas com células-tronco. Aguardamos o convite para o Prêmio Nobel...Ele não sabe nada, nunca soube, mas mesmo assim é meu amigo. Deixo um abraço do tamanho do Rio Grande pra esse amigo que a vida me deu! Explica Rosa... (essa é ótima)!


Tratamento de canal com células-tronco

O cirurgião-dentista Vinicius Rosa, de Passo Fundo, é doutorando em Materiais Dentários pela USP e tem desenvolvido na University of Michigan, no laboratório do Dr. Jacques Nör, uma pesquisa que visa empregar SHED em um possível tratamento endodôntico para dentes jovens. "É sabido que lesões por trauma em dentes permanentes jovens são comuns e acometem aproximadamente 30% das crianças", afirma. Dentre as mais freqüentes estão a avulsão e a intrusão dentária e o índice de necrose pulpar observado nesse tipo de lesão é de 85 a 96% para a primeira e de 70 a 100% para a última. Nesses casos a formação da raiz pode ser severamente prejudicada dando origem a dentes mais curtos, com menor deposição de dentina e consequentemente mais susceptíveis a fratura. De acordo com o pesquisador, o que o grupo está tentando desenvolver é um tratamento de canal com células-tronco que viabilize o desenvolvimento natural da raiz dentária. Quando um dente jovem sofre um tratamento de canal muitas vezes a formação da raiz é severamente comprometida. "Se conseguirmos fazer com que essas células se diferenciem em odontoblastos e continuem a depositar dentina seremos capazes de tratarmos canais dentários de uma maneira totalmente natural. O uso das SHED para essa iniciativa é muito interessantes umas vez que além de ser altamente proliferativas podem ser obtidas a partir de dentes decíduos naturalmente exfoliados", enfatiza Rosa. Embora a pesquisa esteja em sua fase in vitro os resultados parecem promissores. "Fomos capazes de fazer as SHED sobreviverem dentro do canal radicular recebendo nutrientes apenas pelo forame apical por duas semanas e após esse período elas já começam a expressar alguns genes de células odontoblasticas como MEPE e DMP-1", explica o cirurgião-dentista.

Resultados promissores

De fato essas células tem produzido resultados bastante empolgantes em outro projeto do pesquisador. "Recentemente conseguimos diferenciá-las em odontoblastos após injetarmos elas em coroas de aço com o interior revestido por um esmalte sintético", explica Rosa. A engenharia de tecidos é um campo em franco desenvolvimento e muitos obstáculos ainda precisam ser vencidos até que as pesquisas virem uma alternativa clínica De acordo com o pesquisador, o desenvolvimento e aplicação desses resultados ainda depende de muito estudo, como entender melhor os mecanismos envolvidos na diferenciação dessas células e a melhor maneira de estimulá-las para obter o máximo de seu potencial, "mas quem sabe não chegará o dia em que, ao invés de obturarmos um canal, iremos preenchê-lo com células-tronco que se diferenciarão em odontoblastos e produzirão dentina pro resto da vida? É um longo caminho que já está sendo trilhado", avalia o cirurgião-dentista Vinícius Rosa.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Manoel de Barros: poeta das instabilidades semânticas


Segue abaixo a riquíssima descrição sobre o poeta Manoel de Barros feita pelo colega e amigo Leonardo de Camargo Subtil. Pelo que conta o Leo, é um autor indispensável. Por isso já foi para o caderno de memórias das indicações de leitura.



"No descomeço era o verbo. Só depois é que veio o delírio do verbo. O delírio do verbo estava no começo, lá, onde a criança diz:eu escuto a cor dos passarinhos. A criança não sabe que o verbo escutar nãoFunciona para cor, mas para som.Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira. E pois. Em poesia que é voz de poeta,que é a voz. De fazer nascimentos -O verbo tem que pegar delírio."

