sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

masturbando o amor...





Masturbar o amor é o melhor jeito de fazer com que ele goze na nossa cara!

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

MÍNIMAS - 9


Harmonia, pedia um mendigo no metrô


ELOGIO AO DETALHE: Ser contemporâneo é ter intimidade com o detalhe. É uma inteligência que, no braço de um violão, cria acordes que formam uma música calma de se ouvir na sombra de uma rede, calma e toda detalhada. Como um flamenco que se escuta sentado, tomando um vinho. 

*

A verdade, por ser o primeiro passo no ar de um pé que acaba de deixar a superfície, é impossível à vida. A verdade é apenas um "estar morrendo" qualquer, é um clic de uma catraca no meio exato entre duas coisas diferentes e imemoráveis entre si.

*

Por paradoxal que possa parecer, o homem-aranha é uma fantasia do imaginário coletivo para demonstrar a força destruidora do feminino. A mulher é a aranha-moira de uma grande teia, que desenha traços de armadilha nos ares da floresta escura chamada vida. Durante o dia e para todos, as vistas são o escudo contra a escravidão e morte na teia. Mas durante a noite, a morte e a vida ocupam o mesmo lugar... e estão sempre prestes a acontecer. 

*

Se um corpo desatento ou sem fortuna encontra a teia, tem sempre sua força de resistência testada. Precisa juntar todas as maiores forças para livrar-se da confusão da trama que se mistura com as pernas paralisadas,  precisa esperar que a anestesia da possibilidade de seguir caminho passe. A liberdade perdida no instante requer a energia necessária...mas não para sair da teia, senão para mostrar à grande aranha que pode sair. Quanto a este aprendiz que acaba na teia: ou acaba preguiçosamente permitindo o corte frio da foice da morte ou começa a desfazer o nosado a tempo, com a astúcia devida para desarmar uma bomba-relógio.

*

CONTINUAÇÃO CONTEMPORÂNEA DO COMPLEXO DE ÉDIPO: São as mães que nos matam de não estarmos vivos.

*

Todos os paus são pequenos. Um pau duro é uma antena que tenta captar algum sentido no universo inexplicável e no mistério do universo de um útero.

domingo, 22 de janeiro de 2012

AMANHÃ




Assoprei um pedaço de laranja,
como para esfriá-lo,
igual se faz com uma colher de sopa quente.
Mas era uma laranja temperatura ambiente...
Então comi, mastigando e pensando na loucura,
esse estado que se alcança com sorte, trabalho e força de vontade.
Depois de torturar o gomo com os dentes,
numa inquisição alimentar, traguei o pedaço.
E pude sentir ele descendo morto pelo meio do meu peito até meu inferno estomacal.
O estômago é o inferno das comidas.
Quando me coloco no lugar das comidas, sinto pena delas.
As coisas que andam plácidas e conscientes em direção à própria morte têm minha pena.
É que resisto,
não me entrego mesmo com agulhas enfiadas embaixo das unhas.
Seguro um muro que é vorazmente atacado por bichos loucos de raiva.
Sustento,
junto com os últimos soldados famintos
e loucos
e suicidas
e também os indiferentes,
um outro muro em ruínas,
que faz uma sombra curta num deserto sem nome.
A sombra dá pra metade de um corpo:
num dia é preciso queimar a pele das pernas,
no outro, o peito e os braços e a cabeça.
A dor de queimar uma pele já queimada é lancinante...
mas só até que não se sinta mais nada.

A laranja morrerá amanhã numa descarga,
junto com todos nossos pequenos pedaços e dizeres invisíveis.
Amanhã, logo amanhã.
E os refúgios também morrerão com os dicionários.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

MÍNIMAS - 8





É preciso decretar a inaptidão dos sentimentos ante os devires da vida. Sentir é um equilibrar-se incessante, é correr cansado atrás das mil faces de tudo. Sentir é um copo que, no ar, ainda não se espatifou no chão. Sentir é o trono da incerteza, é o amargo deste tipo de vitória humana a que chamamos "amor".

***

As ficções não existem, são manobras contra a falta de memória.

