domingo, 28 de fevereiro de 2010

Brilhos do dia


Hoje as musiquinhas são saborosas.
A gaita de boca desliza nos ouvidos.
O gosto novo percorre os lábios.
Hoje o cheiro do lugar é francês caro.
Tem melhor adjetivo pra cheiro?

O céu é de flores brancas de nuvem,
e as ruas de sorrisos amenos.
A pele sente os 20º da brisa oceânica.
E ninguém precisa pagar por isso.
O amor é pra quem dele gosta.
A gente é que o escolhe,
não ele a nós.
O mundo que não pára,
às vezes sorri.
No mundo que sorri,
sou sorrisos.
E tudo amanheceu,
como círculos de mim mesmo.
-
PFF

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Artigo Revista Direito em Debate


Foi recentemente publicado na Revista Direito em Debate n. 31 da UNIJUÍ, o artigo "Aspectos Éticos e Jurídico-penais sobre eutanásia", que escrevi conjuntamente com o amigo Alexandre Matzenbacher. Deixo o acesso para leitura!




A pedidos, Florbela Espanca




Tirar dentro do peito a Emoção,
A lúcida Verdade, o Sentimento!
– E ser, depois de vir do coração,
Um punhado de cinza esparso ao vento!...

Sonhar um verso de alto pensamento,
E puro como um ritmo de oração!
– E ser, depois de vir do coração,
O pó, o nada, o sonho dum momento!...

São assim ocos, rudes, os meus versos:
Rimas perdidas, vendavais dispersos,
Com que eu iludo os outros, com que minto!

Quem me dera encontrar o verso puro,
O verso altivo e forte, estranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto!


Florbela Espanca

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Belleza Pura


BELLEZA PURA

“Somos como pequeños planetas fuera de órbita. En colisión con otras realidades igualmente conflictivas.Sin embargo, hemos nacido para la plenitud, no para la insuficiencia.Somos originalmente participantes de una danza cósmica ilimitada.Pero no nos han educado para tal celebración.”(Miguel Grinberg)


En la existencia todo es un gran acto de sincronía. Desde el más imperceptible microorganismo, hasta la más remota galaxia, todo interactúa de la manera más sutil, y a la vez inexorable. Se trata, por cierto, de una ceremonia discreta que se realimenta sin cesar en el Universo, donde en verdad no hay orden ni desorden: todo fluye, confluye, influye y se destruye para dar paso a nuevas armonías e inéditas cruzas.En toda obra musical, los silencios y la disonancias son tan fundamentales como los sonidos compatibles entre sí. Esta es la danza de la vida, y del mundo.Un ser humano es como un instrumento. Y el universo es una sinfonía. Nos cuesta mucho afinar nuestra presencia en el plano cotidiano.Recorremos a menudo los años tropezando sin cesar con nuestra torpeza y con lo que llamamos la indiferencia de “los otros”, simultáneamente atrapados en sus propios laberintos.

Cuando algo se descompone en una sociedad, es porque algo se descompuso previamente en los individuos que la constituyen. Cuando algo se desbarata en la naturaleza, ello ocurre porque una o varias sociedades han perdido el sentido de la unidad de todas las cosas.No cabe duda: existir afinadamente (ecológicamente) resulta difícil.Nacemos en sociedades conflictivas, agobiadas por espejismos y quimeras, laceradas por su incapacidad de coexistencia pacífica con sus miembros y con su entorno. Echarle al prójimo la culpa de nuestros fracasos no los convierte en éxitos. Por eso, si queremos ser armónicos y plenos, tenemos que librarnos de todo el ruido mental que nos distorsiona.Lavamos periódicamente nuestro cuerpo, pero mantenemos el alma en condiciones antihigiénicas.

Esto sólo se supera a través de la introspección silenciosa, el abandono de las rutinas predatorias, el refinamiento de las costumbres convivenciales (con los demás y con el medio ambiente) y el diseño de circunstancias a la medida de lo que el ser humano genuinamente es y necesita para evolucionar.Una sociedad cooperativa, no jerárquica, en armonía con la naturaleza (donde unos no logren sus metas privando a otros de sus derechos y donde predomine la igualdad de oportunidades) es absolutamente posible. En todas partes, múltiples movimientos ecologistas -algunos de ellos más coherentemente que otros- trabajan silenciosamente a fin de avanzar en tal dirección. No crean alboroto en barricadas ni agitan manifiestos condenando a quienes no piensan de la misma manera. No sólo diseñan nuevos puntos de partida sino que comienzan a encarnarlos. Sostienen que “comprender” es acompañar en la acción, cuando es preciso y necesario apoyan candidatos en elecciones municipales, educan a sus niños en los parámetros de la Sociedad Ecológica, y se abstienen de reproducir las gimnasias autoritarias de esta época malsana. No se cristalizan apenas en las dos “E” que ocupan a gran parte de los ambientalistas actuales: la Ecología y la Economía. Asumen las otras cinco “E” que codinamizan todos los procesos culturales transformacionales: Ética, Estética, Espíritu, Existencia y Evolución.

El siglo XXI se configurará, tarde o temprano, en base a una coherente intercomplementariedad de tales campos de la acción humana en el planeta Tierra. La omisión de cualquiera de ellos prolongará sin remedio algunas de las disparidades que aquí y ahora malogran los vínculos entre las personas, entre los países y entre la humanidad y la naturaleza. Hay mucha obra pendiente por delante, y cada cual tiene que darle una oportunidad al ecologista que anida en su ser.


Extraído de “Ecología cotidiana - Cómo transformar nuestra miopía depredadora en un acto de reverencia por la vida”, Miguel Grinberg. Ed. Planeta, Buenos Aires

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Mais John Lennon e o indispensável, indispensável amor




Platão remonta a fonte do amor quando relata que, na separação dos andróginos – seres dotados de feminino e masculino –, homens e mulheres vagam errantes pelo mundo em busca da totalidade da natureza humana mutilada pela cruel espada de Zeus. Ansiados pelas suas outras partes, desde então, os seres encontram a redenção na complementação e no enlace com o outro. É então de há tempo que o amor de um pelo outro está implantado nos indivíduos, restaurador da nossa antiga natureza, em sua tentativa de fazer um só de dois e de curar a natureza humana. À John, Yoko e ao amor, um tim-tim!

Do baú: John Lennon


Esse é um disco antigo. Dos tempos em que comprar cd's era um evento. Do esperado natal ou da sobra da mesada mensal. As músicas também ficaram líquidas com a globalização. Na internet não podemos mais folhar os encartes. Mas não importa, porque importa é o que fica. Não lembrava como era tão vivo o disco, mesmo sendo tão velho. As coisas boas ficam. Super recomendado! A música abaixo inaugura o cd, que é cheio de poesias das mais belas.