Manoel de Barros



Deleito-me a escrever algumas poucas linhas sobre aquele que reputo ser, ao lado de Ferreira Gullar, o atual maior poeta brasileiro. Manoel Wenceslau Leite de Barros nasceu no Beco da Marinha, beira do rio Cuiabá (MT), em 1916, migrando ainda jovem para Corumbá. Manoel vivera em Corumbá, Campo Grande, Rio de Janeiro, Nova York, Bolívia, Peru, Equador, Portugal, Itália e França. Atualmente, mora em Campo Grande (MS). Mistura erudição e primitividade. Advogado não praticante, diz que não conseguia defender nem mesmo a si próprio, quiçá outras pessoas. Adora fragilidades. Fazendeiro e Poeta. Casado com a mineira Stella, Manoel tem três filhos, Pedro, João e Marta e sete netos. Costuma passar dois meses por ano no Rio de Janeiro, ocasião em que vai ao cinema, revê amigos, lê e escreve livros. Escrevera seu primeiro poema aos 19 anos de idade. Sua revelação poética ocorrera aos 13 anos de idade, quando, em meio à disciplina do Colégio São José dos Irmãos Maristas, no Rio de Janeiro, descobriu o delírio dos verbos, a mistura dos sentidos, a sublimação das coisas. Publicara seu primeiro livro de poesia, Poemas Concebidos Sem Pecado, em 1937.
Poeta da geração de 45, ao mesmo tempo, primitivo e moderno no trato com a linguagem, surge como rei das instabilidades semânticas, pois delira os verbos, delira as palavras. Manoel descoisifica o homem à luz de borboletas, de lagartixas. Diria que mais sente do que pensa. Acha possível sentir um homem simples nesse mundo de ser não mais ser, homem não mais homem. Sua inspiração? O pantanal. Universaliza-o. Troca frases gramaticalmente corretas pela desordem semântica da natureza. Faz do homem formiga. Transforma o ter em ser. Fusiona ser e natureza. Manoel crê na poesia como ocupação da palavra pela imagem, ocupação da imagem pelo ser. Vê nas riquezas do ínfimo o cerne para tornar o homem líquido. Na mistura dos sentidos, no orgasmo das palavras afirma que "a quinze metros do arco-íris o sol é cheiroso". Crê na primitividade do homem, onde “ali o que eu tinha era ver os movimentos, a atrapalhação das formigas, caramujos, lagartixas. Era o apogeu do chão e do pequeno". Explora os mistérios irracionais na toca do inútil, na toca do nada. Diz “exploro há 60 anos esses mistérios. Descubro memórias fósseis. Osso de urubu, etc. Faço escavações. explorar os mistérios irracionais.”. Adora o escrever com lápis. A cada apontar, desvela os nascimentos nominais. A cada mexer das mãos, dos dedos, transforma papel em ser e ser em papel. Diz que noventa por cento do que escreve é invenção. Só dez por certo é mentira. Impossível entender poesias. Razão não serve. É preciso sentir. Sentir é preciso. Poetas não têm compromisso com a verdade, mas com a verossimilhança. A rebeldia da escrita encarna seu ser. Normas, regras não existem. Existem delírios apofânticos, os sentidos de liberdade vindos de Arthur Rimbaud, na sua “Une Saison en Enfer”.
Poeta reconhecido internacionalmente como um dos mais originais e importantes do Brasil, Manoel busca, na natureza, a renovação do homem. Guimarães Rosa tinha os textos de Manoel como doces de coco. Antonio Houaiss o tinha como poeta das riquezas ínfimas “na humildade diante das coisas. (...) Sob a aparência surrealista, a poesia de Manoel de Barros é de uma enorme racionalidade. Suas visões, oníricas num primeiro instante, logo se revelam muito reais, sem fugir a um substrato ético muito profundo. Tenho por sua obra a mais alta admiração e muito amor". Ganhador de diversos prêmios como o Grande Prêmio da Crítica/Literatura, concedido pela Associação Paulista de Críticos de Arte e o Prêmio Jabuti de Poesia, pelo livro O Guardador de Águas, concedido pela Câmara Brasileira do Livro, Manoel torna-se imortal poeticamente. Dentre suas principais obras publicadas no Brasil, estão: Poemas concebidos sem pecado (1937), Livro de pré-coisas (1985), Concerto a céu aberto para solos de aves (1991), O Livro das ignorãças (1993), Livro sobre nada (1996), Retrato do artista quando coisa (1998), Tratado geral das grandezas do ínfimo (2001) e Poemas rupestres (2004). Além disso, Manoel possui obras publicadas em Portugal, França e Espanha.
Concito-vos a (re)visitar a obra de Manoel de Barros!! Enfim, um pouquinho de Manoel faz bem ao ser não mais ser, homem não mais homem, desse mundo moderno dominado pela razão absoluta.

