domingo, 29 de abril de 2012

o bumbo leguero do amor





A noite chuvosa que chega traz atravessamentos poéticos. Nos amontoados de livros, o destino faz os dedos agarrarem Warat. Minha falta de autonomia clama pela satisfação de meus desejos de manutenção do paternalismo cultural que cruza inexoravelmente meu modo de ser-no-mundo... Em Warat encontro assento.  Identifico na intertextualidade da leitura e da escritura, a possibilidade de assumir minha condição de ladrão sem sofrer as penas da moralidade ou outras que queiram tirar minha paz. Posso ser um plagiador da matéria do pensamento. De Warat recebo, como um médium recebe informações de uma psicografia, as fantasias de Cortázar, de Barthes, de Jorge Amado. Livro-me da culpa de dizer o já dito e de pensar o já pensado, ainda que queira sentir a culpa de sentir de novo. No fundo quero me livrar de toda a culpa, para ser um psicopata do amor, um apunhalador das energias puras do afeto, um verdugo que lança corpos num mar de delícias. Sinto-me como um filho sem desejo de matar o próprio pai. Sinto-me na bolsa protetora da mãe-canguru. Narcisicamente, vejo o contorno dos meus traços na semiologia amorosa de Warat. A narrativa de divinização da intimidade e de valorização do silêncio no encontro amoroso, tornam o texto alheio eco da minha própria voz. Também o labirinto do medo, como força contrária à energia desbravadora do amor, anestesiam meu vagar temeroso no desconfortável terreno dos afetos. Mesmo dividindo uma ausência pontiaguda com a chuva, encontro a mão do amigo no universo fragmentado e multifacetado dos cronópios. Warat brinda com Cartázar, posso sabê-lo sem que possa explicar, posso escutar o tim-tim das taças que talvez sejam copos. 

Ponho o pensamento a caminhar pelas ruas molhadas. Desejo que ele se perca. Sei que pensando minhas reservas selvagens permanecem intocáveis. Se me protejo da dor, também deixo de andar, chegando no limite do sentir que a solitude permite. Daqui em diante repetirei o mesmo caminho, como um Sísifo predeterminado. Se abandono o pensamento em uma rua escura, como um cão que, abandonado pelo dono, busca o caminho de casa, é por desejo de vida, afinal, tomamos ou o amor ou o temor como bússola. Desejo perder os referenciais que impõem em mim a organização metódica do meu temor, numa espécie de tratamento compulsório de evitação da dor. Busco a reserva selvagem que se esconde no outro com uma lanterna de pilhas fracas - e sem a paciência que a busca requer. Quero o silêncio antes do dito, cônscio de que preciso passear pela superficialidade das palavras ditas antes do bálsamo do silêncio. Quero viajar até o terreno oculto do outro, em busca da sensação do amor, que é como o perfume natural e silencioso da mulher que se ama. Da pele fina da mulher que se ama. 

Amor é longa caminhada. É uma fusão de duas jornadas heróicas abandonadas no labirinto do destino. Como caminhantes de labirintos, desejamos a sorte das mãos dadas, o calor do corpo que afaga, a proteção da vigília noturna pelo olhar do outro enquanto dormimos, o revezamento que alivia o peso da vida. No inicio, uma caminhada de amor é um olhar de desconfiança, é uma comunicação distante de solicitações e concessões de mais espaço, como um bumbo leguero que marca a lonjura pelo grave eco que viaja pelos ares de ouvido a ouvido. O destino é o encontro com a reserva selvagem do outro e com a possibilidade de se tornar um voyeur com crachá de permissão. Os dois lados da moeda do amor estampam a subversão, mas só em um deles a subversão pode ser compartilhada com a de outro. Amar é um exercício de compartilhamento de subversões. A subversão de um habitar a intimidade do outro. Qualquer outro tipo de subversão é carnal e, portanto, periférica. A subversão como experiência da intimidade do outro é uma troca de silêncios. Não há como acessar integralmente o terreno selvagem do outro com a linguagem, sob pena de um plágio de amor. Só os plágios escritos são permitidos no terreno do amor, que não prevê sanção ou falta para a cópia de argumentos. O amor sabe que sua raridade é personalíssima como uma impressão digital. O amor sabe que é um trem de poucas passagens no vale de ambigüidades da vida. Precisamos saber também. Os dias frios e chuvosos pioram a dor nas costas. A falta de amor também.

