domingo, 31 de janeiro de 2010

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Poema da Necessidade



É preciso casar João,
é preciso suportar Antônio,
é preciso odiar Melquíades,
é preciso substituir nós todos.

É preciso salvar o país,
é preciso crer em Deus
é preciso pagar as dívidas
é preciso comprar um rádio,
é preciso esquecer fulana.

É preciso estudar volapuque,
é preciso estar sempre bêbado,
é preciso ler Baudelaire,
é preciso colher as flores
de que rezam velhos autores.

É preciso viver com os homens,
é preciso não assassiná-los,
é preciso ter mãos pálidas
e anunciar o fim do mundo.


Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Contos Imediatos III


FÔLEGO

Muito antes do descobrimento, o Brasil já existia. Os indígenas da aldeia Ciporó, situada onde hoje está plantado o estado do Mato Grosso, além dos já sabidos sadios costumes de desapego às coisas que não pudessem encher a barriga ou curar as enfermidades; também cultuavam uma deusa. Aos indígenas lhes era reto que o espírito se mantivesse em equilíbrio. Plenamente são. E cultuar a deusa, nos ritos semanais com dança e uma tinta que lembra a guache de hoje, era a forma que tinham de frear as neuroses e controlar as loucuras. Mantinham, internamente, um pacto de entrega e devoção à deusa.

Um indiozinho da tribo, porque ainda não tinha bem formado seu aparelho de consciência e também porque ia desvelando o mundo aos poucos, pouco sabia os porquês de estar no mundo e o que devia fazer com seu corpo e sua alma. Sem entender o que eram os sonhos, sonhava repetidamente com a deusa. Pela reprimenda à sexualidade, a ninguém contava o indiozinho os sonhos desejosos que tinha com a deusa, e todas as formas dela que sua fantasia onírica desenhava. Uma certa noite, depois do culto semanal à deusa dos seus sonhos, levantou de assalto do retiro de palha que lhe escorava o corpo e a alma. Levantou. Saiu da tenda armada. E quando olhou para trás, estava sua deusa, imensa, tinha a altura de uma onda de sessenta andares. Era como a via nos sonhos, com exceção do tamanho altaneiro. Era, deveras, imensa. O indiozinho fitou-a, amedrontado. Mal podia ver os olhos da deusa que se confundiam com as estrelas do céu. Num repente, a deusa bradou e caiu de joelhos na terra. Fazendo tremer até os ctônios da terra. Ficou ajoelhada por uns poucos instantes. E o indiozinho pode sentir o bafo úmido e quente que soprava de sua fenda. Percebendo que a deusa começava a desabar sobre a terra, o indiozinho correu. Sem olhar para trás. Escutava que, lentamente, o corpo pesado da deusa que caia no chão, ia devastando toda a aldeia e a floresta. Ia dizimando tudo que fosse vivo. Ela era imensa. O indiozinho correu, sem olhar para trás.
E quando o barulho das árvores quebrando e os gritos de todos os índios cessou, continuou correndo. E está correndo até hoje. Sem cansar. Também nunca mais dormiu, e nunca mais voltou a sonhar com a deusa.
PFF

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Essa diarréia fedorenta que é o mundo


O mundo inteiro é um saco de merda se rasgando.
Não posso salvá-lo.




Charles Bukowski

sábado, 23 de janeiro de 2010

Metades pessoanas



Tudo o que faço ou medito
Fica sempre na metade.
Querendo, quero o infinito.
Fazendo, nada é verdade.


Fernando Pessoa

Contos Imediatos II




OS TIJOLOS REBENQUE


A olaria dos irmãos Rebenque em uma cidadezinha de Goiás, era uma referência no ramo. Os tijolos Rebenque eram tidos por melhores e mais duros até onde as fronteiras da notícia se espalhasse naquele Estado e também nos cercanos. Aproveitando a brecha da investida de Juscelino para a construção da nova capital do Brasil em meados do século XX, o então pioneiro e sócio fundador Sr. Adelino Rebenque, impulsionado pela perspectiva de lucro fácil e se valendo do já consolidado nome da empresa que carregava seu sobrenome, sentiu que poderia acumular riqueza para as gerações que carregariam o seu sobrenome na carteira de identidade. Sr. Adelino era também homem de alguma influência nas atividades políticas da região. Com o já reconhecido nome, com alguns cafezinhos pagos estrategicamente no meio político e com o momento de otimismo econômico do país; estava montado o palco perfeito para que as peças do seu negócio se encaixassem de vez e para que seus tijolos se amontoassem, com uma boa dose de cimento duro, naquele plano piloto – que ainda apenas se pensava – de Brasília. Não deu outra: a olaria do Sr. Rebenque foi a que fez todos os tijolos para construção dos principais edifícios da Brasília de Juscelino. Afinal, se especulava nas conversas da construção civil qual era a alquimia dos tijolos do Sr. Adelino, pela firmeza, resistência e dureza daquele pedaço alaranjado que não podia perceber que enchia de vinténs o cofre do seu dono.

