segunda-feira, 31 de maio de 2010

Entendimento?


Todos os dicionários juntos não contêm nem metade dos termos de que precisaríamos para nos entendermos uns aos outros.
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José Saramago

sábado, 29 de maio de 2010

Contos Imediatos XXIII




Pedro das Luzes andava pelos corredores do antigo prédio público da Rua dos Centavos, quando incontido, sentou-se e disparou no bilhete:
"Por quantas existências tu seguirás tão repetitiva, tão (claro!) previsível, tão inalterada, tão amiga dessa pulsão de morte que não te deixa mover em direção aos espaços novos, tão semovente a ruminar a mesma porcaria tua de sempre, tão asquerosamente estática, tão porta-bandeira dessas bandeiras mesmas que apontas em direção às frágeis vidas e que a cada ferida delicada mancha de escarlate os panos das bandeiras que empunhas como vitória, tão soberana do ardor do fogo, tão excitada com o desbaratino alheio que são teus açúcares diletos, tão sectária dessa maldade consciente...por quantas existências permanecerás tão igual com teus motivos? Por quantas existências permanecerás assim tão inspuportavelmente irresistível?"

PFF



quarta-feira, 26 de maio de 2010

Indagações temporais

Pois é, o último conto imediato me deixou meio confuso. Eu escrevo mesmo sem muito compromisso, vou despejando letras e frases a Deus dará, ao léu, imerso na deriva da minha nau, canoinha, bote ou coisa que o valha. E só depois paro para pensar no que nasce do branco do papel (às vezes sequer paro, sequer penso). Afinal, são os dias ou os anos que demoram mais para passar? Os velhos são "os caras", imagino eu, para falar sobre esse tempo senso comum que nos consome. E seguimos sem perceber a obviedade dos velhos, que nos dizem a todo momento que a vida passa rápido, sempre como um piscar de olhos. Os velhos nos dizem para aproveitar a vida, e até intuímos o que eles querem nos dizer com isso. Mas vamos evitando os dias em detrimento do que os anos podem nos trazer, nos tolhindo enquanto desejo impulsivo, evitando as atitudes do dia (que podem, estas sim, modificar os anos vindouros), alijando a rebeldia e nos tornando como as peças de xadrez que caminham ao mesmo xeque-mate, acovardando-nos, renegando-nos, esperando o amanhã de tantos tesouros (quais?!!!), esperando...sem saber o que esperar exatamente. E a vida, ela toda, passa numa piscadela...seja com a juventude dos dias que não vemos passar, seja com os anos saudosos que se ganha na velhice... (E sigo sem concluir...)
Gravura pertinente: A persistência da memória, Salvador Dalí, 1931.

Para ler com atenção - Mario Quintana






DA CARIDADE



Se se pudesse dar, indefinidamente,
Mas sem, do que se deu, nada perder, em suma,
Ainda assim, muita gente,
Nunca daria coisa alguma...



Mario Quintana

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Brotos de Liberdade


Por ser da vida escravo,
é que escrevo.
E é só isso
que à vida eu deixo,
que à mim eu devo.
Eu não vou morrer!
Mas quando eu morrer,
meu corpo vai me ejacular ao céu.
E lá das nuvens em relevo,
vou anotar nas folhas de papel,
- em plena graça, em puro enlevo -
como é respirar o ar do céu,
mais tudo que da vida terei saudade.
Experimentando lá do alto,
o que aqui são só brotos de liberdade.
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PFF

V Semana Jurídica de Direito UNIRON



Na próxima quinta-feira, dia 27, estarei em Porto Velho-RO falando aos alunos de Direito da UNIRON. Mesmo sendo um tanto avesso às definições, é por considerar de altaneira importância o pensamento surrealista do Direito desenvolvido pelo jurista e amigo Luis Alberto Warat, que o tema a ser tratado é O Direito no País das Maravilhas, que é fruto de um estudo de intersecção entre o direito, a psicologia e a literatura. Assim, me defino, dentro do Direito (se bem que mais fora do que dentro), como waratiano. O texto fruto da pesquisa será em breve lançado aqui no blog!