John Lennon

All the little girls and boys
Playing with their little toys
All they really needed from you
Was, maybe, some love
All the little boys and girls
Living in this crazy world
All they really needed from you
Was, maybe, some love

Why must we be alone?
Why must we be alone?
It's real life
Yes, it's real

I don't expect you to understand
The kingdom of Heaven is in your hands
I don't expect you to wake from the dream
Too late for crying, now, that it seems
All their little plans and schemes
Ain't nothing but a bunch of dreams
All you really needed to do
Was, maybe, some love

Contos Imediatos VIII



CARNAVAL EN PASSANT


O carnaval era na avenida, como manda a história. E a avenida era dos desfiles de sempre. O quê muda todos os anos? No carnaval enredado das avenidas do mundo, passou a resignação, passou o desejo, passou o estupor, passou a raiva, passou a insônia...Passaram as certezas, a inventividade, os jogos silenciosos, o furor e a luxúria. Passou também o ódio, todo carnavalizado. A saudade passou fantasiada de piedade. O sonho passou acordado com olhos vermelhos de tão arregalados. Passou a tristeza vestida de branco, e o porvir vestido de flores. Passou a vingança com nariz de palhaço. A ternura passou em abanos, mas toda cabisbaixa. A angústia passou curiosa, procurando um telhado para a chuva que queria suspender o desfile. As novidades passaram como saltimbancos velhos e cheios de rugas, sequer podiam pular. Se arrastando frouxo na avenida, o rancor passou, ele que já vinha de outros carnavais. Passou a compreensão, que já não passaria mais. A alegria passou de maca, com as pernas dilaceradas: um bêbado sem rumo a havia atropelado noutra esquina. A compaixão passou meneando a cabeça. Outros passaram. Passou o arrepio, todo arrepiado. Passou o futuro, coberto de poeira. Passou a volúpia, a vertigem e as sensações; todas com ares de vilã. Passou o interesse, despreocupado. Passou a preocupação, toda desinteressada. Passou a indignidade, com um terno bem passado. Passaram ainda outros que não foram vistos. No carnaval as avenidas lotam, e não se pode saber quem é quem. O amor andava entre os foliões inconstantes, perdido. Também passou.
PFF

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Consciência feminina do cerrado


No coração do Brasil descobri uma grandiosa alma feminina, ou melhor, uma alma. Quando se percebe a riqueza das quebras dicotômicas é que se encontra um olhar divino, pleno de luz consciente. Elis é uma psicóloga que realiza um trabalho esplendoroso com jovens vítimas de sua própria história, aqueles a quem os juristas e mundo chamam de delinquentes. Elis, escondida no meio do cerrado brasileiro, cumpre, diariamente, importante papel na vida desses meninos. O olhar fraterno e solidário dela, revelam suas intenções logo no primeiro contato. Tentando fugir do carnaval das tristezas coloridas - como diz Quintana - encontrei essa linda alma. E nos poucos dias que tivemos, pude absorver alguns poucos passos de sua extensa caminhada pelas interioridades da psique humana. Elis me enviou este seu texto-devaneio que é lindíssimo! Assina um heterônomo seu, Esther Lino! Nada mais justo para alguém que carrega a alma do mundo no coração. Compartilho com vocês!


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PANTANAL DA ALMA

Pensei: em que estação me encontro?
Na alma é tempo das águas
uma inundação de idéias surgem.
Um desabafo ou talvez uma inspiração
Indefinições que mesmo definidas não levariam a LUGAR algum,
ainda é preciso permanecer nesse que é tão justo...
menor do que a terra natal...
menor do que o colo maternal...
Constato: sou eu que estou me gestando!
SOU O MEU FETO INQUIETO!
A placenta invisível oferece o suficiente,
Mas só o suficiente parece tão pouco!
Insatisfeito, porém inacabado!
Quer nascer prematuro!
É um grande risco para criatura tão viva
tantas vezes renasceu vulneravelmente.
E ainda é inverno!
Aqui me confundo com as estações, não sintonizo com essa natureza!
Não sei em que estação estamos.
A agitação permanente me confunde!
Em que estação me encontro?
Por entre os poros as sementes já esvaem em ciclos desrítmicos...
Um coração pulsante na esperança
Sente vertigem com tanto desejo,
traz na alma a decepção da fuga, do abandono...
Queria eu estar na Primavera!
Na estação dos campos, dos encontros, dos pássaros e pessoas, do perfume e do contato.
Queria eu acelerar este inverno!
De perdas e frio,
das folhas ao chão do vento varrendo dia a dia
o que já é passado,
da ausência que me calou!!!
E na presença pulgente da aurora,
VOU RENASCENDO NESSA TRANSITORIEDADE POSSÍVEL.
PORQUE ESSA É A MINHA NATUREZA!


Esther Lino

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Documentário C. G. Jung - Parte 1

Encontrei recentemente esse documenário legendado que introduz o pensamento do suíco Carl Gustav Jung, psicólogo que, com sua teorização, manteve abertas as portas do psiquismo. Ainda assim, é demasiadamente negado pelas primeiras teorias da alma humana. A rigidez da tradição de uma "ciência" que tem pouco mais de cem anos combate fervorasamente tudo que extravase seu espectro de poucas cores. Diante de toda resistência com o novo, Jung é um pensador que fica como obrigação para as gerações futuras. Dever de incorporação de uma psicologia e ciência menos herméticas. Mirando a liberdade devida de uma alma acostumada com fronteiras. Bon appétit...ou melhor, Bom apetite, Buon appetito, Buen provecho, Guten appetit, Afiyet olson...afinal as coisas não são assim tão ilhadas!

Documentário C.G. Jung - Parte 2

O silêncio da classe dos poetas



O SILÊNCIO


O mundo, às vezes, fica-me insignificativo

Como um filme que houvesse perdido de repente o som

Vejo homens, mulheres: peixes abrindo e fechando a boca num aquário

Ou multidões: macacos pula-pulando nas arquibancadas dos estádios...

Mas o triste é essa tristeza toda colorida dos carnavais

Como a maquilagem das velhas prostitutas fazendo trottoir.

Às vezes eu penso que já fui um dia um rei, imóvel no seu palanque,

Obrigado a ficar olhando

Intermináveis desfiles, torneios, procissões, tudo isso...

Oh! decididamente o meu reino não é deste mundo!

Nem do outro...



Mario Quintana, do blog da Érica

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Contos Imediatos VII



PALAVRAS HORIZONTAIS

- Eu não desisto fácil só do que quero muito, por isso vou esperar pra te tocar, disse Dolores.
- Querer muito é o resultado da equação do primeiro toque, retrucou Olavo.
- Isso mesmo.
- Então precisamos nos viciar Dolores.
- É.
- Como é bom, já posso imaginar tua maciez!
- É bom. Como é, respondeu Dolores já torcendo as pernas no telefone.
- Sabe Olavo, eu tenho saudade do vício...
- É bom ter vício ou saudade do vício?
- Vício. A saudade indaga o passado, e se indaga, era um vício dos bons, desses que fazem bem mal.
- O nosso vício vai ser bom, desses que deixam saudade.
- Gosto quando as sensações são um ainda...sabe como é isso Olavo?
- Não sei, mas já vi isso nos filmes.
- Não é você dentro de mim o que procuro, mas vontade de fazer sexo de novo e de novo. É a vontade...
- A vontade é o resultado do vício...e eu quero contigo querer fazer sexo de novo e de novo e de novo.
- Mas...precisamos ter a certeza que irá nos viciar, quando você vem me tocar?
- A certeza tem sempre um tempo curto, então melhor nos viciarmos no tempo.
- Não Olavo, não tenho tempo para perder com essas entrelinhas todas.
- Nosso tempo ainda será...Temos conversa demais para diluir no tempo de duas garrafas de vinho.
- Quando nos encontramos? Se tardar demais, faltarão as garrafas e o vinho cairá sobre os lençóis.
- Faltará tempo. E se ficar faltando alguma coisa, já será um vício. O vício sempre precisa.
- Então vamos deixar faltar algo?
- Sim, vai faltar mais.
-
-
PFF

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Raulzito


É você olhar no espelho se sentir um grandessíssimo idiota, saber que é humano, ridículo, limitado, que só usa dez por cento de sua cabeça animal...
-
Raul Seixas


Privados Segredos, Segredos Privados


PRIVADOSSEGREDOS


Ela pousa no meu leito.
E me enxerga sem olhar.
Entrega as costas, negando o peito.
Se posta em curva, no seu estar.