Lispector no teatro



Simplesmente eu. Clarice Lispector

Beth Goulart (RJ)
TEATRO ADULTO


O espetáculo é um olhar sobre a vida e a obra da escritora Clarice Lispector. No monólogo adaptado,dirigido e estrelado por Beth Goulart, a atriz propõe uma conversa entre a autora e o público. A narrativa convida a platéia a refletir-se nos espelhos em que a escritora ora oculta, ora expõe os detalhes da sua personalidade.
Texto: Clarice Lispector
Adaptação e Direção: Beth Goulart
Supervisão: Amir Haddad
Interpretação: Beth Goulart
Classificação etária: 12 anos
Duração do espetáculo: 60 min

Horário: 20 h
19 e 20/11 – Passo Fundo
Local: Teatro do SESC
Ingressos: R$ 30,00 - Público em geral
R$ 20,00 - Empresários com cartão SESC
R$ 15,00 - Estudantes e idosos com identificaçãoR$ 5,00 - Comerciário com cartão SESC
INGRESSOS LIMITADOS



Lúcida em excesso


Estou sentindo uma clareza tão grande que me anula como pessoa atual e comum: é uma lucidez vazia, como explicar? assim como um cálculo matemático perfeito do qual, no entanto, não se precise. Estou por assim dizer vendo claramente o vazio. E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior do que eu mesma, e não me alcanço. Além do quê: que faço dessa lucidez? Sei também que esta minha lucidez pode-se tornar o inferno humano — já me aconteceu antes. Pois sei que — em termos de nossa diária e permanente acomodação resignada à irrealidade — essa clareza de realidade é um risco. Apagai, pois, minha flama, Deus, porque ela não me serve para viver os dias. Ajudai-me a de novo consistir dos modos possíveis. Eu consisto, eu consisto, amém.


Clarice Lispector

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Pensando com a própria cabeça...

Abaixo um pertinente texto de Albano Pepe, extraído do blog do Warat, que trata, acima de tudo, da capacidade de criação de uma identidade própria. Da missão de abandonar a ética copista que tudo abraça cegamente de forma acriteriosa, elegendo deuses terrenos sem a capacidade de perceber suas insuficiências. A aceitação da amizade com seus devidos filtros pode ser um meio para que cada um se torne o que é. É esse o pano de fundo de Albano!