Contos Imediatos XXII


SENTIR O TEMPO

Luizinho, que ainda não sabia muito bem contar o tempo, ficava intrigado com a primeira frase que a professora da escola escrevia todos os dias. No alto do quadro, lá estava ela a escrever o nome da cidade, um número que mudava todo dia - e que de tempos em tempos recomeçava do um -, outro nome que era chamado de mês, e um número grande que, à primeira vista, era o mais arrastado e lento de todos. Este último nunca tinha mudado desde o primeiro dia de aula. Apesar da pouca inquietude, aquilo inquietava o guri. Porque tinha entendido mais ou menos como funcionava aquilo, em alguns dias, querendo adiantar o preâmbulo da aula para estar à frente dos colegas, Luizinho escrevia o primeiro número somando mais um ao do dia anterior, mantinha o nome do mês que sempre demorava para mudar, e esbarrava no número que indicava o ano. Vez ou outra tentava mudá-lo, somando números tal qual fazia com os dias. Mas sempre era derrotado quando a professora chegava e escrevia a data no quadro. Não podia entender como aquele número não mudava nunca. E também tinha vergonha de perguntar para a professora, sonegado pela timidez que era sua amiguinha próxima. Essa foi uma cruel indagação que consumiu Luizinho durante todos os dias daquele primeiro ano de escola. Gastou muita borracha apagando todos os preâmbulos frustrados que tentaram avançar o número daquele ano.

Hoje ele nem lembra como aprendeu que o ano era mesmo o mais demorado a mudar. E hoje, contemplando os crisântemos do asilo Nossa Senhora de Lourdes, estranhamente, os dias parecem ser mais lentos e arrastados que os anos para o Sr. Luiz, que acabou com um pronome antes do nome, que encolheu junto com ele.
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PFF

A completude de ser mãe


NAMORANDO MULHER COM FILHO


Namorar mulher separada com filhos já foi visto como uma dificuldade. Seria complicado conquistar a criança, conviver com o outro pai, ter um cantinho para namorar sozinho. A criança era recebida como um problema, uma restrição à liberdade e à intimidade. A suspeita é que ela não estava procurando um namorado, porém um pai para seu pequeno. Isso mudou. Não tenho dúvida de que namorar mulher com filho pode ser muito melhor do que namorar mulher sem filho. A mulher com filho aproveita seu espaço. Responsável para fora, e possivelmente louca e criativa com você. Ela valoriza cada ida a um restaurante como se fosse uma viagem ao exterior. Não precisa bater ponto na balada, para dizer que está feliz. Encontra o contentamento num café da manhã ou em um filme no sofá.

Não bancará a mimada ou começará discussões tolas sobre se está bonita ou não, se está gorda ou o espelho do provador é que emagrece. Não se endividará do futuro, supera as adversidades com humor. Tem a vaidade da autocrítica. Consegue ser surpreendente com as banalidades, não está comprometida em impressionar, e sim em ser verdadeira. Descobriu que a verdade é mais sedutora do que a mentira. Interessada em repartir o prazer, correr as pernas debaixo da mesa, fazer gafe acompanhada para contar às amigas. Reconhece o valor de uma lingerie preta, pois usa em casa um pijama gasto. Ela será bem solta na cama, plural, não sofrerá pudor em confessar fantasias, não ficará transando consigo mesma. As mãos do homem serão seus seios. Abrirá sua memória com a habilidade de vestir fantoches, falará com franqueza de quem consegue acalmar os pesadelos do filho.

Ela vai trabalhar, cuidar da escola e da casa, do almoço e das contas, e nunca reclamará que carece de tempo para sair. Beijará como se fosse uma adolescente redescobrindo o corpo, com a diferença de que não terá medo do corpo. Não será uma sogra antecipada - tornou-se sua própria mãe. Não permanecerá muda diante de você, sobrarão assuntos para comentar, opinar e dar foras. Não concordará com tudo para agradar, o que é mais gostoso, sua personalidade combativa, decidida, discordante não suporta fingimentos. Ao invés de brigar, irá sugerir soluções. Afinal, é o que faz todo dia. Não cobrará a ânsia de uma família, mas mostrará aos poucos o que é uma família. Será cautelosa com as dores e pródiga com as alegrias. Uma mulher com filhos é amorosa porque conhece a fundo a solidão para sair dela.