O Sr. Adelino Rebenque morreu poucos anos depois do início da construção de Brasília. Seu filho, que já entendia de negócios sobre tijolos, assumiu e também morreu quando já se mentia que Brasília, pela luta vencida contra a ditadura, era democrática. Depois, assumiram a empresa os filhos do filho do Sr. Adelino, que eram dois rapazes sem muita afinação com tijolos nem com administração de negócios sobre tijolos. Um era corretor de imóveis. Ao outro lhe aprazia a música, e queria ver sua banda fazer sucesso nas novelas do centro do país, que continuava sendo coordenado em Brasília nos edifícios do governo que se sustentavam com os tijolos duros do avô. De tão duros, os edifícios se fossilizaram, num acontecimento que a ciência dos tijolos ainda não sabia explicar. De tão duros e fossilizados, os tijolos perderam resistência e se esfarelaram. Brasília veio abaixo. Virou, deveras, pó. Os irmãos não tiveram de pagar indenização, mas ninguém soube os detalhes do processo. Um dos irmãos seguiu como corretor de imóveis. O outro, frustrado com a música, taxista. Mas nunca entenderam como aqueles velhos tijolos duros haviam se esfarelado tão rápido.
PFF

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Vinícius para Vinícius

Conhecendo os lugares que conheci, restou o resultado de saber que se prestam a pouco, ou melhor, a quase nada além de nos fazer reconhecer que os vários sítios se apresentam para nos fazer ver que, antes deles, precisamos dos corações que pulsam nas pessoas que gostamos. Aos amigos é que se prestam esses quilômetros de estrada e esses sapatos gastos. Quando eu não viajava já intuía, que era de um bom amigo que a vida precisava, na hora do choro ou da alegria.

Essa memória musical é ao Cadalano, ao amigo que está sem estar, Vininha para Vininha! Que escutou a bossa comigo. Que arrasta a lama junto comigo. Que permanece sempre. Saravá!

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Esclarecimentos esquerdistas por García Amado