***

Um homem passa a se sentir um homem quando consegue se identificar com o próprio pai. Quando somos pequenos, queremos ser tão grandes quanto. Quando somos fracos, queremos ter a mesma força. Quando somos frágeis, queremos ser resistentes com a mesma indiferença a todas as dores e frios e chuvas. Enquanto somos alimentados, sonhamos com poder alimentar. Enquanto sentimos que a vida é maior das angústias, desejamos a serenidade de contemplar a vida da varanda calma da velhice. É desse jeito que passamos a vida a tentar alcançar este pai, imaginário ou não, que, de um jeito ou de outro, sempre vai à frente, imortal que é. 

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

O BISPO E A TORRE







Um mês sem sexo.
Ela vinha pela orla,
puxada pelo cachorro enorme que se fazia de cachorro pra ficar perto dela.
O cachorro era forte, desses grandes,
grandes e espertos.
Com uns solavancos de coleira,
gerava nela uns trancos de corpo,
e com eles uma dança naqueles peitos que eram um artifício da medicina para que o número de estupros aumentasse.
Usava um tênis de fazer caminhada na praia com um cachorro.
Um short curto, desses que deixam o fim do mundo mais distante e comprido.
Uma mini-blusa vermelha, essa cor mestra de todos os pecados do mundo humano.
Usava também uma cintura fina por fora e fértil por dentro.
Comentamos:
- Bah, gostosa.
Depois avancei duas casas com o bispo, de um modo a ameaçar a torre preta.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

1o CAFÉ FILOSÓFICO NA PRAIA - A jornada do homem contemporâneo


De conversas esparsas, tonturas existenciais (um jeito bonito de se referir a porres homéricos) e uma ideia inicialmente pouco pujante, nasceu o Café Filosófico na Praia.

Desde que vim viver do mar, percebi que poucos eram os lugares de Balneário Camboriú/SC para exercitar e compartilhar o devaneio. O devaneador é, na maioria das vezes, um solitário. Devaneia não porque gosta ou porque sinta apreço pela confabulação, mas porque não pode fugir da tirania do devaneio.

Mas os devaneadores também amam. E o amor, quando aparece, sempre pede companhia. Quando o amor aparece em forma de flashes esparsos, o devaneador hesita e duvida da saúde da própria solitude, fazendo dela, solidão. Se a solitude é um pote de mel, a solidão é um ácido de bateria na carne que sente.

Contra a solidão não bastam poesias, músicas do Chico Buarque, nem vinhos de bom gosto. Quando chega a solidão do devaneador é preciso compartilhar. Os amores grandes são sempre solidões partilhadas. Silêncios divididos ao meio. Ausências que andam de mãos dadas. Charlas econômicas que se complementam. Contemplações que miram, do mesmo mirante, a mesma paisagem.

É para dividir a solidão do devaneio que criei, com mais dois amigos, o Café Filosófico na Praia, que bem poderia se chamar Espaço do Devaneio. Em Balneário Camboriú a divisão do espaço público se dá ou com ecstasy (nas festas de música eletrônica) ou com fé cega (nas igrejas de todos os tipos e raças e bandidos) ou com à ode a beleza da praia (na democrática(?) "faixa de areia", que nega e julga os brancos, os gordos e as mulheres com a bunda mole).

São raríssimos os espaços de devaneio no litoral com o sol e a pujança do mar, com pinga pra encharcar as ideias, com ideias que superem a grande filosofia "telófica" do "ai se eu te pego..."... 

É para compartilhar solitudes, para fazer da divergência uma rainha do amor e para aprender, que queremos dividir o espaço de devaneio no 1o Café Filosófico na Praia que terá como tema nesta primeira edição A jornada do homem contemporâneo, com palestras do carioca Renato Kress e do filósofo Wellington Amorim Lima, música de qualidade, animais do mar fritos como comida, cerveja gelada, caipira pra melhorar o QI, vista pro mar, amor rabugento, poesias e teatro.

Então, saia da superfície e se aprofunde conosco:

Data: 21 de janeiro de 2012
Horário: 17 horas
Local: Pousada Raiz Brasileira na Praia Brava/SC - Rua Carola Coelho, n. 57 (na beira-mar)

Programação
17:00 - Banda Diogo e Trio (violão, sax e cajón)
18:00 - Palestras
19:00 - Debate com o público
20:00 - Teatro arquetípico
21:00 - Balada Filosófica anos 70, 80 e 90.