Texto do livro O Canalha, de Fabrício Carpinejar.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Miedos - Eduardo Galeano



O MEDO GLOBAL

Os que trabalham têm medo de perder o trabalho, os que não trabalham têm medo de nunca encontrar o trabalho.
Quem não tem medo da fome tem medo da comida.
Os automobilistas têm medo de caminhar e os pedestres têm medo de ser atropelados.
A democracia tem medo de recordar e a linguagem tem medo de dizer.
Os civis têm medo dos militares e os militares têm medo da falta de armas.
As armas têm medo da falta de guerras.
Medo da mulher à violência do homem, medo do homem das mulheres sem medo.
Medo dos ladrões, medo da polícia.
Medo da porta sem fechadura, do tempo sem relógio, das crianças sem televisão.
Medo da noite sem comprimidos para dormir, medo de dia sem comprimidos para acordar.
Medo da multidão, medo da solidão.
Medo do que foi e do que pode ser.
Medo de morrer, medo de viver.
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Eduardo Galeano

Secretos nuestros



“El tipo pode cambiar de todo: de cara, de casa, de família, de novia, de religión, de Dios. Pero hay una cosa que no puede cambiar, Benjamín… No puede cambiar de pasión...”


Do filme desse mês, O segredo dos seus olhos.

Plataformas comuns - José Saramago


Os caminhos por onde os homens circulam só aparentemente são complicados. Procurando bem, sempre se encontram sinais de passos anteriores, analogias, contradições resolvidas ou resolúveis, plataformas onde de repente as linguagens se tornam comuns e universais.
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JOSÉ SARAMAGO

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Poesias de açougue



ENTRESCUDOS

Quem dera
os escudos fossem uma peneira,
a distância mais curta,
o coração menos arredio...

Quem dera as armas pudessem cair ao chão,
leves como o nada,
e que em caídas,
de cada pedaço de pólvora explosiva,
surgisse um resquício de flor.

Quem dera a aproximação
fosse lida doutro modo,
de um mais sublime modo.
E como há um estádio lotado que torce em mim
por leituras prévias mais conscientes,
mais elaboradas de coragem e de amor.

Quem dera outra filiação
ao Partido dos Otimistas Idealizadores.
Esses crentes, sãos e felizes homens
que se sustentam em ideais que,
mesmo não sendo seus,
são como duas taças de vinho antes do sono da noite.
Ah como são doces as idealizações...
Tão doces que até saudade sinto
nessa carne que pulula no peito.

Quem dera me acometesse alguma hiância,
capaz de livrar-me de associações
com significados tão equivocados e rabugentos.
Depois de toda resignificação,
volta-se ao lugar do começo: medo.
Esse privado medo escondido
entre o que me sussurra o espelho.

Mas há um sonho de lordes,
e jardins encantados,
e uma deusa singular que canta ainda longe.
Quem dera todas essas tolas fantasias viciadas
sumissem como poeira no vento.
E que a consistência da poeira do vento,
me levasse até o altar singular
que guarda ela e meu rebento.


PFF

O que é isto - decido conforme minha consciência?

O QUE É ISTO – DECIDO CONFORME MINHA CONSCIÊNCIA?, primeiro volume desta nova coleção, questiona o tradicional mo-delo de decisão judicial que perpassa o imaginário jurídico. O livro mostra como as decisões são caudatárias do paradigma da filosofia da consciência e o modo pelo qual reproduzem aquilo que mais pre-tendem combater e superar: o positivismo jurídico.

Com esse novo livro, Lenio Streck demonstra como determinados setores da teoria do direito, ao fazerem a crítica do positivismo, ainda confundem o positivismo primitivo (exegético) com o positivismo semântico. Assim, nem sempre dizer que “o juiz não está mais preso à letra da lei” é “ser um jurista crítico”...! Nessa linha, faz uma sofisticada crítica à discricionariedade positivista e à relação desta com a “ponderação de valores”, que se tornam responsáveis pelo protagonismo e pelo ativismo judicial. A partir de uma dura crítica ao ensino jurídico e à cultura manualesca que se instalou no Brasil, o autor aponta (e lamenta) o enfra-quecimento da doutrina, que “não mais doutrina”, sendo, na verdade, doutrinada pelos Tribunais.