Subo a serra, já passa da meia-noite. Lá fora a temperatura atinge zero grau conforme o painel do automóvel. A estrada está limpa como a noite, algumas luzes, algumas estrelas. Penso nas pessoas amigas, naqueles cujos vínculos já preservei e que em alguns momentos continuo a preservar. Penso em Narciso em sua busca eterna o seu idêntico enquanto projeto de seu próprio espelho. Penso na filia, na amizade pelo outro, eterna e insuperável diferença que estabelece fidelidades. Penso a dialética em um de seus movimentos: a negação da negação. Acredito firmemente nas relações fundadas na alteridade, radicadas na compreensão de um alter, na recepção amorosa deste outro que não sou. Mas, diante de tais pensamentos lembro-me do Sartre e de sua idéias sobre as circunstâncias, daquilo que fere frontalmente a pretensa liberdade de cada um, daquilo que nos joga no mundo-da-vida e que nos oferece o sem-sentido dos enunciados que aportam no mundo fático e que ao fazê-lo, produzem sentido, imobilizando a lieberdade, pura e simplesmente. Sim, porque ao pensar as amizades, tenho de fazê-lo, imerso neste mundo que se me apresenta e que se desloca muito das vezes para o imponderável. A liberdade tem como contraface a contingência, a incerteza frente ao exercício dela mesma. Será que o inferno, é realmente a representação do outro, conforme afirmava o filósofo?Penso naqueles que se conformam às circunstancias que para mim são impossíveis de serem vividas, pois submetidos aos sistemas de controle que se autodenominam mimeticamente como gestos amorosos e de cuidados. Penso naqueles que se ocultam por trás de objetos que dizem serem de sua propriedade, para assim nomearem suas áreas de domínio. E me penso: por que o meu estranhamento, se, conforme o filósofo não devemos estranhar aquilo que é do humano? Por que meu estranhamento e esta fina dor que atravessa meu corpo enquanto subo a serra voltando para a morada? Por que não consigo assimilar esta diferença manifesta nos modos de ser destes amigos? Perguntas para mim irrespondíveis, salvo que me aceite como entidade narcísica que só se apercebe do outro enquanto cópia, reprodução de um modelo que penso ser ideal!Silenciosamente, como numa prece que espera ser ouvida, penso em voz alta:Amigos, nem perdão posso vos pedir, por não aceita-los em suas misérias, em suas pequenezas, visto que o perdão é um gesto exclusivo de cada um para consigo mesmo. Mas, vos peço que pensem naquilo que os submete, naquilo que se traveste de amor, de cuidado; naquilo que se traveste de bens únicos, pessoais e eternos. Que pensem em tudo o que lhes impede de conviver com a solidão, que lhes proíbe atravessar os desertos, tais nômades em eterna peregrinação na busca de sentido para o viver transitório. O pretenso amor que aprisiona que, mantêm recluso o outro dito amoroso, não pode ser chamado nem sentido como amor, visto que é impossível pensarmos em um objeto amoroso, senão em um sujeito amoroso, um outro, livre para ...

domingo, 15 de novembro de 2009

Perplexidades


Perplexo. É esse meu estado diante de algumas relações entre os indivíduos. Podemos escolher o calendário cristão, o chinês ou qualquer outro; o fato é que há muito tempo o homo sapiens habita a Terra. Aproximadamente três mil anos. E desde lá viemos guerreando, nos exterminando, enfiando a ponta da faca nos olhos do adversário, escalpelando o índio da outra tribo, ignorando a voz e o olhar alheios sempre que não encontram correspondência com nossas idiossincrasias. E o desenvolvimento que vem da diferença sofre por não encontrar amparo e tolerância. Temos que nos setorizar. Escolher um partido e uma seita. Pertencer a algum grupo. Ser isto ou aquilo. E, acima de tudo, combater com armas de fogo, peleias verbais ou indiferença maquiada, os “bárbaros” que vivem nas cercanias.

Os embates religiosos são exemplo privilegiado disso: no afã de querer impor crenças de um grupo a outro, muito sangue hidratou o triste chão da Terra. Esse sangue que hidrata a Terra não faz nada dela brotar. Nunca fez, desde as Cruzadas até as torres mortas de Nova York. Também a política – que não deixa de ser uma crença ideológica como a religião – sofre dessa insuficiência de tolerância. Lembremos da Palestina, das guerras civis na África, das crianças da Bósnia. Vítimas todas da mais pura intolerância, da incapacidade de relevar.

O microcosmo relacional repete a mecânica maior e comete os mesmos equívocos. Algum filósofo moderno disse que poderia não concordar com nada do que seu debatedor falasse, mas morreria defendendo o direito de dizê-lo. Transformando em cólera qualquer divergência conceitual, continuamos guerreando, esquecendo do feminino atributo da complacência, do perdão e do afeto. É mais fácil aceitar quem tem a mesma cor de pele, quem transa com o mesmo sexo, quem tem o mesmo tom nos ouvidos e os mesmos personagens conceituais na cabeça. E continuamos perdendo para o eterno desafio de respeitar a diferença. O feminino, de fato, ainda está doente na nossa cultura. Continuamos agindo como répteis masculinizados, mesmo sendo mamíferos: ou brigamos ou fugimos. Por que escutar o outro se os preconceitos já o definiram dentro do meu imaginário? As pessoas são para nós o raso daquilo que nós pensamos delas.

