segunda-feira, 29 de julho de 2013

ENCONTRAR O ANVERSO



As costas estão nuas, e não os peitos.
O nó-de-pinho será a lenha, antes do eucalipto.
A bebida será a comida.
A luz será a meia-luz.
A música será apenas o crepitar de um fogo mal começado.
Os vidros não estarão limpos, mas empoeirados.
Os vidros não estarão translúcidos, mas embaçados.
Você escreverá em pé, para não estar sentando, moribundo, paralítico.
Você escreverá em pé para estar mais perto do céu.
Você escreverá em pé, arrogante.
E olhará a janela, encarando ninguém.
Você esquecerá as unhas e a barba;
o horário e a cueca de ontem.
Estacionará na frente da casa de uma cartomante, mas não verá nenhuma carta.
Encontrará antigos amores, sem estar com antigos amores.
E tocará a pele dela, sem poder ENCOSTAR na pele dela.
Você sentará ao lado do fogo, mas sentirá frio do outro lado do corpo.
Reunirá os tapetes para construir um exército de um homem só contra o nada.
Comerá o doce antes do salgado.
Estará polígamo, mesmo com o pau mole.
Será o sado-masoquista, sem dor  ou dever.
A uma, dedicará o pensamento.
A outra, reservará o coração.
E a uma terceira ainda, dedicará o gozo.
A uma terceira e até, eventualmente, a uma quarta, sabe-se lá!
Haverá um rearranjo estético – a mesa mais pra lá e uma escrivaninha improvisada pra roubar o sinal da internet. Manifestações em todo o país contra a corrupção e eu aqui, corrupto, ROUBANDO O SINAL DA INTERNET, DEMASIADO ROUBANDO O SINAL DA INTERNET.
O frio gélido vai fazer uma das suas bolas sumir.
Você vai olhar na hora do mijo, e perceber que uma bola entrou cavidade adentro.
Haverá o devir de um amor livre.
E o único silêncio de uma colher num prato de sopa.
Haverá coragem para tomar territórios.
E uma covardia para sair deles.
Você terá nas mãos o controle seminal do fogo.
Você estará esperando que alguma coisa aconteça.
Haverá uma enganação feita de palavras verdadeiras.
Haverá um livro a ser lido, que na página 59 diz assim:

Os verdadeiros fundamentos de uma investigação não ocorrem, absolutamente, a um homem.

sábado, 20 de julho de 2013

tópica




Você olha em volta
tentando encontrar a própria miséria, 
mas só vê paredes mudas de branco, cachorros que são felizes sem falar nada
e pulgas trabalhando por gotas minúsculas de sangue de cachorros que não falam nada.

Você olha por dentro, 
se transforma em um bacilo que caminha no meio do músculo da carne humana, 
ou então se sente um micróbio pequeno como o nada, 
nadando no mar gástrico que transforma tudo em merda. 

Mesmo assim, sorrateiro, não encontra a própria miséria. 
Então você resolve ir fundo, prescindir da matéria, 
e começa a acreditar no inconsciente, no cosmo, no raio que o parta, 
numa cruzada à caça da própria miséria, 
mas só encontra um oco, mudo, igual a um salão de baile em final de festa, 
quando as faxineiras que dormem e acordam cedo, 
começam a virar as cadeiras de pernas pra cima, 
como se atirassem corpos do patamar da vida para a morte.

Fora ou dentro ninguém diz nada, 
nenhum mestre dos magos e nenhuma bruxa maligna,
nem mesmo pra nos dar a direção errada do caminho. 
Ah a direção errada! Nem mesmo ela pra eliminar uma variável das direções possíveis.

A direção errada seria um rosto humano nu nesse baile veneziano de máscaras. Mas nem ela!
Terei o direito de ser proprietário da própria miséria?

Cogito a miséria como o ponto vélico do mundo, 
como o triângulo das Bermudas, 
como o buraco negro que fechará as cortinas do absurdo.
Deus estará lá, brincando de ser Deus, com uma máscara do Bozo ou com uma máscara de Deus.
Mas ele não é nem nunca será um filho da puta. 
Ele não nasceu no meio do sangue e das gororobas da placenta.
Ele é um deixado ao relento dentro de uma caixa de sapato numa parada de ônibus. 
A miséria dos que vivem é não poder parar.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

a gente não quer só política






No fundo - e se bem que nem tão fundo assim -
não me interesso pelo plebiscito.

Não me interesso pela reforma política.
Reformar é manter vivo.
E não se pode manter vivo o que já morreu.
Lutero fez isso, e deu no que deu.
Olhar hoje uma igreja é olhar um asilo.
Até o cheiro é parecido.
Porque a morte tem sempre aquele cheiro de sovaco no inverno.

Política?
Política é estar em paz.
Política é poder ficar em silêncio.
"Conversar democraticamente" - o primeiro caminho em direção à discórdia. 
Concórdia é dormir.
E democracia é acordar e ter mais 2 horas antes do despertador tocar.
Democracia é um sonho de valsa achado atrás do saco do pão de sanduíche.

Direito só quero um: o de ter uma garrafa de vinho.
E um saca rolhas. Sem saca rolhas, não dá.
Afundar a rolha é extremismo.

Afundar a rolha é um barbudo de esquerda com a camisa do MST. 
É coisa de bebedor terrorista estilo homem-bomba-do-Islã.

Transporte público?
Transporte público é aprender a se desamontoar.
E a saúde? Saúde é saber a morte.
E se sabem e ainda pedem saúde, qual a tramóia desse arrogante desejo de eternidade?
E o direito de ser fugaz? Não vi na rua esse cartaz.

Meu bloco ainda não pretende ir às ruas.
Tenho mais preguiça do que democracia no sangue.