>>>  ENTRADA FRANCA <<<


PATROCINADORES

Faculdade Avantis
Procave
Livraria Nobel
Pousada Raiz Brasileira
Clínica Equilíbrio
Fundação Cultural de Balneário Camboriú
Cinerama BC
Grupo de Estudos Interdisciplinares em Ciências Humanas, Contingência e Técnica -UFMA

sábado, 7 de janeiro de 2012

HISTÓRIA DA SEDUÇÃO DESMEDIDA



A Beira do Pantanal
Foi lá na beira do Pantanal
Seu corpo tão belo enterrei
Foi lá que eu matei minha amada
Sua voz na lembrança eu guardei:
"Por que, meu querido
Por que, meu amor
Cravaste em mim teu punhal?
Meu peito tão jovem sangrando assim
Por que esse golpe mortal?"

Assassinei quem amava
Num gesto sagrado de amor
O sangue que dela jorrava
A sede da terra acalmou
E lá onde jaz o seu corpo
Cresceu junto com o capim
Seus lindos cabelos negros que eu
Regava como um jardim

A lei dos homens me condenou:
Perpétua será tua prisão
Porque foi eu mesmo quem calou
Com aço aquele coração

E eu preso aqui nessa cela
Deixando minha vida passar
Ainda escuto a voz dela
No vento que vem perguntar:
"Por que, meu querido
Por que, meu amor
Cravaste em mim teu punhal?
Meu peito tão jovem sangrando assim
Por que esse golpe mortal?
Cravaste em mim teu punhal
Por que esse golpe mortal?

Raul Seixas

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

NOITE






Saio e contemplo a noite.
Como um lobo calmo e lento e invisível.
Dou vistas aos mal amados.
Jogo cartas com os bêbados.
Na esquina um cachorro coça o pêlo sob meu olhar de resignação.
Uma gorda rói as unhas por carências que não posso resolver.
Abraço os carentes de loucura à porta do manicômio.


Com os inconscientes, utilizo ainda mais inconsciência.
Aos que fogem, deixo que sigam em disparada.
Os que dormem num canto, atirados, esses têm meu apreço.
Aos que tomaram um pé na bunda, desejo que sofram até a morte.
A noite é a amante de um casamento com a solidão.



Vou amiúde,
cortando essas pestes que se espalham no pátio de uma casa esquecida.
Vou amiúde e lentamente,
até encontrar os que, 
embaixo de um teto, não têm uma casa.

Eu sento, sinto, penso, cito, pisco... tomo um gole.
Encharco as ideias sedentas - lombrigas de merda!
Me paro, me julgo, me analiso, me condeno...até que a morte me separe...
Estico as pernas, o sangue se espicha.
Escuto, enxergo, percebo, estou vivo... talvez eu recorde.
Acerca-se um qualquer, um nenhum.
Sinto com ele já que não há o que possa haver em outro lugar.
Sentir é um lar de irmãos.
Os caminhantes da noite se entrecruzam,
andam em círculos como zumbis.
Os do dia não deixam por mais.

Sinto-junto-com-o-que-sofre
talvez para roubar-lhe o sofrimento.
Sofro junto até não querer mais estar sofrendo.
E só não explodo porque sou um lobo já velho e respirante.

Compartilho um copo com a habitante.
Peço que a noite me tome em grandes goles.
Brindo com os fracassados a última vitória de uma rinha de galos.
Amanhã comeremos carne, 
já que só nos alimentamos com a ajuda dos dentes...

Tomo um gole.
Durmo.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

BOAS FÉRIAS






Na carona das férias não tem cerveja.
Não tem sexo,
não tem nem sequer uma punheta.
No banco de trás,
todo peido será condenado.
No da frente também.

Na viagem de férias,
você poderá morrer a qualquer momento.
É perigoso achar que os que morrem são sempre os outros.
A qualquer hora alguém poderá vomitar em cima de você –
e os vômitos tem cheiros horríveis.