Os milímetros são universos.
As ancas postas no lugar.
Roga toque no anverso.
Eterno aonde devo estar.

O aroma é do sexo.
A fenda lança as diretivas.
Desejando me imagino anexo,
e sinto febril a recidiva.

De arrepios estamos cobertos,
perfumes cobrem o lugar,
aquele talho entreaberto
faz pintura o nosso esgar.

Com as mãos agarro a cintura.
As nádegas são irresponsáveis.
Sentindo doce a parte escura,
nos tornamos inseparáveis.

Minha boca não atura.
Minha mão reclama o peito.
Loucos além das alturas,
reféns do nosso jeito.

Forçando a própria curva,
o arrefeço se aproxima.
A vista agora turva,
enxerga com o toque aquela sina.

Finos gemidos são sentidos.
O gemido é amigo, é castigo.
Os sentidos todos naquele gemido.
Nos gemidos, é que tudo faz sentido.
PFF

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Contos Imediatos VI


A AURODA DA DIFEERENÇA

Ainda que o clima fosse tão recente quanto o próprio mundo, no Jardim do Éden, os fenômenos “niño” do tempo ainda não estavam sequer no útero que gerava as coisas do mundo. A temperatura era, então, amena como a da mais doce primavera doce. Adão e Eva passeavam por ali, descobrindo as novas bugigangas naturais. Iam distraídos, fuçando em cada coisa, provando as texturas e experimentando todos aqueles apetrechos cheios de jeitos e cores. Desde os açudes cheios de água até as rosetas que furavam os pés. Como tudo era novo e também porque desde aquele tempo as coisas brilhavam mais que as pessoas, não haviam trocado muitas palavras. Sequer haviam olhado um ao outro de jeito cuidadoso. O grande parque de diversões que era o mundo e a temperatura bem temperada de frio, calor, umidade e sequidão; funcionaram como distrações. Distraíram Adão e Eva que não perceberam os pormenores de seus corpos. Entrementes, à Adão, num primeiro instante, parecia que Eva era sua dublê de corpo. Eva pensava o mesmo. Sequer sabiam distinguir que os nomes que tinham correspondia a um ou outro sexo, isso porque também todas as palavras eram novinhas em folha. A natureza toda parecia sem pechas, diferenças tétricas ou falhas estruturais...

Esmorecendo as novidades do mundo, assim como ficam emburradas as crianças que enjoam do brinquedo novo, Adão emburrou-se. E emburrado, já prevendo a falta de sentido pelo esgotamento das novidades, sentou numa pedra do Éden para chupar uma laranja com os dentes novinhos e brancos que tinha na boca. Entre um gomo e outro, observou uma ausência no meio das pernas de Eva que brincava com as borboletas nos arredores. Percebeu gomos de pele sobressaltados que roçavam um ao outro durante seu caminhar. Os gomos pareciam se beijar. E cogitou Adão que pudesse se tratar de uma segunda boca sem dentes. Porque na aurora do mundo não havia silicone e porque a genética materna de Eva até hoje é obscura e não sabida, Adão observou que a colega tinha duas protuberâncias na altura das costelas. Pareciam duas laranjinhas maduras.

Adão teve uma dupla perplexidade: ao mesmo tempo em que sentia a brutal diferença do excesso de carne que lhe pendia entre as pernas, não podia compreender porque razão aquela carne se entumecia ao olhar os gomos da boca sem dentes e as laranjinhas maduras de Eva. Adão pensou ser uma aberração. Um monstro. Pensou em atirar uma pedra pesada sobre aquela carne que se projetava para fora de seu corpo e que, agora, apontava para as nuvens. Não entendia a diferença. Envergonhado com toda aquela diferença ainda despercebida por Eva, Adão resolveu pendurar uma folha larga na altura daquela sobra de carne que tinha. Durante o sono de Eva, furtivamente, pendurou uma outra folha para esconder sua boca sem dentes. Eva acordou e não questionou o acessório. Ainda que tivesse problemas de desajuste com a folha sempre que pensava nos gomos de Eva, Adão resolvia-se escondendo e ajeitando sua efêmera protuberância. Tinha aprendido que aquela estranha dureza sempre afrouxava com uns minutos de contemplação das nuvens. Mesmo assim, não podia entender aquela brutal diferença dos corpos. E desde lá até hoje, tudo tende a ser viciosamente homogêneo. Desde lá até hoje, quase ninguém desenvolveu a capacidade de entender as diferenças. E tudo que é diferente é uma felpa no olho. E tudo que é diferente, assim como os melhores desejos, acabam escondidos.
PFF

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Que os muros e as grades caiam

"O quase tudo quase sempre é quase nada e nada nos protege de uma vida sem sentido...Viver assim é um asburdo...Que os muros e as grades, caiam!"

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

A razão que enxerga


La intuición, ampliablemente marginada y estigmatizada por la ciencia en general por largo tiempo, hoy por hoy se vuelve un vector importante de aproximación y sensibilidad intelectual, necesaria para la comprensión de la vida cotidiana en tiempos vertiginosos y de incesante cambio. Esta nueva orientación, principalmente incorporada desde las ciencias sociales, nos va demostrar que el conocimiento intuitivo y el conocimiento racional, no necesariamente deben ser vistos de manera antagónica o de rechazo, sino que deben ser comprendidos a manera de fusión como aspectos complementarios e inexcusables para el estudio de nuestra realidad sociocultural.

De manera individual, el pensamiento racional se caracteriza por ser lineal, fijo y analítico. Pertenece a la esfera del intelecto, cuya función es diferenciar, medir y catalogar, y por ello tiende a ser fragmentario. Por otra parte, el conocimiento intuitivo, se basa en la experiencia directa con la realidad la cual tiende a ser discontinua, divergente y holística.De esta forma, parafraseando al sociólogo francés Michel Maffesoli, la intuición no debe ser entendida como una simple cualidad psicológica. La intuición es participe privilegiada de un inconsciente o imaginario colectivo, el cual tiene como esencia un saber agregado que se preocupa de la subjetivad y de lo relativo; donde el bien y el mal, lo verdadero y lo falso están en una constante participación mística. Esta particular manera de comprender la cotidianidad contemporánea incorporando la intuición va a ser designada con el nombre de “Razón sensible”.

Esta Razón sensible va a ser una nueva condición de aproximarse desde la razón y los sentidos a la realidad social en su más fluida complejidad, donde el azar, lo incierto, la emoción, la alegría, lo trágico la pasión, el conflicto, el sufrimiento, el ocio, lo orgiástico, o sea, todo lo “real” que nos entrega la vida cotidiana, mediante la fusión y efervescencia de lo social, muchas veces construida de manera subterránea, va a ser tomada en consideración como fenómenos demasiadamente importantes para dejar al olvido.Así, a diferencia del paradigma racionalista, marcado por aquel saber duro impuesto, establecido y dominante; la razón sensible va a tener un carácter eminentemente holista, pretendiendo comprender los fenómenos y las representaciones, sin excluir la vivencia ni la emoción, sino que considerando todas las situaciones efímeras, equivocas y oscuras propias de un mundo imperfecto pero no por eso menos válido de ser develado.

En conclusión, recordando a Maffesoli, cuando en la actualidad la inseguridad se hace manifiesta mediante la incertidumbre generalizada, sea cual fuere: ideológica, religiosa, institucional, política, es quizá cuando más hace falta saberse fiar de esta sabiduría alternativa, capaz de pensar, aprehender, interpretar y comprender un mundo vertiginoso, ya que esta “sabe”, gracias a un saber incorporado, que nada es absoluto, que no hay una verdad general, sino que todas las verdades parciales pueden entrar unas en relación con las otras.
Extraído do blog Luis Alberto Warat, por ele mesmo!