Podes evitar as dores do amor, evitando o amor. Estarás renunciando à viver. As dores do amor são criativas, nos levam a perceber, à transformação. Se renunciamos às dores do amor, deixamos de ser ciganos. Nossas vidas deixam de ser um rio que vai até o oceano, transforma-se em charco estancado. O estancamento narcisista. Um rio permanece limpo porque flui. O fluir outorga-lhe virgindade. Todos os amantes são virgens. (meu plágio cronópico)

quinta-feira, 26 de abril de 2012

âncora e luz



Nascemos doentes, doentes de vida. A vida, ainda que boa ou louvada pelos cantadores e poetas, é um eterno estar doente. Um eterno estar em busca, que é o mesmo que estar doente. Não fosse a conotação de busca, a vida estaria morta para sempre, como um feto natimorto. E seria chata como ver VT de um jogo de futebol que já se sabe o resultado.

Com o tempo que tenho, aprendi que a vida é um driblar a vida, tentando ver antes, pressupondo, adiantando-se em relação ao caçador invisível que nos caça. Aprendi isso e também que a vida é um desejo de poder liberar o que é escravidão. Mas o que mais aprendi até agora é que esquecer o já aprendido é uma cartada angelical, quase divina. É que a vida é intuição pura. Com intuição se alimenta a vida. Com intuição se desdobra a vida. Com intuição se dribla a vida.

A vida é também um jogo, que só se ganha com amor. Sem amor, o empate é a vitória possível. Ou o mais próximo que se pode chegar de uma. Um empate, convenhamos, não tem a minima graça, é mórbido e distante daquilo que a intuição nos antecipa: sentimentos, sensações, sorrissos, prazeres, doces com bastante leite condensado, temperaturas amenas. Mais outonos e primaveras e transições, menos extremidades intensas, que sempre custam tão caro à nossa paz.

A vida com amor, não deixa de ser uma vida de perdas. Não há solução - e esta já é a solução: cada conquista é seguida de um desapego. Cada novo ambiente é a nostalgia do antigo, num jogo infindo de duplicidades, de dicotomias. As dualidades estão ai, e é porque elas existem que podemos escolher. Escolher a luz em detrimento da sombra, a caminhada em detrimento da inércia, mesmo que as nostalgias sejam sedutoras, até charmosas. São essas nostalgias que furtam nossa paz. Mas as nostalgias são combustível de uma memória que não lembra de onde as nostalgias vêm, de que país, ou de que olhar, afinal, a saudade é sempre de uma sensação que vem e vai embora, como uma planta que se mostra e se troca e esconde as raízes que a sustentam. 
Conflitos internos estimulados, tensões provocadas e resultados parciais: tudo isso busca o amor durante a vida. Como conclusão, o amor é um fracasso. Prefiro o amor como pesquisa, o amor como enquanto, o amor como estado. É que queremos ganhar demais - detecto. Ganhar até do nosso ego, que tanto nos ganha, que tanto lugar ocupa na nossa sala, na nossa cozinha, nos nossos sonhos - até nos nossos sonhos... O monstro quer ver antes. Ele precisa ver antes pra assustar depois. O susto é para o monstro o que o sorriso é para o anjo. Precisa, o pobre monstro, saber antes de ver. Precisa de prova pra dizer. Precisa ter sentido pra sentir. Os anjos sentem, dizem e sabem, sem nenhuma força ou planos. 