Fundamentalmente, o livro é um libelo contra as diversas formas de decisionismo. Ou seja, as decisões judiciais não devem ser tomadas a partir de critérios pessoais, isto é, da “consciência psicologista” do intérprete. Na democracia – diz Lenio – não cabe mais dizer “entre a lei e a minha consciência”, opto pelo meu “sentimento do justo” que está na “minha consciência”. É por tais razões que o título é uma indagação, que procura ser respondida no decorrer desta obra que a Livraria do Advogado Editora coloca à disposição da comunidade jurídica.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Evento imperdível em Florianópolis





DEMOCRACIA E PROCESSO PENAL

A Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina - ESMESC, a Associação dos Magistrados Catarinenses - AMC, a Academia Judicial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina - AJ/TJSC e a Editora Conceito, convidam para a mesa de palestras sobre DEMOCRACIA E PROCESSO PENAL, que realizar-se-á no dia 26 de maio de 2010, às 19hs, no auditório da Associação dos Magistrados Catarinenses, com os professores:

•ARNALDO MIGLINO (Prof. da Università di Roma " La Sapienza" - Itália)
•PIERGIORGIO ODIFREDDI (Prof. Università di Torino – Itália)
•JACINTO NELSON DE MIRANDA COUTINHO
(Prof. Titular de Direito Processual Penal da UFPR – Doutor em Direito - Università di Roma " La Sapienza" - Itália).
Na oportunidade ocorrerá o lançamento dos livros dos Professores ARNALDO MIGLINO e JACINTO NELSON DE MIRANDA COUTINHO.

Local do evento: Auditório da AMC/ESMESC – Rua dos Bambus, nº 116, Itacorubi – SC, Florianópolis – SC.

Inscrições no site: www.esmesc.org.br

Entrada Gratuita. Será emitido certificado de participação.

terça-feira, 18 de maio de 2010

entreolhares


ENTREOLHARES


Há esse tom meigo nos olhos teus,
Que se entrecruzam como lanças invisíveis de carinho puro.
Há essa luz viva nos olhos teus,
Desligados da tristeza, chorosos pela vida,
Esses dois sorrisos pueris vestidos em cílios de mulher.
Há essa penumbra balsâmica nos olhos teus,
Que me sombram no calor tórrido dos corpos.
Há também alguma tenacidade nos olhos teus,
Que fortalecem as fibras de tudo que te sente, toca ou vê.
Há uma maternidade fraternal nos olhos teus,
Que ninam outros olhares sem julgar sequer a imagem.
Há mil séculos de história nos olhos teus,
Que podem contar todos os amores da existência.
Há, sobretudo, uma ternura contida nos olhos teus,
Mas que vaza fugidia em cada lágrima tua,
Em cada riso solar que é tua felicidade diante do sublime.
Há, claro, uma overdose de cafunés nos olhos teus,
E como é terno pousar os olhos nos teus,
E como qualquer olhar rábico é manso no teu.
Há uma cama quentinha nos olhos teus,
Que convida a enfiar-se em lençol de cheiro,
Escondendo os traços e revelando a poesia da alma.
Há um encontro de peitos nus nos olhos teus,
Que se aquecem no compasso dos toques cardíacos,
Que são a eternidade do teu piscar.
Há um útero fértil nos olhos teus,
A transformar em vida cada potência de ser.
Há, à parte, uma fragilidade juvenil nos olhos teus,
Que se protegem a cada toque de outros cílios nos teus.
Há um lamaçal de desejo nos olhos teus,
Que devoram cada centímetro dos prazeres que te aprazem.
Há essa aporia velada nos olhos teus,
Que choramingam duvidosos entre o amor e o amor demais.
Há, enfim, uma lassidão nos olhos teus,
Que querem se fechar para sentir as entrelinhas do espírito,
Mas que são de um aberto imprescindível,
a iluminar o mundo todo que te espera.


PFF

...d'accord, d'accord, d'accord


Tu ris, tu mens trop
Tu pleures, tu meurs trop
Tu as le tropique
Dans le sang et sur la peau
Geme de loucura e de torpor
Já é madrugada
Acorda, acorda, acorda, acorda, acorda

Mata-me de rir
Fala-me de amor
Songes et mensonges
Sei de longe e sei de cor
Geme de prazer e de pavor
Já é madrugada
Acorda, acorda, acorda, acorda, acorda

Vem molhar meu colo
Vou te consolar
Vem, mulato mole
Dançar dans mes bras
Vem, moleque me dizer
Onde é que está
Ton soleil, ta braise

Quem me enfeitiçou
O mar, marée, bateau
Tu as le parfum
De la cachaça e de suor
Geme de preguiça e de calor
Já é madrugada
Acorda, acorda, acorda, acorda, acorda

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Angeli para ver






Contos Imediatos XXI



SINCERIDADE

- Você tá pensando o quê...que eu beijo logo no primeiro encontro é?
- Não, eu acho que você passa vontade no primeiro encontro...
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PFF

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Confessar a covardia

Tudo vai mudando, mudando...