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Contos Imediatos V


PADECER

Na mesa ao lado, silêncio.
Absorto, ele contempla a rua,
enrola a alface,
encara o copo de cerveja quente.
Ela medita a lasanha.
Desde há muito que as mulheres
preferem carboidratos à orgasmos diários.
Mergulham, ambos, em suas particularidades.
Se se pensam, não se pode notar.
No olhar não há ódio.
Tampouco existe carinho na cena.
Também de teatro não se trata,
pois ninguém mais representa nada.
Tudo se resume a uma grande solidão a dois.
Um resignação alimentar.
Olhares de buraco negro.
A música é do tilintar dos talheres.
A lasanha está tão gelada quanto os corações.
O queijo esfria, fica borrachudo, emburrado.
O jovem garçom observa a cena à distância e pensa:

- O amor padece quando não há mais caminho a seguir.
- O sentimento estaciona se acaba a magia do mistério.
- Esses dois viraram um encontro desafinado de cada um,
já descortinaram completamente o universo um do outro.
- Alguma coisa de mistério é o que perfuma o amor.
- Um pouco de calor é o que perfuma as lasanhas de queijo.


PFF

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Nem a manhãzinha, nem a madrugada

As sombras nossas



Segue o teu destino
Rega as tuas plantas
Ama as tuas rosas
O resto é sombra
De árvores alheias.



Fernando Pessoa

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Menos verdades


ENTREHORIZONTES

Devo fazer sangrar minhas certezas,
essas irremediáveis certezas
que duram mais de um dia.
Devo tirar o ar das minhas certezas,
essas certezas que me arrancam da terra sólida
e me atiram em dúvidas movediças.
Devo contrariar a natureza humana,
antimisoneísta, que refrata, caótica, a incerteza.
Devo toda essa necessidade à mim,
que me atrevi a ter certezas.
Devo atualizar meus nervos idiotas.
Devo ser mais inteligente diante da minha burrice.
Devo ser menos árido com minha insensibilidade.
Minhas obrigações, porém, não partem dos neurônios.
E meus pontos de partida tendem
a ser mais meus que de deuses terrenos.
(Ainda que à eles deva devida devoção)
O que me devo é um pensar.
E penso com o que sinto.
Minha razão não faz sinapses, pulsa.
Minha responsabilidade não é lógica,
é intuição de ruídos internos.
Com o que penso, me descompromisso.
Diante de minha burrice pensante,
ainda assim me ouço.
E que todos se ouvindo possam.
Achar alguma verdadezinha,
por diminuta e flagelada que seja.
Se de renascimentos vivemos,
então esqueçam seus nortes terrenos,
e façam sangrar suas certezas.
Reinventem o horizonte à sua frente.
Assim talvez essa verdadezinha acene,
tímida e toda verdadeira,
para acarinhar as angústias da noite.
Assim, só apenas assim,
é possível ver que o horizonte é um embuste,
e que diante do que podemos ver,
existe a mesma água do horizonte do mar,
aquele cansado mais do mesmo mar.
E que fazer da proa o norte de regresso,
é privilégio da maré do dia.
Quando acordou, já não estava.
Não estava mais.
No dia seguinte,
ninguém lacrimejou.
Apenas o horizonte é que
choramingou baixinho e fugidio.
Viver é um plano que se move ao futuro.
Gozar a vida é poder tocar
essas minusculinhas verdadezinhas
tão, tão, tão pequenininhas.
PFF

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

A verdade dividida


A porta da verdade estava aberta
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só conseguia o perfil de meia verdade.
E a segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram no lugar luminoso
onde a verdade esplendia os seus fogos.
Era dividida em duas metades
diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade era mais bela.
Nenhuma das duas era perfeitamente bela.
E era preciso optar. Cada um optou
conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia.


Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

O carinho no ego e o colo de Érica...


Paulo é um presente maravilhoso que ganhei em minha vida. Lindo, inteligente, sensível, uma alma delicada e tantas outras qualidades que não caberiam aqui.
Hoje, acordei com sua mensagem e fiquei pensando em escrever palavras que pudessem levar todo meu carinho para você. Palavras que diminuíssem a distância e trouxessem você aqui ao meu lado.
Meu amigo querido, deixo Quintana, com suas palavras, levar o meu presente pra você:

"E assim, querido,
eu te mando este céu, todo este céu de Porto Alegre
e aquela nuvenzinha
que está sonhando, agora, em pleno azul!"

com todo amor que houver nesta vida.
Certa de que amanhã é um novo dia. Pense nisso.
**
Extraído do blog Olhar a mais dessa mulher doce que é a Érica

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Milan Kundera



Os amores são como impérios: desaparecendo a ideia sobre o qual foram construídos, morrem junto com ela.



Milan Kundera
A insustentável leveza do ser

Contos Imediatos IV

O CADÁVER DO SACO DE TERNOS

Ainda que se pudessem ver parcamente os antigos móveis na penumbra, a casa era escura. Lúgubre. Tinha mais de um andar, mas não era possível saber quantos eram exatamente. Talvez dois. Talvez três. A intuição até apontava para que fosse mais de dois. Talvez quatro. A meia luz tomava conta do lugar. Também ninguém na casa havia, com exceção do personagem que experimentava aquelas sensações nada luminosas. O momento parecia como um anoitecer de inverno, apesar da anestesia em relação à temperatura. Não era a temperatura não sentida que angustiava o personagem, mas o mal cheiro do lugar. Vagando sem propósito consciente pela casa, descobriu que o fedor que atormentava suas entranhas, vinha de um saco de guardar ternos de dimensões maiores do que as comuns. Pela transparência do plástico, percebeu que ali havia um cadáver. Que parecia ter, muito recentemente, deixado a respiração para trás, apesar do fétido que já pulsava morto naquela carne. O personagem, atônito, pegou, com a união do dedão e do indicador, o cabide do saco de guardar ternos que emoldurava o cadáver. O cheiro estava ainda pior. Numa grande exceção da história, o tempo nada ajudava, quanto mais passava, mais fedia. Era um cheiro quente, abafado, que lembrava uma sauna de humanidades putrefatas. A casa já estava mais escura, mas não se sabia se a noite havia caído mais, ou se o cheiro que lhe temperava o cérebro de desgostosas sensações era o que lhe nublava mais a vista. Acelerou o passo. Não podia agüentar o fedor. Também especulava o melhor lugar para abandonar aquele saco de carnes e ossos que era o cadáver. A casa, ainda que soturna e escura, parecia muito sua; e deixa-lo ali, sequer havia sido cogitado. Ficou procurando. Ficou procurando cada vez mais apressado onde poderia largar o cadáver do saco de ternos. Escureceu tanto que ninguém soube aonde o cadáver foi parar. O fedor também fora reconceituado. Alguns anos depois, pode compreender a ideia da ressurreição de Cristo.
PFF

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

A indústria do Poder Judiciário




Franchising Judicial ou de como a magistratura perdeu o dignidade por seu trabalho, vivo?