Dois postulados podem ser postulados: 1)Não se deixar enganar: isto é ética. 2)Não poder ser enganado (e nem querer ser): isto é razão. A razão que sobra é a razão que nos organiza. Não fosse pela organização, porque teríamos a razão?... esse peãozinho do tabuleiro de xadrez da vida. Se a razão nos organiza, a intuição nos faz amar. Amar o trabalho, amar os que trabalham, amar os que querem trabalho. Amar os afetos, amar os que têm afetos, amar os que querem afeto. Amar quem a vida quer que a gente ame, porque é a vida que nos envia pelo correio o amor que a nós cabe...Amar é um abrir-se. É uma golfada de ar depois do útero. É o primeiro respiro de um pescoço solto pela corda de uma forca. 

Esse sufoco é da vida mas...lembra? É preciso driblar a vida, blefar, dar uma lição na tendência, na "natureza". Dizer não ao compromisso, à agenda, à quem reclama do nosso atraso. "Ter que" é a roldana mestra da grande máquina da culpa. Ou será que estamos assim tão endividados? E se estamos, com quem estamos? Quem nos cobra tanto? O dever dos deveres é dever menos a nós mesmos. Essa saída da masmorra do sufoco é inevitável, é um broto jovem de planta na terra, é uma potência de novidade. Os perdões e os deveres são lados de uma moeda. De uma moeda que passeia pelo ar antes de cair no chão. E é preciso torcer com amor pra que ela caia... em qualquer um dos lados. 

quarta-feira, 25 de abril de 2012






Tenho cogitado em como seria.
E não sei como seria.
A dúvida é uma das minhas amantes.
E quando a dúvida é tamanha, abandono as outras amantes.
Não atendo, não respondo emails, 
desejo que encontrem seus caminhos de luz como a luz da minha dúvida,
que ganha ares de rainha,
de reitora,
de paradigma dos meus detalhes do inicio ao fim do dia.  

Tenho medo de desejar mais a duvida do que o amor, é verdade.
Tenho um medo filho da puta disso.
Talvez porque ame a dúvida com unhas e dentes e coração.
Ponho um pouco de coração porque ele cabe sempre,
em tudo, 
no doce e no salgado. 
No frito e no assado.
No risco e na salvação.
No impossível e no cogitável.
Coração é como espichar-se na rede. 
Tendo uma rede ou um coração, não há quem não queira usá-los.

Se pudesse, convidava a dúvida pra sair.
E depois pra não sair - da minha casa, da minha cama, da minha vida.
Pra não sair dos meus projetos, dos meus projéteis sem direção.
É a falta de direção dos projéteis que empata meus projetos.
Convidaria a dúvida pra entender meus ataques nonsense,
pra esclarecer o porquê gosto de vinho,
pra que ela pudesse entender porque sou escravo da dúvida e dos paradoxos.
Queria me explicar à dúvida, não por culpa, mas por marketing.
Amo a dúvida porque tenho a esperança de que a dúvida acabe.
E que em acabando, eu possa passar a amar não ela, mas o amor.
E ser simples, cotidiano, preocupado,
como são todos estes que parecem tão felizes, mesmo tão preocupados.

Tenho cogitado em como seria.
E penso que até seria, mesmo com todos os "se's", 
afinal, quando podemos cogitar é porque os "se's" não são bastantes pra impedir a cogitação.
O que foi cogitado, cogitado está.
É como ver um crime que não se pode negar o testemunho.
É como a impossibilidade de deixar de saber aquilo que já se sabe.

Que ela, assim incogitável, assim duvidosa, me estabeleça o amor.
Ou me reestabeleça, já que tenho a sensação de já ter estado nos andares altos do amor.
Como se ascendesse a alguma altura de fazer suar as mãos, 
como se recebesse um cartão de banco com mais vantagens,
ou como se tivesse entradas grátis pra um lugar sem entradas disponíveis ao dinheiro do mundo.