Todo mundo já escutou o Raulzito, essa então nem se fala! Mas tudo vai mudando, mudando, mudando...e escutei de novo essa depois de um bom tempo. Já andava interessado pela loucura nos últimos tempos. Li uns trechos do Elogio a Loucura do Erasmo de Roterdam, voltei ao Manifesto do Surrealismo Jurídico do Warat, fui ver Alice e o chapeleiro maluco no cinema. Ser louco? Quem tem coragem? Ou ninguém é tão livre assim? Todos os loucos têm a mesma doença: o excesso de liberdade. E como devem rir-se de nós, dessa nossa grande acomodação predestinada à que Roterdam também chama de loucura! A loucura da loucura real!

"E esse caminho que eu mesmo escolhi, é tão fácil seguir, por não ter onde ir...", já disse um louco livre que deixou milhos na estrada - estrada que aparece a cada momento - para outros corajosos. A loucura é uma benção. Pensei outro dia: é a solução dos que têm ímpeto suicída. Se você pensar em se matar, fique louco antes! E me caiu no colo da memória essa canción do Raul. Já tinha escutado mil vezes, mas porque ando mais em paz com a loucura, escutei outra música. E essa nova compreensão denunciou em mim o quanto covarde eu sou, um covarde diante da vida. Mas tudo vai mudando, mudando, mudando.

ATESTO: sou um incompetente, ainda não consigo passar no vestibular da loucura...

La décadanse



É evidente que não sei o que é melhor para nós. Nunca pretendi saber. Vou vivendo e sentindo as coisas à minha volta na medida em que elas se apresentam. Não sigo roteiros porque a única graça da vida está na improvisação constante. Não há o que temer. A única coisa realmente assustadora deste mundo é saber exatamente como será o dia de amanhã.
De um autor fantasma

terça-feira, 11 de maio de 2010

Vômitos da razão: um prelúdio



Apoiou na mesa o cotovelo,
e os dedos ao lado da testa.
Mesclou tanto a razão - como em novelo -
que engasgou-se com a lógica indigesta.



PFF

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Em definitiva

Dores da loucura, um outro parto



Antes de louco ser
uma dor aguda vais sentir.
É que estás de novo a nascer,
E esse choro, se acalmará no teu porvir.

PFF

Sorrisos




Acho que já ganhei vários tipos de presente, mas nunca tinha recebido uma poesia. É uma felicidade imensa, ainda mais com tantos carinhos assim. Obrigado Michele, muito doce!


Paulito querido, preciso dizer
Eu fico boba quando leio você
Não é paparico, nem exagero
O que eu digo é verdadeiro

Você tem um dom, pode acreditar
Continue escrevendo, não deves parar
Sempre que eu o leio, fico a pensar
Feliz daquela que o Paulo amar

Nem todo homem sabe escrever
Nem o que sente, sabe dizer
Por isso querido, és singular
Que nem você, é difícil encontrar

Homem, menino, tens uma luz
És um poeta, tua escrita seduz
Então meu amigo, pra terminar
Vou repetir, não deves parar

domingo, 9 de maio de 2010

Quando a moral estupra a paciência


PELA TIPIFICAÇÃO DO AUTOESTUPRO


Sabe-se que o estupro é dos crimes mais condenados pela moralidade. Não tem estuprador que escape ileso da guilhotina da lei – que arranca simbolicamente a sua cabecinha (sim, aquela!) – e dos cabos de vassoura e demais acessórios naturais quando pisa no xadrez. Por ser uma cólera do comportamento humano, o estupro é mal visto por todos que se consideram amigos da sanidade. E o é, em grande parte, pela violência que é a não correspondência entre a vontade do estuprador e da vítima. O estuprador quer, a vítima não quer. Mas o estuprador, que sempre é mais forte e corpulento, impõe à vítima sua vontade. Faz da unilateralidade um consenso forçado. A vítima, então, acaba agindo contra sua vontade. Dando aquilo que nem emprestar queria, em resumo. Até aqui todo mundo já sabia.