Como curar a intolerância sendo ela imanente ao ser humano? Adaptando-se. Pronto. Afinal, não se deve falar tudo que se pensa como dizem nossos avós. Daqui a um tempo se incorporará em todos os currículos acadêmicos as artes cênicas. Deverão ser estudadas durante todo o curso, seja lá qual for. Assim, todos serão dotados de alta capacidade de representação. Poderão maquiar sua individualidade, ser e pensar outra coisa sempre que um outro intolerante aparecer com garras afiadas na sua frente. Também se incorporará ao Código Civil e ao Penal a insuficiência cênica: sem dolo, o transgressor incorrerá em multa mais pagamento de perdas e danos; com dolo o transgressor será julgado, excluído da convivência com a família e amigos, recluso em algum lugar fechado ou sanatório, tal qual fizeram com Sade que revelava seus sórdidos desejos sexuais aos quatro ventos com seu tinteiro e sua pena...Sade não sabia que era preciso ser ator e se adaptar ao meio para não morrer num quarto de hospício. Me incluo nos comentários e me alio às fraquezas humanas, mas sigo perplexo, completamente perplexo! Tanto tem os cachorros e as cadelas a nos ensinar...

sábado, 14 de novembro de 2009

Tanta coisa em comum...

Intuíamos sem saber...até que o mundo parou!


Acordei sozinha na minha cama. O enrugado dos lençóis recorda-me que aqui estiveste, não num sonho, mas na duração dele. Na minha pele os vergões e as marcas do teu sentimento. A dor convertida em prazer, ou vice-versa, já nem sei. Lembro-me de lhe chamares Amor. Dizem que o Amor é Côr-de-rosa, Mas partiste, como fazes todos os dias, vestindo as tuas calças, terminando o teu cigarro, deixando bem claro que desconheces a data da próxima visita. E mesmo assim chamas-lhe Amor. Sabes, não aguento mais. Não suporto os intervalos, nem os momentos de espera que apenas fazem funcionar as memórias de ti, e que nem sempre te favorecem. Não imaginas como o limite está próximo, como todos os confortos que me abraçam, toda a atenção que recebo dos homens que me desejam, são um tão grande nada, se simplesmente não te tiver. Por isso escuta. É urgente dar vida ao Amor com que me atrais e atraiçoas ao mesmo tempo, porque ele esmorece e morre se se lançar de um prédio. E com ele, toda a vida em mim, para Sempre. Preciso de Ti.


Texto de um autor desconhecido das terras de Camões, Pessoa e Saramago; recebido no momento do dia 14 de novembro de 2009 que o sentimento do mundo fez o mundo parar!



sexta-feira, 13 de novembro de 2009

O conceito universal


EXATIDÃO

O conceito mais simples do universo: saudade é quando você quer que alguém esteja do seu lado e, simplesmente, ela não está. Não há maior essencialidade conceitual que essa. Por isso que às coisas não lhes cabe a saudade. A saudade é dos analfabetos que não sabem se a palavra que lhe corresponde se trata de uma oxítona ou de uma paroxítona, se é uma metonímia ou outra porcaria gramatical. Que importa isso ao saudoso? A saudade é dos idiotas, dos autistas e dos loucos, dos encastelados e dos livres, dos cachorros e dos asnos, dos mendigos e dos cientistas, dos mais românticos Romeus e dos indiferentes escondidos em seu próprio sentir. Por isso, a saudade é um fim em si mesmo: se sente e se tem. Não custa nada, não carece de requisitos herméticos, não espera nada. A saudade é humilde sem ser prosaica. A saudade é humilde, é humilde, é humilde. É o que podemos entender no universo que não entendemos. É o conceito mais humilde do universo essa tal saudade.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Quando Freud e Jung voltam a transar


Essa semana participei de um encontro fílmico composto, em sua maioria, por psicanalistas. Esses encontros como se sabe, utilizam o enredo de uma produção cinematográfica para, a partir de então, extrair interpretações associadas à corrente científica dos seus comentadores. Assim, a depender da reunião, psicanalistas lançam o olhar psicanalítico sobre o filme, os sociólogos utilizam os aportes da sociologia, os juristas o olhar jurídico e por ai vai. O exercício por si só, é completamente producente, visto que não parte do abstratismo teórico costumeiro que, em regra, sai do abstrato para buscar amparo no existencial. A mecânica combate, assim, os vícios pedagógicos e a dificuldade de se apre(e)nder sem exemplificações, como ocorre na fossilizada concepção pedagógica da academia e que dificulta que a massa cinzenta se movimente sem os "exemplos práticos".