O maior valor do mundo a custo zero e uma dúvida me sustentam.
Coleciono reticências de um, dois e três pontos. 
Penso delas o que eu bem quiser, 
porque tenho essa afinidade com a interrogação que te perfuma 
– meu jeito de estar perto do teu cangote.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

RASTEIRICES





É nas derrotas microscópicas que o lado negro do ego humano estende grandiosamente seus tentáculos, sufocando a vítima por asfixia, deixando-a diminuta, menor que sua própria derrota pueril. Essa cegueira em relação à tirania do ego impede o desenvolvimento de uma consciência ascética e autônoma que, sem ver suas próprias falhas, parte à caça das causas externas à ela, com sangue nos olhos e um nó cancerígeno na garganta. Essa sabotagem do micro-derrotado, que tenta  imputar a responsabilidade de suas derrotas à causas externas à ele é antiga, vem do primeiro livro da bíblia, o Gênesis, quando Adão apontou covardemente o dedo do pecado à Eva e esta, outra covarde, à Serpente, que só não apontou o dedo para alguém porque a natureza resolveu dar um basta em toda covardia podre que na Terra havia, deixando a Serpente sem dedos e com uma vida rasteira... de lá até hoje continuamos na mesma, as serpentes continuam rastejando como nós, mas nos ganham pela falta de dedos. É pela impossibilidade do exercício da covardia pela serpente, que Deus, um cara bacana e um chefe nato, soube bem comandar o inicio da civilização e impor limites, até mesmo na miserabilidade dos homens e seus jeitos asquerosos flertar com suas certezas idiotas e carcomidas pelo próprio ego. A covardia das serpentes, se existe, morreu muda pela falta de verbo e de dedos... No mundo animal, estamos mais parecidos com os cachorros, que correm atrás do próprio rabo pensando que estão fazendo uma revolução... talvez por isso que sejam (por identificação) os melhores amigos do homem.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

UM BOI NUM LAGO




Sonhei que pescava um boi num lago.
As carretilhas eram do meu pai.
O barco também.
Uma das boias afundou, como um olho que pisca.
Agarrei a linha.
Eu puxava e largava a linha.
Queria cansar o bicho.
O bicho era forte, enorme.
Arrastava o barco de lá pra cá, daqui pra lá.
De repente o boi saiu andando em direção à margem.
Eu pude ver que era um boi.
Com o boi na margem, acordei,
pensando que eu tinha pescado um boi num lago.
Era porque o boi tinha estado na margem, que eu lembrava, pensando.


SOMBRA



Sou um ladrão.
Um ladrão de canetas,
de borrachinha de dinheiro
de trocos mal dados.
Sou estelionatário,
em geral com livros.
Esqueço de devolver, e se me perguntam, digo que esqueci.
Sou pontual só com livros de biblioteca,
porque existem as multas por atraso, e porque sou egoísta.
Faço mais com familiares do que com estranhos.
Roubo melhor os livros de gente próxima.
É o meu jeito de ser ladrão.
Pratico outros estelionatos e corrupções invisíveis,
imperceptíveis como os minutos e as vírgulas.
Fui gatuno até de loja, mas sinto vergonha de contar por aí.
Estou livre porque a vida é trágica, injusta, e pede:
"Só os sortes sobrevivem".
Eu combato os ladrões com impostos que não sei pagar porque a declaração do Imposto de Renda é confusa.
Batedores de carteira e políticos, tanto faz.
Quando peço desconto, ainda roubo a comissão de quem me vende.
O que me torna um roubador em quase todos os sentidos.
Sou ladrão porque essas coisas vêm de família.
Sou filho da raça.
Combato a desonestidade, moralizando em todo canto sujo a sujeira que não devia estar lá.
Se tiver com paciência, até faço passeata e monto uma armada.
Peço pela saída dos podres e pela abertura dos arquivos mortos.
Combato com gana.
No fundo, sendo sincero, só me combato.
Acontece comigo como com toda gente.
O mundo não melhora, nem piora, só segue.
Quanto mais se quer limpar, mais atenção se dá à sujeira.
Eu ladro em silêncio, como ladram os ladrões.
E por ter essa sabedoria já roubei jóias em calcinhas,
e até a calma dos nervosos.
São drogas que evoluem como todas.
Do gatunismo passei à assassino.
Sou um assassino da paz alheia.
Um exterminador do riso, um filho da puta completo.
Agora estudo a biografia dos déspotas,
dos julgados por crimes contra a humanidade.
É que me sinto adulto, merecedor de honra.
E tenho que crescer, ver como é grande a vida...


cogitacinhas





Cogito tudo.
Volto a nada.
Acaba que acabo cogitando.
Sem ser.