Ler causa um reboliço,
uma vontade conjunta de peidar, suar, vomitar e se projetar pra fora do corpo,
como se todo o corpo fosse uma bolha de ar e água prestes a explodir.
Pior quando existem cachorrinhos no banco de trás que vão peidando sem parar.
A verdade é que, 
lá pelas tantas, 
todos peidam com o mesmo fedor,
como as mulheres que menstruam ao mesmo tempo numa repartição.

Na mais democrática das hipóteses,
na metade do tempo,
você terá que escutar música escolhida por outra pessoa,
o que torna a chance de que seja um sertanejo muito grande,
considerando os dias de hoje.

Haverão as conversas sobre o tempo.
As paradas pra mijar.
Outras conversas que não chegarão em nenhum lugar e que vieram de lugar nenhum.
Piadas conhecidas sobre as placas de caminhão e
sobre as putas desgraçadas do asfalto.
Meditações de como aquelas casas rurais vivem tão singelamente mais felizes que nós,
que passamos correndo por elas em busca de algum alívio que nunca nos aliviará sem que seja mentira.
Ainda assim, faltarão muitos quilômetros.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

POEMAS POUCO ERÓTICOS DE VERÃO ou O POEMA DE LARS VON




Não deixe de assistir este filme...



Dizem que o diabo se esconde nas mulheres.
Eu acredito.
No futuro,
teremos coragem de ser machistas apenas no meio de uma bebedeira.
As mulheres,
de um jeito ou de outro,
são as responsáveis pela nossa vida e nossa morte.
Estamos rendidos,
com a benção de uma gaita de boca feminina.
Elas tem a chave que abre a porta entre dois mundos.
São lindas balseiras no rio da liberdade.
Sãs e salvadoras.
Eu, em nome de todos os homens,
declaro que baixamos as armas,
que nos entregamos por escravos,
que estamos rendidos.
No final,
sempre vence o mal.


terça-feira, 3 de janeiro de 2012

DIABICES INFANTIS







Voltei a lamber tuas voltas,
enquanto tu acompanhavas

a miséria das minhas mãos trêmulas e suadas e nervosas e incertas sobre tua pele.
Minha petição era por morrer afogado de novo
na tua buceta úmida e cálida e venenosa.


Logo tua bunda voltaria a estar contraída e contariada contra o colchão,

expondo celulites que não julgam-se como tais durante um orgasmo.

Teu gozo sempre foi uma raiva expulsa,
uma angústia que deixava de ser câncer pela benção do êxtase do prazer do corpo.


Estaria eu de novo perto do teu ouvido passivo,
que esperava minha poesia de pernas abertas mas evitava meu pau de pernas fechadas.

Meu conduto poético vive na cabeça do pau,
que desabrigado, passa fome, fenece, esmorece moribundo.

Morre-se tudo: o amor, a amizade, o desejo, a poesia, potenciais orgasmos.
O talho é a haste dos óculos para quem pretende ver com lentes que façam ver de verdade. 


Mas volto-me pensando que tua boca -
não só ela senão também a língua,

fazia o pensamento em mim parar.
E já não sei se a poesia é por muito pensar,

ou porque, nas pequenas mortes, 
com o pensamento estacionado,
vou a uma grande despensa com enlatados poéticos nas prateleiras.

Ainda estávamos à flor da pele,

Resumidos a um beijo de sexos úmidos:
Tu, uma avalanche. Eu, gotejando.

A buceta que teus olhos viam pelo espelho,
era estranhamente minha porque chegava em mim como imaginura
 – e o cheiro como lembrança pornográfica.

Tua masturbação era a minha:
um jeito de continuar a paixão, a doença e o delírio.

Tudo que se relaciona precisa dessas 3 doses para ser eterno.
Nas feridas de cada um, estávamos estranhamente absolvidos e condenados,
livres e amarrados, respirando  o ar da vida à beira da morte.
Enquanto tua buceta continuava madura.
Meu pensamento ia madurando.

Um corpo maduro, saco de ossos se torna.
O pensamento, maduro se torna.