Ainda assim, este não é um comentário sobre novas pedagogias nem mesmo um comentário direcionado ao filme - um tocante drama que trata sobre o trauma de uma mulher violentada e que possibilita excelentes elucubrações. O filme se chama A vida secreta das palavras, e fica aqui a dica aos curiosos. O que faço é um metacomentário. Um comentário sobre os comentários desenvolvidos depois que os créditos do filme atravessaram a tela. Em voga, pois, algumas divergências doutrinais – ainda que tanto nauseante seja essa verduga palavra – que ganharam vida. Obviamente que o discurso era psicanalítico. Numa reunião em que 90% dos participantes são psicanalistas nada mais justo que se legitime o tom daquilo que a maioria conhece melhor. Ocorreria o mesmo em qualquer reunião de sectários, seja de cunho científico, religioso ou qualquer outro. Até aqui, problema nenhum.

Para que se esclareça a quem não tem familiaridade com o assunto, a “ciência” psicológica, que tem Freud como seu precursor pela descoberta do método psicanalítico, conta com pouco mais de cem anos de existência. De qualquer forma, a investigação das interioridades humanas remonta a própria história da civilização: muito antes de Freud, já se intuía sobre um plano profundo da consciência. As antigas civilizações indígenas realizavam rituais de cura por meio da obediência da linguagem daquele que detinha o poder curandeiro da tribo, bem como no período pré-medieval os mestres tribais escreviam oráculos que continham a interpretação dos sonhos. No medievo já se prenunciava a psicanálise com o próprio exercício da confissão no catolicismo: desabafar os pecados para que o poder de Deus, representado no padre com enormes dificuldades de manter a castidade com seus coroinhas, pudesse aliviar o peso do fardo moral. Na modernidade, momento de explosão do cientificismo cartesiano, Nietzsche se autodenomina como primeiro grande psicólogo da história e os filósofos românticos alemães, talvez pela primeira vez, anunciam o inconsciente por esta mesma palavrinha que ainda hoje o denominamos.

Dito isso, deve-se também esclarecer que após Freud, alguns seguidores seus deram conta de seguir com a teoria. Repita-se: seguir com os importantes desenvolvimentos teóricos de Freud. O que não se traduz, exatamente, na manutenção rígida do baluarte inabalável (nas palavras do próprio Fredu) construído por sua teoria. Entre esses seguidores estão Adler, Lacan, Carl Jung e outros. Este último, se apropriou de diversas categorias de seu mestre e fundou o que hoje se denomina de Psicologia Analítica. No debate feito depois do filme, mencionei em dado momento uma das categorias de Jung que não são aceitas pela psicanálise. Ainda que o tom doutrinário seja de completa beligerância, nunca vi a teoria de Freud como absolutamente equivocada, afinal quem seria insano de faze-lo? De qualquer forma, meu comentário realmente não foi aceito, confirmando o dispositivo científico arraigado às ilhas de racionalidade que sentenciam: uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.

A reação era esperada. Mas não entendi e fiquei em silêncio absorto, como me foi indicado a não misturar filosofia no meio da endeusada teoria da psicanálise, quando argumentei que era necessário um cuidado hermenêutico no momento de entificação das coisas, afinal, dizer que algo e ou não é, é sempre muito arriscado. Obviamente que essas afirmações de certeza sempre partem de premissas que se sustentam em algum lugar, feliz ou infelizmente assim tem que ser. Logo, o discurso dos psicanalistas se faz verdadeiro uma vez apoiado na teoria que os embasa. Dito de modo simples: se a premissa é freudiana, é completamente verdadeira a afirmação de que existem duas pulsões (eros e tanatos) a operar na psique humana.