Primero lo primero: las sociedades actuales necesitan reformas profundas. Sentada así esta afirmación, pueden estar de acuerdo con ella capuletos y montescos, tirios y troyanos, cada uno arrimando el ascua a su sardina. Así que precisemos un poco: las sociedades actuales precisan reformas profundas para asegurar a todos los que en ella viven una verdadera igualdad de oportunidades.Puesto de esta forma, entramos en los planteamientos que definen o deberían definir una política de izquierda, al menos en su versión socialdemócrata más presentable. La igualdad de oportunidades no tiene por qué estar reñida con el funcionamiento del mercado, sino que solamente fuerza a una cierta redistribución o corrección de los resultados que para los ciudadanos reporta la “mano invisible” que, dicen, gobierna los mercados. Esto es, una parte de la riqueza que unos consiguen acumular debe ser detraída mediante el sistema fiscal, a fin de que pueda el Estado brindar a todos, y especialmente a los que no pueden pagarlos, los servicios públicos imprescindibles para la referida igualdad de oportunidades.No se trata de que el Estado imponga que todos tengan lo mismo o estén en idéntica situación, sino de que garantice que ninguno está excluido por sus circunstancias sociales del acceso a cualquier puesto o posición dentro de la sociedad. Si el mercado significa también competencia y competición, ha de asegurarse que todos y cada uno de los que hoy nacen aquí tengan la posibilidad real de llegar a los puestos de mayor importancia o más alto bienestar.
La diferencia entre la postura del economicismo liberal más duro y ésta que denominamos socialdemócrata o socialista (no nos paremos en las etiquetas en este momento) podría resumirse así: para los primeros, ha de haber competencia por los objetos, pero no hay inconveniente en que esté viciada o sea puro simulacro teórico la competencia entre los sujetos; para los segundos, ha de existir una competencia genuina entre los sujetos. Dicho de otra manera, para los unos importa por encima de todo de quién son las cosas; para los segundos, que a nadie se hurte la posibilidad (real, no meramente jurídico-formal) de tener cosas. Para los primeros, son los objetos mismos los que, unidos al derecho de propiedad, determinan el destino vital y social de las personas; para los segundos, son las personas, todas, las que han de gozar efectivamente de la posibilidad de cumplir su vocación y su destino no teniendo materialmente vedado acceder a la propiedad de las cosas.
Lo que se dirime es si los individuos son de los objetos apropiables o si los objetos apropiables son de los individuos. Esa papel central del objeto y su propiedad como determinantes de la configuración social y de las relaciones entre los ciudadanos tiene mucho que ver con lo que Marx denominó alienación y cosificación.Los ultraliberales en lo económico parten también de esa idea de que un individuo necesita la propiedad de las cosas que consiga, a fin de realizar mediante ellas su libertad. Si yo trabajo mucho y uso mi esfuerzo y mi talento para acumular un millón de euros y comprarme con ese dinero el montón de libros que quiero leer (discúlpese si es un tanto chusco el ejemplo), al quitarme la cuarta parte o la mitad de esos ingresos míos se coarta mi libertad y decae parte del sentido de mis acciones y de mi esfuerzo. Cierto, pero hay que preguntarse una cosa más: ¿todos mis conciudadanos con talento y capacidad de trabajo iguales o superiores a los míos han tenido y tienen las mismas posibilidades de alcanzar mis logros o he jugado con alguna ventaja social, con alguna carta marcada? Si debo parte de mis bienes a mi privilegio social, es legítimo que se me prive de alguno de ellos para restaurar el juego limpio, la igualdad real de oportunidades. Trabajé también para los demás, sí, pero, al tiempo, me aproveché de que no podían hacerme sombra todos los demás que eran tan capaces o decididos como yo, y por eso el Estado me hace compensarlos mediante los impuestos que pago, para que la situación se equilibre.Admitamos esa vinculación que el liberalismo económico traza entre libertad y propiedad, y que, por consiguiente, un individuo no puede ser libre y realizarse en su autonomía si no tiene con qué. Bien, pero, además, reformulemos el viejo principio kantiano de que es necesario compatibilizar las libertades de todos para que las de los unos no se cumplan a costa de las de los otros. Proyectado esto sobre el derecho de propiedad, significa que tal derecho mío no ha de hacer imposible el disfrute del mismo derecho por los demás. No es que todos hayamos de tener lo mismo, repito, ni que todo haya de ser de todos, sino que todos estén en situación de poder conseguir cualquier cosa. A partir de ahí, a competir. El hijo de un parado, de un peón de albañil, de un labriego o de un cajero de supermercado debe contar con las mismas posibilidades, y hasta las mismas probabilidades, de llegar a ser catedrático (no es gran cosa, pero es lo que yo soy) que un hijo mío. Si no sucede así, es que hay trampa en el juego. Y que no nos vengan con que el hijo del catedrático lo mama en casa y el otro no, etc.; no estamos hablando de mamones.
Extraído do blog Dura Lex do jurista espanhol García Amado

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Contos Imediatos I


O CANÁRIO DE VENÂNCIO

Venâncio era um homem de poucas palavras. Falava apenas quando o mundo lhe solicitava. Era também rotineiro, metódico e cartesiano com tudo que solicitava do mundo. Morava em uma grande cidade e tinha como companhia um canário belga de cor amarelo claro. O canário, assim como Venâncio, quase não cantarolava. Economizava os pios. E piava apenas para solicitar comida. Viviam em harmonia. Venâncio tinha um único parente. Um primo que morava na distância continental que era a cidade de Anajatuba no Maranhão. Mas também não sabia mais se esse tal primo ainda piava ou se já tinha a terra tragado suas vísceras. No princípio, enquanto namoravam, os pios do canário à Venâncio, eram por alpiste. Porque à Venâncio lhe aprazia a ordem, estabeleceu sempre horários rígidos para o alimento do canário. E assim, sempre às 7 e às 22:30, despejava a quantia de meia xícara de chá no lugarzinho que comia o canário. Também sempre à meia tarde, nunca antes das 15 nem depois das 16, pendurava com um prendedor de roupas, meia folha de alface na gaiola.