GOLINHO




É uma nostalgia que atropela a outra.
Um engarrafamento de nostalgias.
Um bacanal de nostalgias.
Que gozam, e se vão.

MÍNIMA DO ZELOSO DIGITAL





Pedir permissão pra compartilhar no Facebook é como pedir licença antes de penetrar uma mulher. É um excesso de zelo, uma educação que deseduca, um cuidado vil que se alia a toda falta de autonomia que há no mundo.

MÍNIMA DA CULPA




"Ter que" é a roldana mestra da máquina da culpa.

MÍNIMA DA CAIXINHA DE DEUS





Uma metalei: vale tudo, menos dedo no olho.


quinta-feira, 12 de abril de 2012

MÍNIMA DA CALCINHA





Tirar a calcinha é melhor que transar.


terça-feira, 10 de abril de 2012

O FIM DA NOSSA RAÇA DIFÍCIL


Prometeu sendo trucidado pelo galinhão do demônio



No balcão do hotel, um velhote perguntou pra moça da recepção se no valor da diária estava inclusa massagista carinhosa de ATÉ 21 anos. Não sei se a menina não entendeu ou se estava treinada pra disfarçar. Acho que era mesmo uma mula, já que o hotel era um muquifo. O tal cara me disse que em Rio do Sul, depois da prefeitA e da delegadA, achar meninas bondosas e dispostas era difícil como achar calcinha pequena em quarto escuro. Prospectando o futuro, pensei que se as mulheres começarem a assumir postos de comando, é grande a chance de termos uma caça às putas, que serão perseguidas como as bruxas medievais, os judeus da 2a guerra ou os estudantes com camiseta do Marx na ditadura. A história sempre precisa perseguir alguém pra poder ficar na história...Perseguidas pelas mulheres de boa moral, as putas farão esconderijos subterrâneos, terão celulares grampeados, viverão histórias de amor impossíveis. Os cães da polícia serão treinados pra encontrar as putas pelo cheiro, que sempre é uma mistura de cerveja, cigarro, perfume e falta de esperança. Uma vez pegas, serão torturadas com abstinência de sexo e "drinks" (putas adoram "drinks", bebem "drinks" como se fosse coca-cola); e quando liberadas, vão usar as mesmas tornozeleiras dos presos em liberdade condicional. Com o processo de extinção das meninas de vida fácil, a vida difícil dos homens vai ficar mais difícil ainda. Estamos numa escada rolante que nos leva ao abismo. Elas estão acabando com a nossa raça, comendo nossas carnes aos poucos, como aquele galinhão filho da puta que estraçalhava as vísceras de Prometeu. Elas vão acabar com a nossa raça. Essa delegada, essa prefeita e a Dilma, são só a primeira leva. E nós, avós do futuro, contaremos aos netos que era o nosso tempo que realmente prestava. 

segunda-feira, 9 de abril de 2012

O MESMO SENTIMENTO, EM OUTRA RESIDÊNCIA






- Você é sempre tão pontual...tu tinhas um blog, não?
- Ainda tenho...tô com uma insônia danada.
- Nunca conheci uma pessoa desinteressante que tivesse insônia...
- Com toda a sinceridade que se apodera de mim, essa foi uma cantada muito bem boa, aliás, não me canta que eu sucumbo.
- Não era pra ser cantada mas de todo jeito tu é um cara muito interessante, um papo bom está em extinção na terra.
- Sempre fui bom de papo, até já roubei lojas com meu papo...sabe como é, tudo pode ser usado para o bem e para o mal...
- Tudo bem, eu queria poder falar contigo sem essa tela...(PERERECA FICANDO MOLHADA)
- A tela é um tempero, ela faz com que tudo não aconteça, gostamos de tudo que não acontece...é uma coisa estranha que acontece mas é o que é.
- Viu, tu sabes das coisas...
- Eu ando é numa relação estranha com relação aos relacionamentos...sinto preguiça de começar tudo de novo, de entrar lentamente no mundo do outro, de sempre ainda não ter a santíssima intimidade.
- Sim, é desgastante, um verdadeiro SACO...no início dos relacionamentos as pessoas são forjadas, não são elas mesmas...
- Mas é difícil ser quem se é, nem sozinhas as pessoas são o que são porque nunca sabem, e quando sabem, duvidam...
- Tem ligado ainda praquela tua ex pilantra?
- É...andei me equivocando, mas sou um sábio em meu próprio passado.
- E tu?
- Idas e vindas também, agora resolvi que não dou mais pra ele, não quero aceitar migalhas de novo.
- É provável que ele volte a te amar...o amor depois de um tempo é manipulável, e descobrir isso é uma das piores coisas que pode acontecer pra alguém, um amor que termina de podre deixa o amor fedendo como merda fresca. Se deixar ele de lado, o cara volta a te amar e a querer coisas coisa séria, como as pessoas sérias fazem.
- Será?
- Acho que sim.
- ...Vô nessa.
- Boa noite, dorme bem.
- Tu também, beijo.
- Bêjo.