“E você ainda acredita
 Que é um doutor 
Padre ou policial 
Que está contribuindo 
Com sua parte
 Para o nosso belo
 Quadro social...” Raul Seixas


Alexandre Morais da Rosa[1]




1. Para iniciar nosso debate farei uma indagação simples, até ingênua, partindo de um exemplo. Consta na Wikipédia que: “Havainas é uma marca brasileira de chinelos de borracha produzidas pela São Paulo Alpargatas, uma empresa do Grupo Camargo Corrêa. A marca, que possui participação de 80% no mercado brasileiro de chinelos de borracha, comercializa cerca de 162 milhões de sandálias anualmente, dos quais 10% para mais de 80 países dos cinco continentes, podendo ser encontrada em mais de 200 mil pontos de venda. As exportações chegam a 22 milhões de pares (somente nos Estados Unidos está presente em 1.700 pontos de venda). A cada três brasileiros, dois em média consomem um par de "Havaianas" por ano. As vendas da sandália de borracha Havaianas, produto de sucesso da Alpargatas, já representam metade do faturamento da companhia, que no ano passado foi de R$ 1,6 bilhão. O investimento em marketing da marca, de 12% a 13% do faturamento, tem mantido a Havaianas em trajetória de crescimento. O percurso para a sandália ganhar status de marca fashion foi longo. Ele começou a ser traçado em 1994, quando a marca estava em crise, com queda de vendas. A empresa reagiu e lançou, com uma grande campanha de marketing, a Havainas Top, um novo modelo de sandálias de uma única cor. De 1994 a 2000 o produto foi aos poucos "sofisticado" pela empresa em campanhas e em muitos lançamentos. Foi quando modelos e celebridades começaram a desfilar com a sandália nos pés. As exportações aceleraram e a marca ganhou espaço em revistas e nas principais vitrines de moda no mundo.”
2. Imaginemos que qualquer um de nós foi escolhido para ser Presidente da fábrica que produz as sandálias “havaianas”. Para se chegar a tal posto, claro, não se fez concessões “abusivas” aos direitos dos trabalhadores, mas sim aos acionistas da empresa que “acreditaram” nas possibilidades de “Boa Governança”. Pois bem, dia destes sentei-me ao lado de um destes “técnicos de automação” durante um voo. Conversamos amenidades até que ele começou a falar do projeto que estava trabalhando, diria eu, “efusivamente”. Contou-me que a fábrica das Havaianas, em Campina Grande, na Paraíba, era feita de maneira quase manual, com “muitos empregados” e com um “custo de produção” muito alto. A nova fábrica que por minha incompetência não descobri onde é, precisará de poucos trabalhadores e, assim, diminuirá, os custos da produção. A pergunta que faço é: quem de nós, na condição de presidente, não optaria por este modelo mais eficiente? Quem não optar – e na verdade não há opção – perderá o emprego. Isto me fez lembrar o fato de dia destes, também, fui ao Banco depositar uns cheques e aproveitei para dar um olá para o gerente de minha conta. Conversamos banalidades e entreguei os cheques – os juristas diriam cártulas. Qual não foi a minha surpresa quando ele disse que já voltaria. Levantou-se e foi fazer o depósito no caixa eletrônico, entregando-me o comprovante de depósito. Perguntei-lhe o motivo e ele, sem peias, disse-me: estás vendo a caixa do banco. Respondi que sim. Continuou: entre as minhas metas está o aumento dos depósitos no caixa eletrônico. Se eu não cumprir as metas, perco o emprego. Se eu cumprir as metas, ela perde. Entendeu?, perguntou ele. Disse: perfeitamente.

3. Este dois exemplos do cotidiano podem, quem sabe, apresentar uma das chaves do que se passa no contexto brasileiro não só no “trabalho objetivado”, mas também sobre a impossibilidade econômica do “trabalho vivo” no contexto do pensamento único neoliberal. A par disto, também, cabe refletir sobre o que se passa nos últimos anos no campo da Administração Pública e, especialmente, no Poder Judiciário. Dito diretamente: é preciso entender que o Poder Judiciário deixou de ocupar um lugar de “instituição” para se postar como uma mera “empresa” encarregada da solução de conflitos ao menor “custo coletivo”, atendendo a uma lógica pragmática do custo-benefício.

4. Jean Pierre Lebrun aponta que “instituir” significa um lugar de exceção, de primeira vez, de alguma noção de hierarquia que não se perde em consensos horizontais habermasianos, enfim, um lugar de comando no qual a diferença dos lugares promova um certo respeito pelo dito. Não se trata, claro, de resgatar a legitimidade do lugar autoritário, nem muito menos aceitar a “democracia sem fricções”, onde tudo é deliberado em um “ética discursiva”. Isto seria desconsiderar que para além do pano de fundo discursivo há normas constitutivas e ideológicas, jogadas no campo do político. Entretanto, este possível lugar de Referência, anteriormente ocupado pelo Estado, diante do desmonte neoliberal, não pode ser substituído pelo Mercado, como Davos não cansa de dizer que é viável. Slavoj Zizek, neste sentido, adverte que na matriz Davos e Porto Alegre se afirmaram como cidades gêmeas da anti x globalização. Enquanto Davos promove encontros “seguros” em que as discussões eram conduzidas para o convencimento de que a globalização é o melhor para o mundo, Porto Alegre procurava demonstrar que a globalização neoliberal leva a morte. O que não se percebe é que a promessa de morte fascina, sabia o velho Freud. Houve, assim, na última década, uma transferência paulatina, inclusive das personalidades, do foro de Porto Alegre para Davos, quando não aparições performáticas em Porto Alegre, rumo a Davos. Mais uma vez o pensamento único prevaleceu... (Rui Cunha Martins).

5. Retomando o argumento, pode-se dizer que os “Aparelhos Ideológicos” (Athusser) hoje são governados por práticas de gestão administrativas da eficiência, cujo preço democrático é percebido por poucos. E os que percebem, de alguma maneira, encontram-se coarctados na possibilidade de resistência. O sintoma disto pode ser visto pelos inúmeros Relatórios que o Conselho Nacional de Justiça - CNJ obriga a preencher a todo o momento. O culto pela “avaliação”, até porque não se sabe, de fato, quais são os critérios de quem analisa, se é que analisa, ganha contornos patológicos nesta virada de século, tudo em nome da “Boa Governança”. Cada vez mais os magistrados são obrigados a enquadrar suas atividades em fichas técnicas de cumprimento de obrigações conforme o Protocolo, também editado ou reiterado pelo CNJ, com o primeiro reflexo de se jogar conforme as regras do jogo, a saber, cada vez mais só se valoriza o que gera bônus, transformando a atividade jurisdicional em uma verdadeira atividade de “franqueado jurisdicional”. Claro que abusos acontecem no Poder Judiciário. Contudo, eles não podem ser o “Cavalo de Tróia” da eficiência. O resultado mais evidente é a “homogeneização” das decisões, voluntariamente ou de maneira forçada (Súmulas, Reclamação, Recusa recursal, etc.), com a transformação dos antigos juízes em meros gestores de unidades jurisdicionais. Aliás, quem não cumpriu a Meta 2 do CNJ preencheu uma proposta de gestão do acervo para 2010.