O canário - que de irracional não tinha nada como pensavam os tolos -, já havia aprendido o quando de sua comida. Por isso nunca mais piou. E Venâncio morreu, calado. Três dias e meio depois, morreu o canário, cantarolando até o último suspiro.
PFF

domingo, 17 de janeiro de 2010

Al lado del camino, Fito Paez




Escutando algumas músicas, pensamos que elas podem ser a melhor entre todas que conhecemos. Quando entramos como personagens do conjunto, da poesia, da letra, da harmonia; parece que nenhum outra no mundo é capaz de superar aquela que vai nos comovendo os ouvidos. Há tempos que Al lado del camino do Fito Paez faz isso comigo. Me comove. Porque a verdade, sem que pra falar dela muita filosofia tenha que ser feita, me comove. Quando algumas verdades parecem mentiras aos grandes olhos do mundo que pouco enxerga, então, é que me comovo mais ainda. Essa música como outras - me lembro especialmente do Chico, do Cazuza e do Geraldo Azevedo - nos faz sentir menos ilhados, menos alienígenas (ainda que os alienígenas sejamos mesmo nós, os terrestre e não os avatares que infelizmente só deram o ar da graça no cinema). Essa sensação que temos sempre que alguém escreve ou exterioriza, seja lá como for, aquilo que de alguma forma já tinhamos pensado e que não sabíamos bem ao certo o melhor manuseio da liguagem para dizê-lo; é uma carícia nos desassossegos da alma. Pelo que sei essa m´suca até ganhou um Grammy não sei quando. Mas não interessa, é um texto - antes mesmo de ser uma música - que conta mais verdades que a própria ciência. Essa aliás que ainda não se deu conta que apenas engatinha atrás das certezas que a poesia já des-cobriu faz tempo. Al lado del camino conta algumas verdades não percebidas, como grande parte delas o são. Porque falta fidelidade nas traduções, ela vai original, em bom castelhano. Mas se o sentido se apertar, com certeza o google ajuda com alguma tradução. Na era da orgia eletrônica e da banalização de quase tudo que é sentimento, estar Al lado del camino é "más entretenido y más barato". Mais saudável. Mais humano, ou melhor, mais avatar.
*
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AL LADO DEL CAMINO, Fito Paez
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Me gusta estar a un lado del camino
fumando el humo mientras todo pasa
me gusta abrir los ojos y estar vivo
tener que vérmelas con la resaca
entonces navegar se hace preciso
en barcos que se estrellen en la nada
vivir atormentado de sentido
creo que ésta, sí, es la parte mas pesada
en tiempos donde nadie escucha a nadie
en tiempos donde todos contra todos
en tiempos egístas y mezquinos
en tiempos donde siempre estamos solos
habrá que declararse incompetente
en todas las materias de mercado
habrá que declararse un inocente
o habrá que ser abyecto y desalmado
yo ya no pertenezco a ningún istmo
me considero vivo y enterrado
yo puse las canciones en tu walkman
el tiempo a mi me puso en otro lado
tendré que hacer lo que es y no debido
tendré que hacer el bien y hacer el daño
no olvides que el perdón es lo divino
y errar a veces suele ser humano
no es bueno hacerse de enemigos
que no estén a la altura del conflicto
que piensan que hacen una guerra
y se hacen pis encima como chicos
que rondan por siniestros ministerios
haciendo la parodia del artista
que todo lo que brilla en este mundo
tan sólo les da caspa y les da envidia
yo era un pibe triste y encantado
de Beatles, caña Legui y maravillas
los libros, las canciones y los pianos
el cine, las traiciones, los enigmas
mi padre, la cerveza, las pastillas los misterios el whiskymalo
los óleos, el amor, los escenarios
el hambre, el frío, el crimen, el dinero y mis 10 tías
me hicieron este hombre enreverado

si alguna vez me cruzas por la calle
regálame tu beso y no te aflijas
si ves que estoy pensando en otra cosa
no es nada malo, es que pasó una brisa
la brisa de la muerte enamorada
que ronda como un ángel asesino
mas no te asustes siempre se me pasa
es solo la intuición de mi destino
me gusta estar a un lado del camino
fumando el humo mientras todo pasa
me gusta regresarme del olvido
para acordarme en sueños de mi casa
del chico que jugaba a la pelota
del 49585 nadie nos prometió un jardín de rosas
hablamos del peligro de estar vivo
no vine a divertir a tu familia
mientras el mundo se cae a pedazos
me gusta estar al lado del camino
me gusta sentirte a mi lado
me gusta estar al lado del camino
dormirte cada noche entre mis brazos
al lado del camino
al lado del camino
al lado del camino
es mas entretenido y mas barato
al lado del camino
al lado del camino

sábado, 16 de janeiro de 2010

O mundo das bananas...