UM PARA O OUTRO





Consigo ser todas as dores que moram nos outros.
Não que tenha alguma coisa boa nisso.
Isso é uma doença, como a gripe ou a insônia.
É uma falha não fundamental.
Os fundamentos são possíveis de enganar,
mas não as aparências.
É mentira dizer que as aparências enganam,
as aparências dizem tudo.
Basta ver. E ouvir.
Os detalhes dizem ainda mais,
são lupas que fazem do sol um pedaço de fogo numa folha ofício A4.
São os detalhes que revelam nossas dores.
E o meu detalhe é esse,
de penetrar como um enfiado na dor alheia,
como um sem terra que invade um latifúndio improdutivo.

MÍNIMAS PÉSSIMAS E PESSSIMISTAS - 14



Estou cansado de conhecer gente nova porque sempre parecem alguma coisa que já conheço. De novo acabam não tendo nada. 


***

BRASIL, O PAÍS DO FUTURO: Aqui os cachorros ainda dormem nas ciclovias.


***

Sendo triste, vivo numa cidade alegre. Quantos tristes vivem escondidos nas cidades alegres? Essas penitenciárias a céu aberto... Nas cidades alegres as ruas não principais são normais como as ruas de qualquer cidade, e andar por elas é um cortejo fúnebre.


***

Dias atrás eu briguei com a gerente do mercado. Uma garrafa de vinho tinha duas etiquetas com preços diferentes e ela acabou me cobrando o maior valor. Fiz uma cena, falei que faria uma reclamação ao dono, ao Barack Obama ou a alguém importante. Acabei não fazendo nada porque reclamar do jeito certo é burocrático e trabalhoso demais. No futuro não haverão danos morais porque os pedidos de indenização serão por tempo perdido. Este será o nosso pedido. Nosso tempo será muito mais caro que a nossa dignidade. Nosso tempo terá valor como ações de uma empresa na bolsa. Rose, a gerente, estava salva pela minha falta de tempo e paciência, porque eu tinha um pé no presente e outro no passado. Hoje quando cheguei no mercado a Rose estava lá. Me olhou com gelo nos olhos. Ela nunca saberia se eu lembro dela e, se dela lembro eu. Quando ela passou por mim acompanhei a bunda com os olhos. Dentro da calça, a bunda da Rose era bonita. Muitas bundas vivem assim, às escondidas, como travecos de rua que escondem a verdade de um jeito óbvio. Era óbvio que aquela bunda da Rose era uma farsa. Eu podia imaginar os pêlos, os furos, aquela calcinha posta pra não ser vista por ninguém. Eu tinha perdoado a Rose, mas a gente, um para o outro não servia pra nada. Minha antipatia começa pela bunda.

***

As primas, as alunas, as mulheres casadas, as evangélicas guardadas por Deus, as primeiras-damas, as filhas únicas... personagens dos séquitos da subversão.