6. Aldacy Rachid Coutinho, professora de Direito do Trabalho da UFPR, aponta que dentre as diversas questões ocultas na atualidade, algumas podem e devem ser enfrentadas. Não se pode mais fingir cinicamente que não se sabia! Passamos de um Judiciário em que a figura do juiz era autônoma para uma “jurisdição monitorada”. Basta perceber que os Tribunais controlam desde a quantidade de julgados até o numero de audiências designadas, bem assim indaga o motivo de não se marcar, eventualmente, audiências em alguns dias... Este tipo de ingerência abusiva implica na adoção eficientista da magistratura, numa verdadeira confusão do que se configura o “trabalho” da magistratura. A lógica, perdoem-me a possível ingenuidade, é a conversão do que ainda restava – para usar categorias fora de moda – de “trabalho jurisdicional vivo” em “trabalho jurisdicional objetivado”, bem demonstra Leonardo Wandelli. É impossível continuar-se a fingir/negar/mascarar a quantidade de colegas nossos que se tornaram dependentes químicos (fluoxitina, ritalina, cocaína, maconha, psicofármacos em geral), com irritação desmesurada, separações, assédio moral contra servidores da Justiça e familiares, terceirização das decisões (nunca se viu tanta dependência aos ditos assessores)... Há uma verdadeira perda das referências simbólicas que antes seguravam a atividade jurisdicional, podendo-se arriscar uma verdadeira “Síndrome do Pânico Jurisdicional - SPJ”. Entenda-se por esta SPJ a verdadeira substituição da atividade jurisdicional por um “curto-circuito” da atividade ritualizada de julgar, transferida para decisões já-dadas, de maneira acelerada, cuja angústia dispara o pânico. Jorge Forbes fala “da angústia própria à decisão. Não há decisão que não seja arriscada e que não induza à perda. O mal chamado estresse nada mais é do que a consequência do medo de decidir, que provoca o empanturramento de opções.” É que o sujeito juiz encontra-se num dilema: se decide como deve decidir, com reflexão e enunciação, demora mais do que o Sistema exige, e traz consigo a acusação de julgar contra o que já está estabelecido, dando falsas esperanças....; se decide como já-está-decidido apaga seu nome da decisão, a saber, não faz diferença quem assina, pois qualquer um poderia assinar esta decisão (sic) sem enunciação. E uma das características da Modernidade foi a de legar o lugar da enunciação, a saber, de alguém pontuar do lugar do juiz, transformada hoje em dia numa verdadeira lógica de “Franchising”, modo pelo qual a administração da Justiça, via Análise Econômica do Direito – Law and Economics, promove um sistema de decisões judiciais fixadas, ex ante, pelo franqueador. A licença da marca é previamente valorizada – uma decisão do TST, do STJ ou STF, a qual implica num reconhecimento do valor da decisão no mercado jurisdicional, sob o pálio de uma efusiva e – arrisco – canalha “eficiência”.

7. Como exemplo desta lógica homogeinizante pode-se invocar o processo eletrônico, o qual pode ter funções democráticas, mas na lógica que está sendo pensado servirá para dar “conforto jurisdicional ao julgador, dado que as “fórmulas” estarão, em breve, pré-dadas pelo Franqueador e o trabalho do Juiz-Franqueado será o de mero alimentador do Sistema, então, economicamente eficiente. A resistência de alguns setores da magistratura é tida como de gente ultrapassada, conservadora, quando, na verdade, é gente que procura demonstrar que não quer ser um franqueado. Contudo, estes resistentes, estão perdendo a batalha em nome da “segurança jurídica” e diminuição do “custo país”.

8. Com isto, em breve, da velha tarefa de julgar sobrarão apenas lembranças nostálgicas? O ambiente democrático que permeava o Poder Judiciário é tomado por um totalitarismo em que, diante da “burocratização eficiente” da atividade, pouca democracia se poderá buscar (Marco Marrafon). O tempo de um magistrado cada vez mais será tomado pelo preenchimento de infinitos relatórios de gestão, sistemas de monitoramento, coerções de uniformidade, e a consequência é que não restará, parafraseando Lebrun, nem tempo, nem espaço, e sobretudo desejo para que alguns assumam essa função, de tanto que estarão sujeitos a tarefas de controle e de gestão. Dito diretamente: Gestão sem Jurisdição. Alguns poderão objetar que não é assim, nem que os passos dados na história recente indicam neste sentido. Por isto vale a pena insistir nos sintomas de tal caminhar, lembrando-se sempre que os modelos totalitários sempre se impuseram em nome do combate à corrupção, como no golpe de 1964.

9. Mas não é só isto. Há mais. Por que o subsídio dos juízes brasileiros, após a EC 45, é um dos maiores da América Latina? Ao pensar sobre este tema cabe a advertência de Milton Friedman: não existe lanche grátis! Dito de maneira mais direta: alguma coisa se esconde por detrás deste movimento, manifestamente ideológico. No pós Constituição de 1988 o Judiciário passou a responder com maior veemência às demandas populares, especificamente no cumprimento das promessas da Modernidade, na efetivação dos Direitos Fundamentais (Lenio Streck, Ingo Sarlet). Embora não tenha sido a pretensão do próprio Poder Judiciário, no pós/88 (Werneck Vianna), a magistratura passou a ser a alavanca de modificacões estruturais, com o aumento do “custo país”, a saber, a atividade econômica precisava compor o “custo da produção” com o fator Poder Judiciário, manifestado pelo binômio “previsibilidade” e “eficiência”. Isto porque houve uma postura de parcela significativa da magistratura no sentido da Justiça Social.

10. Cabe marcar que o “Princípio da Eficiência” produziu um câmbio epistemológico do Direito, tornando a forma de pensar a partir de meios, reproduzindo vítimas. Claro. Vítimas de um modelo de Estado do Bem Estar Social não realizado e que se encontra, paradoxalmente, em desconstrução. Dito de outra maneira, o Estado Social é imaginariamente desfeito sem nunca ter sido, efetivamente, erguido. Trata-se da destruição de ruínas-sociais. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho sustenta: “Neste quadro, não é admissível, em hipótese alguma, sinonimizar efetividade com eficiência, principalmente por desconhecimento. Afinal, aquela reclama uma análise dos fins; esta, a eficiência, desde a base neoliberal, responde aos meios.” O discurso neoliberal promove, assim, uma “despolitização da economia”, como argumenta Zizek, abrindo espaço para que o significante da eficiência penetre no jurídico como sendo a nova onda redentora, verdadeiro “grau zero” (Barthes) da releitura do Direito. A economia acaba se tornando algo praticamente sagrado da “Nova Ordem Mundial”, sem que se possa fazer barreira pelo e no Direito (Avelãs Nunes). A eficiência inserida no caput do art. 37 da Constituição da República, percebida desde o ponto de vista de Pareto, Coase ou Posner, passa a ser o critério pelo qual as decisões judiciais devem, necessariamente, submeter-se. Não se trata mais de num cotejo entre campos – econômico e jurídico –, mas na prevalência irrestrita da relação custo-benefício. Este discurso maniqueísta entre eficientes de um lado e ineficientes de outro, seduz aos incautos de sempre, os quais olham, mas não conseguem perceber o que se passa. A questão é mostrar que este é um falso dilema, adubado ideologicamente (Julio Cesar Marcellino Jr). Sair deste quadro de idéias colonizadas é tarefa individual. Faz-se ao preço de um estudo sério que não se apazigua com frases feitas emitidas pelo senso comum teórico (Warat) e vendidas no mercado de decisões judiciais. Até porque as utopias da Modernidade não geram mais o engajamento de justificar uma razão para morrer. Um fim último, perdido no mercado das pequenas satisfações pulsionais diárias, efêmeras, cuja satisfação não implica na prometida completude. Mesmo neste quadro parece que o engajamento se perde na preguiça e ausência de esperança de um projeto coletivo. O individualismo hedonista, nesta quadra, no campo do Direito Estético de hoje, esbarra no muro das lamentações, sempre. Os sonhos coletivos viraram souvernirs, mercadorias. Camisetas de “Che Guevara” sem que saiba quem é, ou o que representou... são um exemplo limítrofe.