Mas volto à filosofia, estranhamente negada em nossa reunião. Me disseram para deixar a filosofia fora da discussão e minutos depois me foi indicado em claro tom “pense nisso”. E talvez lá, pela primeira vez na história dos homens, tenha surgido uma nova possibilidade científica (essa que vem da ciência adulada por todo homem que ainda pensa com Descartes no colo): a possibilidade de pensar sem utilizar filosofia! Atentemos para o risco: enquanto hoje se alastra a necessidade de uma filosofia do direito, da sociologia e até das ciências médicas; em que a mesma cientificidade requerida pelos companheiros de debate coloca a filosofia como pedra angular da criação científica; a psicanálise, pela voz dos meus amigos debatedores, é ordenada a seguir alheia a qualquer aporte filosófico. Contam as línguas subversivas da ciência que Descartes, depois de ir a um puteiro e broxar com a puta que havia eleito para se deleitar naquela noite, pediu uma dose a mais da bebida que bebia, sentou e escreveu o seu Discurso do Método. Toda a “cientificidade”, inclusive esta ciência psicológica é apoiada numa disfunção erétil histórica. Se ele era um filósofo como diz a tradição, não entendo: toda a psicanálise é completamente cartesiana e, portanto, filosófica! Ademais, duvido eu que o próprio Freud não tenha lido Nietzsche! Que grande pensador não o leu? Ademais, sem entrar nas já sabidas críticas substancias da psicanálise, deve-se dizer que há hoje um forte eco sistêmico que aponta para a desconstrução do paradigma científico-racional. Não há novidade nisso! Logo, se se quer manter o discurso “estritamente científico” como ontem escutei, é necessário, pelo menos, pensar (com ou sem filosofia), que o paradigma mudou ainda no século passado. Ao que parece os postulados da pós-modernidade ainda não tocaram a psicanálise. Mesmo tendo Freud desenvolvido a teoria da psique humana sobre os aportes da física newtoniana, esta vencida pela teoria da relatividade de Einsteen, segue-se sem abrir os olhos para este desvio histórica da ciência.

Me foi indicado, além de que não utilizasse a filosofia, que respeitasse as verdades extraídas da vasta experiência clínica daqueles que lá estavam. Sinceramente: o tom forte do “disso sei eu” pareceu a tentativa de imposição da verdade por meio da imposição paternalista, tão antiga e viva em nossa cultura. Se não se herdou do pai, numa dessas pode até ser algum arquétipo que esteja a atuar baixinho e fugidio, afinal, essa imposição pelo poder hierárquico já é relatada no Gênesis da bíblia quando Deus impõe a Adão e Eva que fiquem afastados da árvore do conhecimento do bem e do mal. Parece que desobedecer a psicanálise é provar do fruto envenenado da serpente e conhecer o mal, o oculto e tudo aquilo que repelimos simplesmente por não conhecer, na velha trava misoneísta que faz a evolução ser tão lenta. De qualquer forma, não por uma pseudo-obediência hierárquica, dei o devido respeito ao comentário. Se tem algo que deve ser respeitado, verdadeiramente, é a experiência. Ainda mais quando não se tem muitos anos para colocar nas cartas do jogo. Não há como negar a legitimidade da experiência, talvez ela seja a única que tenha autoridade para enunciar em qualquer campo de observação. Disso não há dúvida. E repito: respeito muito a experiência! Ingenieros – que talvez, desastrosamente, foi filósofo e psicólogo já que não se deve misturar muito as coisas – anunciava: Aproximando-se de formas de expressão cada vez mais exatas, os futuros filósofos deixarão para os poetas o maravilhoso privilégio de usar a linguagem figurada; e os sistemas futuros, desprendendo-se de antigos resíduos místicos e dialéticos,usarão pouco a pouco a Experiência como fundamento de toda hipótese legítima. Da mesma forma que respeito, aceito e acredito no êxito clínico extraído dos psicanalistas e de sua vasta experiência. O que não posso, é desconsiderar êxitos que escolheram itinerários diversos para curar e ter sucesso. Também os analistas junguianos relatam incontáveis casos de êxito com seus pacientes por um caminho completamente diverso da psicanálise. Afinal, nos reportemos à poesia – que talvez também não possa ser misturada com psicanálise – nas palavras de Antonio Machado: caminante no hay camino, el camino se hace al andar.