GANHOSATUAIS


Já notaram?
As bananas de hoje estão mais farelentas.
Quem come sente, sabe, prova que as bananas de ontem
saciavam muito mais que as de agora.
Para os adeptos de batidas, vitaminas e afins,
também instalado o déficit bananal:
para uma batida consistente,
que se fazia com uma banana de antes,
necessárias agora duas ou até três,
a depender da plantação de bananas.
Intoxicaram o bananal:
herbicidas, pesticidas, bananacidas, transgenicagens!
Tudo para fazer uma banana maior,
mais gorda e mais amarela.
As bananas de hoje são como travestis:
a imagem não equivale à essência.
São por demais farelentas.
Alguém deve levar alguma vantagem nisso:
bananas farelantas pressupõem mais bananas.
Quem vende bananas, vende mais bananas.
Quem compra bananas, compra mais bananas.
Quem comprava uma só banana,
fica com uma só banana farelenta, inócua.
Quem comprava apenas uma bananapara as vitaminas,
compra agora duas.Os produtores ganham o mesmo.
Os interceptores ganham mais.
Os receptores comem mais bananas.
Ficam mais gordos e ganham osnutricionistas, os personal traineers
e os vendedores de artigos esportivos.
O mundo também ganha:mais cascas de banana.
Com tudo isso, aumenta o volume do lixo global,
que diminui os espaços para as pessoas no mundo.
A falta de espaço impulsiona a construção civil,
que aumenta as construções verticais.
Com andares altos,
é possível que o interceptor se distancie:
do lixo das cascas de banana em aumento geométrico
e daqueles que agora já não podem comprar bananas.
Todos ganham em obviedade quase ululante!
Enquanto tudo isso se dá,pobres, lixões, cascas de banana
e produtores de banana moram no térreo.
Mais espaço para todos.
Interceptores moram no vigésimo andar,
com menos barulho e mais brisa fresca que não custa nada.
E todo o mundo ganha de novo:
o excesso de andares aumenta o emprego para a classe dos porteiros
e para os limpadores de vidros de andares altos
(que agora usam muito mais equipamentos de segurança que antes;
pois que as multas para os engenheiros civis
está demasiado alta nesses casos.
Além do mais pega mal para a construtora
que alguém morra estatelado na bela entrada ajardinada).
O andar térreo se torna mais disponível
para os catadores de casca de banana,
para os cachorros e para as plantações de banana
que não resistem aos vigésimos andares sem terra.
Entre todas essas vantagens,uma exceção se faz à regra.
Sim, uma desvantagem existe nisso tudo:
os andares amontoados, formam condomínios.
Os condomínios fazem condôminos,
que fazem com que vizinhos interceptores
morram de medo ao encontrar outros vizinhos interceptores.
Na garagem, nos elevadores ou no hall
dos espaços públicos dos condomínios de vinte andares!
Esse aumento do medo,
traz muita vantagem para uma outra classe: os psicólogos.
Esse pessoal tenta tornar a alteridade mais valente,
e limpam toda a poeira inconsciente dos interceptores.
E seus clientes agora são felizes:
compram duas bananas para as vitaminas
e podem dar um terapêutico bom dia para os vizinhos.
E no fim, todos ganham:
engenheiros, produtores,interceptores, psicólogos, porteiros e claro,
as bananas...que hoje estão bem mais farelentas...