Porém, o que ocorre seguidamente, são os auto(?-?)estupros (não lembro como ficou essa porcaria de hífen com a ortografia nova). - Autoestupros? Sim, auto-!!-estupros! Os auto%*estupros, diferentemente do estupro mais ortodoxo, por assim dizer, são fenômenos complexos e provavelmente históricos na civilização, mas que só agora tem espaço dentro da democracia sexual para poder fazer parte do (anti)discurso liberal. Os auto$+estupros são mais condenáveis que os estupros uma vez que estupram duplamente: quem quer “estuprar” acaba sendo estuprado e quem também quer ser “estuprada”, acaba não sendo. Explico. Manter-se-á aqui uma hipotética relação heterossexual para facilitar a compreensão do caso, consciente que os estupradores tem preferência sexual difusa.

Como manda o script da felicidade enlatada de uma noite, o menino dá uns beijos na menina, tomam um cachaçinha qualquer além do 0,6 mililitro por alguma coisa de sangue como diz a lei, e acabam na cama (em geral de motel barato ou na casa do menino que é mais barato ainda). O menino, domesticado que foi, quer (às vezes bebe bem além do 0,6 para se convencer de que quer mesmo...). A menina, domesticada para não querer, quer! E como quer! É a lógica inconsciente de que o que é proibido tem mais tempero e mais açúcar... Além disso, sabe-se desde as cavernas que a mulher é do contra...! Independente das razões da cada um, ambos querem. A menina bêbada e com os sentidos corporais aguçados, então, literalmente baba. E baba por todos os lados, porque enquanto o menino bebe para recuperar a masculinidade assustada, a menina bebe justamente para vencer a domesticação que a condiciona. Mas aí a tirania da moralidade e da pressuposição do julgamento alheio lança seu veneno (na primeira vez, nem falar, diz o código da boa menina). A menina, ainda que de pileque, quer, mas não dá (nem empresta, nem porra nenhuma). Ela baba por todos os lados, deseja o menininho do menino mais que tudo, mas mantém em pé o muro da moralidade (e também o menininho do menino), que é, para o pobre menino, um verdadeiro muro das lamentações. É nesse exato momento que o auto-estupro se dá. E ela nem é mais forte nem mais corpulenta! A menina se estupra internamente porque sua vontade e sua ação não encontram correspondência. E estupra o menino e o menininho, que queriam, mas que vão ficar no prelo, sob o efeito imediato de uma molenguidão corporal e psíquica de dar dó. Estuprar é um desencontro de vontades. O autoestupro é um desencontro duplo de vontades, em algumas teorias que ainda não existem também é chamado de estupro às avessas. O auto---estupro devia constar no Código Penal com agravante de pena em relação ao estupro, uma vez que é cometido duplamente. Pode ser uma qualificadora também, eu nunca entendi direito essas coisas de Direito Penal...O crime de autoestupro sequer consta, todavia. Nem se sabe de projeto de lei tramitando para incluí-lo. Pensando bem, talvez o estuprador da história não seja a menina, mas a moral...

A moral estupra muito gente por aí, todos os dias, em todos os lugares...e ninguém nunca viu ela ser julgada, condenada, encarcerada.... e nem assediada por algum cabo de vassoura...

sábado, 8 de maio de 2010

Soneto de anistia à Loucura



SONETO DE ANISTIA À LOUCURA
Para Luis Alberto Warat

Com teus pares não discuta
Se não te podem compreender
Vê a vida, e dela disfruta
E deixa eles com seu grande (a)parecer.

O cotidiano é uma conformação
Escraviza uma maneira de pensar
Faz tu ruína entre sim e não
E outros continentes vais encontrar.

O louco se mostra, é a todos um espanto.
Mas pobre é o tolo e sua fissura,
que morre no charco raso do próprio pranto.

Na vida, tudo é lonjura
E sentindo... se sente tanto...
Santo espanto: a lucidez é da loucura!


