domingo, 25 de março de 2012

AI DEUS!











A grande divisa que separa fé e ateísmo, e toda a discussão que envolve Deus, é um equívoco: o equívoco sobre a necessidade de indagar a existência de Deus. Enquanto essa pergunta ocupa o lugar central de todas as discussões do tema, outra é deixada de lado. Afinal, se concluíssemos sobre a existência ou não de Deus, quais alterações teríamos em nossas vidas? Provavelmente nenhuma: continuaríamos acordando, tendo que lidar com nossos medos, trabalhando sem parar, esperando as esperanças que temos. Por outro lado, se estivéssemos realmente atentos com essa discussão histórica, lançaríamos luz não na questão sobre a existência de Deus, mas na existência da indagação e sua possibilidade de projetos em nossos rumos pessoais e coletivos...É o endeusamento da indagação que faz com que coloquemos em xeque tudo aquilo que de mais comum divinizamos em nossas vidas - do nosso cachorro vira-latas ao nosso estilo ou "filosofia" de vida. Esse indagar é o único meio de perceber o que de podre existe em nossas posições, crenças, opiniões e jeitos de ser. Para encontrar nossas "divindades" legítimas, matando deuses do passado, modos de pensar e agir que não servem mais, ou que são cópias toscas de nossos pais fora de moda ou de nossa comunidade atrasada, precisamos dessa ode à indagação...E duvidar de alguma coisa que se diz absoluta como Deus é o 1o passo. Não consigo ver o ateísmo como nada além disso: um primeiro passo em direção à morte de um Deus geral e de encontro de divindades pessoais. 

quinta-feira, 22 de março de 2012

MÍNIMAS - 11





A vida é curta porque depois que descobrimos tudo que podemos com o corpo, temos que

descobrir como mantê-lo. Depois que descobrimos como mantê-lo, temos que encontrar o

lugar de deixá-lo. A vida é um estar às voltas com um corpo que cobra.


***

A simplicidade é o falso argumento de todos os tipos de pão-duro.

***

ALTERIDADE DO BOQUETE: exigir que a mulher engula é crueldade, mas ter pressa pra cuspir é falta de etiqueta.


***

Fiapos de narcisismo: cogitei uma mulher ideal, e me imaginei ao contrário.


***

Um homem só pode saber a duração de um romance depois que conhece o mamilo da mulher. O mamilo é a mandala dos relacionamentos.


***


Uma flecha sem a nostalgia do arco nem avidez pelo alvo, é uma flecha que sabe das coisas.



CÍTARAS QUE ENTOAM UM CANTO

A nostalgia é sempre uma sensação que já tivemos.
A nostalgia é sempre um bem.
Aos terrores de antanho, usamos a lembrança.
E as chamamos de lembranças más,
sem notar que não se tratava de maldade, mas de uma condição.
Não há como pesar o passado porque sempre o fazemos daqui,
do presente que nos pesa nos ombros,
como se fossemos cristos com uma cruz sem os louros de um cristo.

Não sei pra quê serve a saudade, ou como se usa, ou em que ocasiões.
É compreensível que a saudade nos confunda.
Pois saudade se sente ou do que doeu, ou do que curou.
Se pensamos na dor, sabemos que deu pra deixar de senti-la.
Se é caso de cura, é  desejo por poder:
por poder de ser um outro capaz, sobretudo, de abandonar dores.
Ter doído é um poder, quase uma vaidade dos anciãos em tudo.

Penso aliviado,
remexendo os pés sem meia que se cruzam,
deliciado em cima de um balanço que balança para me fazer ver a vida.
Ver assim sem estar nela.
A nostalgia é um vinho que se bebe sem pressa e pretendendo sempre o calor do passado.
Não há nada mais intenso que o ontem, nem nada tão sedutor quanto o dia de amanhã.
E o que se passa ao redor desses fantasmas,
é um piano manso num dia qualquer de uma semana comum.
Ou mesmo qualquer outra coisa banal e sem intenções grandiosas.
Grandiosidades são fetos anencéfalos, com morte garantida como prêmio.
Só a potência da semente tem uma ereção vital imbatível.
A semente disfarça, é cotidiana, é uma entre tantas, é comum.
E ser comum é uma delicia saborosa, como filme bom ou sexo com amor.

Traí os loucos,
deixei na porta da escola num fim de tarde de inverno os pequenos rejeitados,
subverti tudo o que de subversor havia.
Sensaciono, que é o mesmo que o sentir significa para o sentimento.
Não se trata de sentir sensações, mas de sensacionar.
Sensaciono nostalgias que tive, mas assenhorado do que fui.
Com nostalgia sensaciono só belezas, carinhos, delícias e bem-querer.
A nostalgia ganha da vida com um blefe.
É um ganhar da opressão da vida sem mérito.
É um estar ofegante mas sem ter cansado no caminho.





sexta-feira, 2 de março de 2012

MÍNIMAS - 10








Sinto uma estranha inveja da velhice dos outros, dessa velhice que 

vai aos poucos procurando o silêncio das casas de campo e que se 

alheia de todo o tumulto. Sinto inveja desse doce processo de 

encontrar o  lugar ideal de deixar a vida, como fazem os elefantes

que se afastam da manada no prelúdio da morte, esperando do fim, a

paz que a vida  roubou no durante.