Dito isso, volta-se para a filosofia e especialmente para Gadamer que em 1960 escreve Verdade e Método. Gadamer faz ironia com o próprio título de sua obra, indicando a superação da filosofia da consciência racional da modernidade pelo paradigma da linguagem quando Heidegger promove o que se conhece por viragem lingüística. A partir de Gadamer, ou adota-se um método, seja ele qual for, ou se encontra a verdade. Não há nenhum método preestabelecido para que se possa tocar a verdade (ainda que seja um tema deveras exaustivo). Respondeu o querido Warat quando perguntado por seu interlocutor sobre qual o método a ser utilizado na mediação: “Que método você usa para trepar?”. Assim como não podemos trepar com o kama sutra embaixo do braço – seria impossível ler e lamber ao mesmo tempo os locais indicados na doutrina do prazer –, não podemos pensar ortodoxamente que existe um método único para a terapia e tratamento dos náuseas da alma, espírito, inconsciente ou coisa que o valha. Não há, portanto, um método. E muita gente teve que pensar para chegar a essa singela conclusão. Com isso não se está a afirmar que o caminho usado pela psicanálise não possa ser exitoso. Tenho certeza que que pode render bons frutos em termos de cura e autoconhecimento. Mas apenas pode! De qualquer forma lembro de Pessoa que dizia com outras palavras que nunca tinha visto ninguém contar em alto tom suas derrotas, vai ver pela força cultural do pai, que não pode abrir mão da armadura e se ver publicamente fragilizado.

Copérnico, Darwin, Sade e tantos outros negados e até queimados por seus contemporâneos. Tidos por loucos. Esse é o problema de pensar além do conhecimento sedimentado. Esse é o mal de vencer o misoneísmo. É por isso que a criatividade é medrosa. A evolução prematura nunca é compreendida no tempo que nasce. Talvez - e apenas talvez, caso contrário incorreria eu no mesmo engano psicanalista - seja isso que ocorra com Jung...como é difícil abandonar as certezas do pai (seja ele o da psicanálise ou aquele que as vezes nos apurrinha a vida em casa). Como é difícil negar o modelo, não é mesmo meus caros freudianos...? Os delimito por vossa própria imposição e, por isso, faço questão de não ser chamado de junguiano.

O caminho da psicanálise é um. Apenas um. E seu problema reside na imposição e não aceitação de qualquer coisa que esteja fora de sua ilha imaginária de sentido. Outros milhões de caminhos podem haver para que se chegue no mesmo lugar, ainda mais quando se tem um cérebro tão limitado a operar nos nossos “crânios científicos”. Basta que se pense – com filosofia tanto melhor – e se esteja aberto à possibilidade que vem da alteridade. Ninguém pensou em fazer uma matéria chamada filosofia psicológica? Cairia bem! Bem demais.

Mas talvez essas palavras já tenham nascido mortas. Talvez mereçam ser abandonadas. Podem ser uma síncope frustrada de um inexperiente que, na verdura de seus vinte e poucos anos, nunca curou e muito menos tratou ninguém além do seu peixinho de aquário. Um serzinho que ganha comida para compensar a solidão de seu pequeno mundo e que esporadicamente habita uma bacia de plástico quando é preciso trocar sua água. Esse meu peixinho tem um grande trauma que se dá pelo fato do aquário ser de vidro: ainda que ele possa enxergar o mundo ao seu redor sempre bate a cabeça quando tenta ultrapassar os limites do seu mundo. Por essa desventura aprisionante do mundo aquático é que, de vez em quando, bato um papo com o meu peixinho para aliviar suas tensões, exatamente como manda a ciência dos peixes de aquário...