PFF

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Magia e surrealismo

A amiga Ana Sefrin é uma indicadora por excelência. Sempre indica livros, filmes e coisas bacaníssimas. A foto do post abaixo, inclusive, é furto do orkut dela. Ela mandou esse vídeo que mistura o surrealismo (a)temporal do Dalí e a magia dos traços de Walt Disney. É espetacular e cheio de simbolismo. Beijão Ana!

O ser humano inventou o amor porque não sabe o que fazer com o espelho


Muitos me dizem o mesmo. O mesmo escuto nas esquinas, nos bares, nas repartições. Quem se sente à vontade e abre as cancelas da alma...promove o chororô pós-moderno!

Sempre que se vão embora as máscaras que escondem a pele lisa da verdadeira autenticidade, uma criança desacostumada com o mundo lacrimeja. Chora. Pensa que o mundo é muito cansativo. São tantas coisas que se devem fazer. É ter que ser tanta coisa. Viver é um saco, literalmente. Somos um saco vazio de coisas nossas querendo encher o mesmo saco com quinquilharias que nos dizem que devem estar no saco... é muito óbvio ou eu ando ficando cego, louco, surdo, mudo? Digam-me, por favor! E, nostalgicamente, roga-se pela mãe. A velha mamãe a acocorar as dores dos dentes que furam a gengiva, a que conforta a boca com leite morno e nutritivo. A mãe já era meus amigos (em relação ao leite morno um microondas ajuda barbaridade), e ainda vamos ter que cuidar dela e dos filhos no futuro (depois que aprendermos a engolir o choro, se bem que eu não sei se tem que engolir mesmo...). Por essas e outras que a psicologia é a ciência e a profissão do futuro. O seu Freud acertou em muitas partes, era um tadinho como nós, os habitantes do mundo adulto, em que tudo reina linear e lindo nos ares públicos e bêbado e angustiante nos espaços privados (sabe aquela angústia do chuveiro e da privada, essa mesmo!).

O ser humano inventou o amor porque não sabe o que fazer com o espelho. Tem um medo danado de ser autosuficiente. Como disse o Fernando Pessoa, não entendeu o ser humano que para se ver é preciso estar em reverência a si mesmo, quando antes só podíamos nos ver nas águas dos riachos, ajoelhados sobre nós mesmos... Muitas máscaras eu vejo por ai, nas esquinas, nos bares, nas repartições. Faz tempo que sabemos que é tudo um teatro e que tudo vale quase nada. Essa tem sido uma regrinha última para os meus botões: se é o desejo do senso comum, não siga! Melhor que nem todos saibam disso, sob pena de esquizofrenia generalizada (mais um ponto para a classe dos médicos da alma). Parece que ninguém mais sabe ser! As vitrines ambulantes seguem a trotar pelas cidades cheias de vitrines... será que o pessoal que não vive na terra pára - como as senhoras nos shoppings - ao redor dos anéis imaginários do nosso planeta para especular sobre os produtos que vendemos aqui?

A vida contemporânea é uma menininha de vinte anos com silicone e chapinha no cabelo: uma bela princesa pública a pisar os espinhos lancinantes da vida nos seus rançosos espaços privados. Uma desalegre (infeliz é pesado demais) que esconde, atrás da pseudo rigidez da carcaça extonteante que lança ao público, uma gelatina mole e frouxa, uma poeirinha pueril da própria existência. Uma incapacidade de viver sem bengalas, de saber quem e o quê é. É uma criançinha que chora baixinho e sem derramar lágrimas, saudosa da última mamada.


quinta-feira, 6 de maio de 2010

A costureira das palavras


Se eu não tenho pressa?
Não: eu tenho urgência!
Urgência de sentir na pele o existencial questionado,
a doce essência no paladar já seco,
o cheiro colorido de tudo que conheço.
Não tenho pressa: tenho fome emergencial
Tenho uma sede de suprimir meu fôlego
Uma angústia de querer o que é eterno
Uma ânsia de pertencer ao que é terno - e nele me aconchegar.
Tudo que padeço, tudo que (des)faleço
Cumpre a função de me tornar nova ao que eu direi que é o começo
Transformo-me, transmuto-me e digo:
quero viver o que lateja em meu peito.
Quero dilascerar o que preciso aqui dentro,
com saga,
com aperto,
com afinco,
erros e acertos.
É o caminho em que posso me perder, sem medo
Já que é o traçado planejado aqui dentro
e confirmado pela razão no mesmo momento.
Urgência de sugar,
Emergência de libertar.
Urro de colorir e de perfumar.
Loucura em tocar.
Agora!
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Extraído do blog da Grazi - Genealogia do Caos

A hora de mandar os outros à merda



ENTREFÓRMULASPERSONALÍSSIMAS

Tentam predizer teu destino
com conselhos que são pura ladainha.
Santa ingenuidade de menino!
Só tu sabes tua vida, ela todinha.