11. Com efeito, a resposta ao questionamento, já antevista no Documento 319 do Banco Mundial, passava por Reformas pontuais e silenciosas (Gerivaldo Neiva). Não sem razão a publicação da FGV e do Ministério da Justiça (I Prêmio Innovare) sobre o Judiciário chama-se: A Reforma Silenciosa da Justiça. Antônio Gramsci apontava que a cooptação dos intelectuais pelo Sistema Hegemônico era uma das estratégias de poder utilizadas para domesticar o pensamento crítico. A atualidade desta categoria se manifesta na maneira pela qual as decisões no âmbito do Poder Judiciário brasileiro se apresentam. O cotejo do Documento n. 319 do BID, dentre outros, aliada a frase de Milton Friedman de que o Direito é por demais importante para ficar nas mãos dos juristas bem demonstra a pretensão de pensamento único, neoliberal, em que o Poder Judiciário é metaforizado como uma grande orquestra, a saber, por um maestro (STF), com músicos espalhados nos diversos “instrumentos”. Estes músicos, ainda que arregimentados, eventualmente, por sua capacidade técnica e de reflexão, ficam obrigados a tocar conforme indicado pelo maestro, sob pena de exclusão da “Orquestra Única”. Não há outra para concorrer; ela é a portadora da palavra. Diz a Verdade. Ainda que alguns dos músicos pretendam uma nota acima ou abaixo da imposta, não lhe dão ouvidos, porque o diálogo é prejudicado. O slogam é: toque como queremos ou se retire. A “Orquestra do Poder Judiciário” ainda está em formação e a harmonia pretendida pelos donos do poder foi se adaptando por Emendas Constitucionais e Reformas Legislativas. Primeiro, claro, a (in)eficiência de um Poder paquidérmico, caro, oneroso, devolvido a sua grande missão: garantir os contratos e a propriedade privada, em nome da confiabilidade no mercado internacional. Para tanto foram articuladas diversas técnicas: 1) Súmula vinculante: por ela o maestro (STF) pode impor, definitivamente, a nota a ser tocada, retificando a interpretação mediante uma simples Reclamação, podendo, ainda, responsabilizar o músico juiz faltoso; 2) Reformas legislativas: a) abreviação do julgamento, mesmo sem o estabelecimento do contraditório; b) Relativização da coisa julgada inconstitucional (Paolo Otero iniciou e ganhou fôlego no Brasil), a qual quebra a ficção que se estabelece o Processo: a coisa julgada, bem sabia Carnelutti. A ficção maior do sistema, a coisa julgada, virou, também, flexível. Há uma reflexibilidade no ar... c) Repercussão Geral, em que se decide em bloco os temas ditos mais relevantes; d) jurisprudência dominante (CPC, art. 557); f) Súmula impeditiva de recurso (CPC, art. 518); g) julgamento do mérito sem processo (CPC, art. 285-A); ..., com o toque fundamental.

12. O fundamental, neste contexto, é a aplicação das lições de Gramsci, a saber, era preciso cooptar os atores judiciais, e a melhor maneira de assim proceder é pagando bem. Diz o ditado popular que pagando bem mal não tem. E a sabedoria popular, no caso, pode ser invocada, porque com ela, entende-se o motivo de o subsídio dos magistrados ser o teto do funcionalismo. Assim, de um momento para o outro, sem alarde, a classe dos juízes, então pertencente ao que se denominava de média, ganhou um up-grade; passou a fazer parte da Elite que consome e, então, passa a defender seus privilégios, os quais acabam se confundindo com os demais, ou seja, grande parte é farinha do mesmo saco. O lanche (subsídio e auxílio moradia), pois, não foi de graça! Pagou-se com a possibilidade do fim da Independência e da Democracia. O resultado efetivo foi um grande “cala a boca” nos juízes que passaram, não raro, a adotar uma postura mais complacente, sem alardes, nem contestações… de ver a banda passar cantando coisas de amor…

13. Isto contracena com o quadro de músicos formados por, pelo menos, dois corpos distintos. O primeiro de velhos músicos, na sua maioria acostumados e desde antes cooptados pelo poder, sem qualquer capacidade crítica e que ocupam os Tribunais da Orquestra. Talvez os “ceguinhos”, “catedráulicos” e “nefelibatas” apontados de Lyra Filho. Os segundos, mais jovens, bem demonstrou Werneck Vianna, fruto de uma pedagogia bancária (Paulo Freire), sem fundamentação filosófica adequada, alienados da dimensão humana e capazes de decorrar milhões de regras jurídicas, somente (Lédio Andrade e Horácio Rodrigues). Logo, incapazes, na sua maioria, de qualquer resistência constitucional, até porque formados na cultura manualesca. A ambos grupos, todavia, deve-se acrescentar dois fatores: a) a sedução cooptativa de um subsídio polpudo. Imaginariamente aderidos, vestem ou querem vestir Prada por possuírem, agora, condições financeiras de consumir. Curtir a vida de maneira diversa dos magistrados antes da Constituição/88. Viajam, compram, estão preocupados no consumo de objetos da moda. Aceitam facilmente o convite para adentrar neste mercado de ilusões, ficando, pois, na mais ampla “ausência de gravidade”, bem demonstrou Charles Melman. Os novos carros do mercado, a nova coleção da estação ocupa o lugar de algo que pode importar, “consumindo”, por assim dizer, o sujeito do enunciado. Torna-se uma maria-vai-com-as-outras. Pensar e resistir, para que? Quer gozar!; b) Este poder gozar, entretanto, cobra um preço. A alienação da capacidade crítica e uma obscena pretensão de eficiência, de quantidade, na melhor linha da Análise Econômica do Direito (Posner), implica o apagar do sujeito. O sintoma desta situação se mostra na aderência sem precedentes aos precedentes, numa americanização da “Orquestra Judiciária Brasileira”. De outro lado, também, cabe apontar que o poder gozar exige, cada vez mais, números de julgamentos, apresentações sinfônicas perfeitas, conforme a partitura, sem limites. Bulimina, stress, cardiopatias, baixa auto-estima, adições, dentre outras saídas, quando não budismo, induísmo, seitas, Juízes de Jesus, acabam se instalando.

14. Christophe Dejours aponta o dilema contemporâneo do trabalho: entre o “desespero” e o “reencantamento”. Isto se aplica do trabalho da magistratura. Após a CR-88, cabe insistir, o trabalho da magistratura modificou-se brutalmente. Antes decidiam-se questões individuais e em velocidade morosa, por assim dizer. No pós/88 o Poder Judiciário é demandado por questões sociais, com a aplicação horizontal dos direitos fundamentais, ingerências na liberdade de contratar (CDC, função social dos contratos e da propriedade, dentre outras questões), com muita aceleração. Daí, em muito, o mal-estar da magistratura individualmente entendida. Claro que ao se falar do coletivo invoca-se o individual (Agostinho Ramalho Marques Neto). Não porque são idênticos, pois cada singularidade é específica, mas justamente porque no enredo destas novas demandas, uma surge como fundante do outro campo, dado que não faz sentido falar-se em exterioridade neste lugar. A atuação do magistrado na seara trabalhista era a de aplicar no caso específico o direito incidente, no paraíso positivista da subsunção da regra geral a um caso específico. Entretanto, nos dias de hoje, com a constitucionalização da vida cotidiana, com o trabalho passando a ser produto de um mercado sem fronteiras e sem limites, via processo flexionado e célere, as coordenadas simbólicas da resposta se modificaram. De um lado o protagonismo na realização do Estado Democrático de Direito e, por outro, o aumento da angústia da função, do “desespero”.