***

Nas livrarias, mulheres ficam mais bonitas, mais cheirosas, mais deliciosas. Nas livrarias, ficam com as unhas feitas, ficam com a bunda mais ajustada e com o cabelo mais sedutor. Se estiverem nas prateleiras marginais, mais gostosas ainda. Se não estiverem na sessão dos mais vendidos, mais belas ainda. Se prestarem a atenção mais no livro que manuseiam do que na mirada falível de um homem babão, então são rainhas. A livraria é um salão de beleza.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

O PRINCÍPIO







Cheguei.
22horas.
Cansado.
Atrasado eternamente, mas sem saber pra qual compromisso.
Tudo de novo.
Aquela gente podre.
Pouca luz pra dar menos vergonha.
Medos por todos lados.
Escapadas com o jeito, o olhar...e até com a alma.
Quem sorria, era de mentira.
O que se estendia a mim.
Eram tristes e nem sabiam.
E sentir essa tristeza alheia era minha corrente e minha bengala.
Pedia que doesse, de um jeito ou de outro.
Era assim. O princípio de estar vivo.

MÍNIMAS - COM ALGUM NÚMERO QUE NÃO LEMBRO



BEIJO PORNOGRÁFICO: "um beijo nela e em ti."

***


Quantos podem dizer, como se uma flor nascesse de toda a terra do mundo, ou como se uma réstia de sol quente entrasse pela janela fria do inverno, quantos podem dizer o que a maioria apenas imagina.

***

Somos máquinas que trepam, com intenções escondidas atrás dos ponteiros do relógio, manuseando o tempo, solicitando vantagens e utilidades inconscientes, guardando um resto de comida no estoque para quando tudo é escasso. Somos essas máquinas que se sabem máquinas, e choram lágrimas digitais, distantes, em uma velocidade impossível ao coração.

***

CETICISMO: Querendo desejar uma boa páscoa, sem querer desejou feliz natal.

***

Dá um enjoo danado quando, lendo outro, me vejo. Sobretudo quando escrevem mal.

***

Dito melhor: quando alguém que leio tenta escrever o que não pode ser escrito, assim com um ar romântico, ou com um desejo heroico estilo Chapolin Colorado, sinto vontade de virar uma mesa de centro sem sentimento.

***

O clima é a fraternidade que o povo consegue.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

MÍNIMAS (DE PÁSCOA) - 13










O único que carregou cruz na semana santa foi Jesus. De lá


 pra cá, o povo quer viajar, encher a cara, comer 


peixe sem espinho, deixar que a cruz e tudo se exploda, até


 o próprio Jesus, que já não serve pra nada na 

Páscoa! Viva as farsas religiosas do mundo secular.



***



Os Tribunais do "trabalho" não Trabalham na quarta santa, 


na quinta santa, na sexta santa. Santa


 é a nossa


tolerância institucional...



***

O Estado só não é laico na sexta-feira santa...


***


PARADOXO SECULAR: O Judiciário gaúcho, que mandou tirar


 os crucifixos imbecis das salas de audiências e

 repartições públicas, vai folgar na sexta-santa...


In Jesus we trust (just in holydays)!

BURRICE




Cogito coisas em tom de "se e quando".
E percebo que não suportaria.
Pago pra ver.
E vejo que esqueço o quê havia percebido.
É um ponto cego num pedaço de carne inteligente.
É tomar blefe de um iniciante.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

PARTILHA





Escuto um choro delicado em ouvidos que são meus,
de um LP que era do meu pai, 
na vitrola que foi do meu vô.
Divido esse choro com todos argonautas, astronautas, internautas, 
com quem deve e com quem teme,
com quem se gaba por pensar que é de fino gabarito,
com quem lembra ou já esqueceu.
Divido este choro com quem faz a janta 
e com quem grita com a cria que chora porque o grito não pára.
Compartilho com quem não me suporta ou tão bem assim não me quer,
com os que não se afinam com meu olhar,
porque somos assim estranhamente distantes no olhar
mas irmãos em quase tudo.

Com eu partilho, 
porque sou no fundo um egoísta, 
que divide porque sabe que ainda ficará com todos os pedaços.
E talvez este seja um importante segredo do autoengano e do amor: 
pensar que o pedaço é tudo.