PFF

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Contos Imediatos XX



HISTÓRIA CONTINUADA

Quando jogou-se sobre o nada a purpurina mágica da ciência e da religião, toda a existência foi criada. Um professor de gramática, encucado que era, questionou a impessoalidade no dia em que brotaram os existires. Debatendo-se sem resolver a questão, encaminhou o caso para um filósofo. Depois de indagar os mais longínquos conhecimentos, em parecer, o filósofo ponderou que a impessoalidade não era exatamente uma inexistência, mas a neutralidade do sujeito atirador do pó mágico da criação. Restando ainda lacunosa a história da criação da existência, uma comissão conduziu o perrengue às montanhas, onde, perto das nuvens, vivia o eremita. Com um silêncio protocolar, nada disse o eremita aos comissários. Afastou-se daqueles engravatados e, na varanda, diante do horizonte solar que se punha, sussurrou fugidio ao estagiário que acompanhava a comissão: todos os nascimentos são uma eternidade.


PFF

Mario Quintana por ele mesmo - fantástico!

Nasci em Alegrete, em 30 de julho de 1906. Creio que foi a principal coisa que me aconteceu. E agora pedem-me que fale sobre mim mesmo. Bem! Eu sempre achei que toda confissão não transfigurada pela arte é indecente. Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão. Ah! mas o que querem são detalhes, cruezas, fofocas... Aí vai! Estou com 78 anos, mas sem idade. Idades só há duas: ou se está vivo ou morto. Neste último caso é idade demais, pois foi-nos prometida a Eternidade.

Nasci no rigor do inverno, temperatura: 1grau; e ainda por cima prematuramente, o que me deixava meio complexado, pois achava que não estava pronto. Até que um dia descobri que alguém tão completo como Winston Churchill nascera prematuro - o mesmo tendo acontecido a sir Isaac Newton! Excusez du peu... Prefiro citar a opinião dos outros sobre mim. Dizem que sou modesto. Pelo contrário, sou tão orgulhoso que acho que nunca escrevi algo à minha altura. Porque poesia é insatisfação, um anseio de auto-superação. Um poeta satisfeito não satisfaz. Dizem que sou tímido. Nada disso! sou é caladão, introspectivo. Não sei porque sujeitam os introvertidos a tratamentos. Só por não poderem ser chatos como os outros?

Exatamente por execrar a chatice, a longuidão, é que eu adoro a síntese. Outro elemento da poesia é a busca da forma (não da fôrma), a dosagem das palavras. Talvez concorra para esse meu cuidado o fato de ter sido prático de farmácia durante cinco anos. Note-se que é o mesmo caso de Carlos Drummond de Andrade, de Alberto de Oliveira, de Erico Verissimo - que bem sabem (ou souberam) o que é a luta amorosa com as palavras.

(Texto escrito pelo poeta para a revista IstoÉ de 14/11/1984)

terça-feira, 4 de maio de 2010

endeusar o Acredito


A quadra dos crentes


Para sentir Deus,
nos dizem para acreditar.
Mas eu prefiro pensar,
que Acreditar é que é o deus.


PFF

segunda-feira, 3 de maio de 2010

A nudez e a morte

As melhores ideias,

porque são sempre as mais diferentes,

acabam escondidas.

Poucos tem coragem de desnudá-las de forma íntegra:

santo risco de desnudar-se também totalmente.

Por isso que os melhores escritos

ficam melhores ainda depois que morrem.

A morte não tem vergonha de dizer.



PFF

paragem, poesia, porto alegre


No fim tu hás de ver
que as coisas mais leves
são as únicas que o vento
não consegue levar:
um estribilho antigo
um carinho no momento preciso
o folhear de um livro de poemas
o cheiro que tinha um dia o próprio vento...

Mario Quintana
(Foto da foto na Casa de Cultura Mario Quintana em Porto Alegre)