15. Não se trata do aspecto negativo da perda da função, mas das consequências que a função implica em sujeitos que enunciam, do seu lugar. E, claro, há um ser humano no lugar de juiz, cujas relações familiares, de identificação individual e política são atingidas diretamente pelo exercício (in)autêntico da magistratura. Mas discutir o lugar do magistrado é tarefa proibida nos diz Pierre Legendre. Ideologicamente é melhor não deixar ver o sujeito que se esconde por detrás da toga. Problematizar este lugar é uma atividade clandestina, de borda, que procura dialogar com o imaginário social e o real de um sujeito. Enfim, há uma centralidade para o sujeito em seu reconhecimento diretamente ligado à sua atividade judicante, cujo afastamento não pode ser universalizado. A saber, não se trata de um sujeito diverso, totalmente diferenciado no Foro e outro no seu dia-a-dia. O exercício da magistratura causa um efeito decorrente da função. Isto é das leis da linguagem. Não se trata de um conteudismo, ou seja, de um conteúdo que possa ser colocado em todo o que exerce a magistratura. Não! A questão passa sobre os efeitos que o discurso promove no sujeito e seu lugar, bem assim sobre as possibilidades de “reencantamento”.

16. Resistir a isto, todavia, é ir contra a maré das “Almas Belas” (Zizek), gente que em nome do politicamente correto, da aceitação das ditas evoluções sociais, aceita deferir toda-e-qualquer-pretensão para não posar de reacionário, totalitário e conservador. Aceita o jogo do mercado, fabricando e vendendo decisões conforme a moda da estação. Trata-se de um lugar, um lugar que deveria ser de Referência, um lugar cuja função é a de dizer, muitas vezes, Não, disto eu não participo! Entretanto, para que se possa dizer Não é preciso se autorizar responsável, embora o discurso do senso comum o desresponsabilize, coisa que a grande maioria não se sente, por se estar eclipsado em nome do direito do conforto. Este lugar do Julgador precisa ser ocupado com responsabilidade pelo que se passa na sociedade. Não para se tornar o salvador, o novo Messias, e sim para recolocar o Direito no lugar da Referência, de limite. Por aí se pode entender, quem sabe, pelo qual as posturas reacionárias, de indiferença, voltaram com todo o vigor. Pode ser que agora os juízes brasileiros estejam mais interessados nas viagens das próximas férias, em trocar de carro, em comprar as roupas da moda, porque, enfim, na contabilidade do capital, este foi o preço que se pagou. Existem, claro, os que se dão conta e que precisam apontar para isto. A estes se dirá que perderam o juízo... A grande maioria dos Juízes brasileiros não sei se vestem Prada, mas com certeza querem vestir!

17. Um exemplo disto pode ser indicado. O enfrentamento da questão por políticas judiciais de “punitive demages”, ou seja, de decisões que além da reparação apliquem ‘sanções pedagógicas’, só aparentemente resolvem a questão. Implicam na aparente solução. Entretanto, no contexto dos “litigantes habituais”, esta condenação será “contabilizada” nos “custos de produção” e servirá apenas para uma pequena parcela beneficiada, bem como para aplacar a “sede de Justiça Social” de alguns aplicadores do Direito. O pano de fundo da questão não é tocado. E ouso dizer: não pode. Tocar na matriz da questão é impossível por dois fundamentos básicos. O primeiro é que o modelo capitalista mantêm, mesmo nesta compreensão, intocável a troca do trabalho por dinheiro, e estas decisões servem, no fundo, para relegitimar o sistema. O segundo é o de que se atacada a matriz do problema a Justiça do Trabalho perderá, em curto prazo, o glamour. Esta última afirmação é forte e precisa ser lida sem o primeiro sentimento de auto-preservação. Enfim, superada, de fato, a compreensão do trabalho objetificado, no horizonte, a Justiça do Trabalho perde seu sentido. Enfim, se é manipulado, mesmo com as melhores intenções. O sistema neoliberal colocará, no fim, dois freios. O primeiro pelos Tribunais Superiores, como já aconteceu nos EUA e, por último, contabilizará as condenações nos “custos” futuros. A vitória, pois, é de Pirro.

18. Parece, assim, complicado em falar em Não desde dentro da Orquestra. Porque assim proceder pode significar a impossibilidade de gozar na esfera privada, mediante a mais-valia cobrada na esfera pública, tornando-se quase que o músico solista, incapaz de fazer frente à Orquestra Total. Fundar uma Orquestra paralela é impossível. Talvez, então, seja necessário sabotar a Orquestra Principal, assumindo-se, com Gramsci, a condição de intelectual orgânico. A questão é saber se se pode pedir dos magistrados brasileiros isto? Neste estado de coisas, talvez, o ato que se possa fazer seja o de apontar para a cooptação e mostrar que ao mesmo tempo em que os atuais ganharam tudo, os novos magistrados, pós 2004, não terão mais aposentadoria integral, justamente foram estes que deram os aneis. A questão é que quando se dá os aneis, não raro, a mão vai junto..., dia Ângela Konrath.

19. O que se pode pedir ao Poder Judiciário e aos magistrados em 2010? Não mais do que eles podem dar. Esta advertência de Avelãs Nunes precisa ser levada a sério. A escolha está aí: ou o magistrado aceita a lógica de um Presidente das Havaianas/Gerente de Banco, ou garante a dignidade da função. Umberto Eco, em recente entrevista, disse: “Em 1931, o fascismo impôs aos professores universitários – 1200 na época – um juramento de fidelidade ao regime. Apenas 12 recusaram e perderam seus empregos. Talvez os 1.188 que ficaram tivessem razões nobres. Mas os 12 que disseram não salvaram a honra da universidade, definitivamente, a honra do país.” Pensar novas coordenadas de atuação, bem assim sustentar posturas críticas desde dentro do Poder Judiciário, sem medos, nem acovardamento, na perspectiva do “reencantamento” é a aposta desta mesa. Por fim, caso tudo que falei tenha sido apenas uma projeção sem sentido para os outros, terei pelo menos a companhia imaginária de Barthes que disse: "A vida é, assim, feita a golpes de pequenas solidões.


[1] Realizou estágio de pós-doutoramento em Direito pela Faculdade de Direito de Coimbra e UNISINOS. Doutor em Direito (UFPR). Juiz de Direito. Professor do Programa de Mestrado e Doutorado da UNIVALI e da UFSC.

Influências de Vinícius


RESÍDUO

Resta essa insuficiência cognitiva,
esse desconhecimento da rota,
que faz traçar os caminhos mais longos.
Resta a incapacidade de não saber a chegada,
que repousa magnífica, fulgurante
e silenciosa em nossos braços.
Resta esse silêncio,
esse não-som presente,
essa escuta alheia do samba distante,
esse silêncio de sorrisos,
essa quietude de si-mesmo,
esse comodismo diante do que não se pode mudar,
essas mãos atadas no meio do mar.
Resta a ausência presente,
a vontade de caminhar de si com novos sapatos.
Resta essa inconsciência,
essa não integridade da sombra,
essa cegueira de si mesmo,
essa dinâmica tola e vazia dos corpos,
esse sem sentido dos sentidos,
essa dúvida existencial,
esse idealismo barato e juvenil.
Resta esse desejo de lágrimas,
esse verdugo que acena em nós,
essa alteridade cheia de maldade,
essa razão egoísta,
essa redenção egoísta.
Resta fazer as pazes com o tempo.
Resta enganar o próprio tempo,
para que diga o sim aprazado.
Resta enganar o mundo, a história.
Resta enganar-se com a razão.
Resta essa racionalidade das respostas,
esse adeus às batidas moucas,
essa razão que circunda as verdades sem tocá-las,
esse sentimento sem leito possível.
Resta esse renascer,
essa linha que se descortina no horizonte,
essas migalhas mortas e tristes,
essa repetição da claridade nos olhos do bebê,
que mesmo velho, é sempre forçado a absorver novos mundos.
PFF