 Tu foste já minha alma e minha lama...
agora sobraram essas nuvens insossas.
Tua diabrura maligna se fez um chiclete vagabundo que rápido perde o doce.
Conceitos novíssimos talvez nos esperem,
para que tua sombra possa ainda me assustar.
Porque tenho saudade,
quero de novo o pesadelo devorando meus sonhos.

domingo, 1 de janeiro de 2012

MÍNIMAS - 7





CIENTIFICISMO ÀS AVESSAS: Pesquisas afirmam que a maioria das mulheres são lésbicas no que se refere à pornografia...donde se conclui que toda pesquisa é uma grande mentira formada por pequenas verdade.

*
A melhor garrafa de vinho é a que permanece fechada pela urgência dos amantes.

*
UM AMOR QUE TRANSCENDEU DIZ: foste minha alma e minha lama... e só hoje nos fora permitido as nuvens. Eis uma experiência de totalidade estando vivo.

*
Os desejos subterrâneos de uma mulher merecem a calma de uma garoa que se arrasta ao longo dos dias e  que encharca, aos poucos, as entranhas longinquas do chão, até que toda a terra, amolecida por completo, caia sobre os vilarejos, devastando casas e dizimando almas.

ADULTOS NO ÚTERO DA HISTÓRIA

Na casa da paz, reina, além da paz, uma nudez despreocupada, um silêncio benigno, a calma das ruas marginais. Na casa da paz existe uma rede com tramas tradicionais, que se deixa ser tocada pelo vento sem sentir frio ou desagrado... Estando morta, a rede consegue ser mais forte do que eu que, supostamente, estou vivo, o quê, por si só, me desassossega.
Na casa da paz existe a potência da música, que dorme em cada instrumento não tocado – esse tão belo casamento entre homem e instrumento (se os casamentos fossem assim, uma conciliação entre o silêncio e a música, poderiam dar certo...) 
Para instalar a paz, como faz um técnico que instala uma antena de TV a cabo que multiplica os canais, é necessário abrir as gaiolas e deixar que os pássaros engaiolados voem para onde quiserem voar, isso se for caso de gaiola ainda não vazia.  
Com a liberdade dos pássaros, as gaiolas são inúteis, são adereços... Como espelho da natureza como faziam os antigos, cogito que ainda não sabemos separar o que é necessidade e o que é adereço com a liberdade que a história nos concedeu. É esse o cálculo a ser feito depois da conquista desse sentimento a que damos o nome de liberdade... Viver é perceber a vida como um amontoado de adereços decorativos que escondem coisas com as quais não sabemos viver sem... Do ponto de vista quantitativo, para cada um, há uma quantidade de necessidades - quanto menor elas forem, mais próximo do grande sono se está. Afinal, desde que se saiba que o grande objetivo da vida é morrer, não haverá mais qualquer sintoma da grande ignorância, desse som infra ou ultra que chega a tão poucas consciências sonares.  
A paz existe nos orgasmos de amor e de intimidade, na recuperação do fôlego que o excesso de participação na vida nos tira. É nesse sentido que o sedentarismo é um exercício poético: quanto mais plácido o corpo, mais rapidamente se perde o ar. Todos vivem de querer perder o ar, e é por esse desejo catastrófico de perder o fôlego que se instalam no homem todas as chagas do espírito. É esse desejo nirvânico, de tocar com os dedos o rosto de Deus e de descortinar a verdade por inteiro, que há que se decretar a falência de uma era. No cume das altas montanhas existe um baú com a inscrição “A HUMILDADE DAQUI PARA DIANTE...”. Dentro dele está, num frasco muito pequeno, a única gota que é necessária para que a vida se mantenha dentro de cada caminho de cada caixeiro viajante do novo destino. Parece zombeteiro? Em breve não parecerá...
A casa da paz abre as portas, para um mundo reinventado, com olhares sem medo, com uma injeção que pinga honestidade pela agulha, ávida para fazer matar e fazer viver, tingindo de verdade a verdade de cada um. O sol queimará toda pele fraca que não souber que a sombra é seu lugar. As teorias serão parciais, localizadas, regionais. Haverá uma outra metafísica, já que as matérias da metafísica serão experiências ligadas à carne, aos olhos, aos sentidos. Haverá calma ao dormir e interesses grandiosos ao despertar. Haverão ainda outros e novos caminhos para o devaneio. As casas serão, em todas as partes, igrejas.