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Identificações nas palavras de Peu




Respiro estranhamente: falta-me ar, falta-me algo,falta-me fôlego.Num desespero comedido,vejo-me forçado a respirar fundo,e suave, sempre suave.Tenho, no mais íntimo,o pleito secreto de chorar de dor.Mas, sempre,falta-me fôlego,Respiro a preservar o pouco ar que tenho.Sinto-me um animal engarrafado.Vejo a todos, e a mim mesmo,Presos numa velha garrafa de vidro.Conserva humana, bonsai mundano,Não sei se estou vivo ou morto.Limbo incômodo entre o conformismo e o desespero.Os meus movimentos, limitados.Os meus desejos, tolhidos.Debato-me na garrafa transparente:tento sair da jaula, mas pareço um animal,pobre, preso,coreografando para um público, fiel,o meu ensaiado despero.Gasto quase todo o meu fôlego.Sento-me à beira da cama para respirar.Já não tolero o calor,Já não aguento a falta de sono,Já não suporto os sonhos que intermedeiam os cochilos.Mas não passo fazer nada.Faltam-me fôlego, ar e asas.Maldita asma.De pouco adiantam-me os banhos,De nada servem-me os esforços:tudo permanece igual, e os lençois,velhos companheiros,testemunham o desespero insone.As horas passam, já não sei quanto tempo me resta.Já não sei venço as horas, ou se as perco,fugidas por entre meus dedos,Perdidas em meio a meus medos.Maldito fôlego.
Pedro Fonseca

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Galeanismo


"... se incorporará a los códigos penales el delito de estupidez, que cometen quienes viven por tener o por ganar, en vez de vivir por vivir no más; como canta el pájaro sin saber que canta y como juega el niño sin saber que juega."

Eduardo Galeano

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Versos litorâneos II



DESCONEXÕESNATURAIS


Nos rádios não há voz.
Música e poesia também se divorciaram.
Afastamento, separação, solidão atroz;
bijuterias vagabundas desse humano sem nós.

Caminham com medo,
perfumados de verdades, confianças.
Enganados com seu próprio enredo,
respiram farpas fartas de esperança.

Plenos de inverdades,
sua metafísica não muda.
Preguiçosos de sua complexidade,
perdem seu tesouro que afunda.

Não se alteram;
nem cedo, nem tarde.
Disparates veneram,
aprisionando o sorriso à castidade

O conglomerado é um carinho.
Ali são de uma cor só.
Mesmo juntos, tão sozinhos;
distraídos até de novo virar pó.

Na abstração de jumentos
a que chamam sociedade,
cochilam desatentos,
se pensando sumidades.

Não pertencer, não me abate.
Mas não traduzo esse sinal.
Suspeitando das dicotomias,
suspendi o que antes era bem e mal.

Agora já não sei.
Essa é a verdade.
Duns poucos grilhões escapei,
e das certezas, agora fica a saudade.

Eu não sei, amém!
Como percebi que não sei?
Não sei também.
Intuo, porém, que um dia saberei.

Ideias ilhadas enfraquecem.
Os conceitos só são em suspensão.
Porque desconfiando tudo fenece,
os dogmas transam com a ilusão.

Essa suspensão toca o silêncio.
E o que cala é poesia.
Na dúvida, um bebedouro imenso.
Na certeza, um circo de fantasias

Desafinos intelectuais nos envenenam.
São terroristas do pensamento.
Enquanto quase todos cá encenam,
a lógica vence o sentimento.

O silêncio é o sonho,
e no sonho se fala em silêncio.
Viver me dá um medo medonho.
A morte é oásis do sonho...êxtase do silêncio.

Nas músicas voz não existe.
Nem mesmo pios ou cacarejos.
Eletrônica a poesia é triste,
e a vida, da morte vira um ensejo.

A natureza é poesia.
Mas a música se esqueceu,
que o ser humano não é anestesia,
desde o dia em que nasceu.

Quando não se transmite,
alguma morte venta no ar.
Quem vive só assiste,
a morte se aproximar.

Sem voz pode a música orquestrar.
A lástima ausente,
não é a voz humana propriamente,
mas a poesia a se olvidar.

Poesia do violino sem voz que canta.
Grunhido da chuva que toca o mar.
Quem poeta seus males espanta,
Quem pensa até aprende a amar.

Os bípedes fartos e inconscientes,
nadam pelas ruas, caminham pelo mar.
Deliram...e seguem sem pensar.
Mataram a poesia, desaprenderam a amar.
Devia o mundo recomeçar,
e os bípedes, aprender a se afinar.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Desassossegos de Fernando Pessoa

Deixo ao cego e ao surdo
A alma com fronteiras,
Quero eu sentir tudo
De todas as maneiras.
...
Fernando Pessoa

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Sensações de Berlim


Berlim ainda respira as guerras. A de Hitler e a Fria. Mas respira com uma só narina, pois na outra, penetram os ares da tão buscada liberdade que, em verdade, pouco libertou. E porque as guerras e a cartografia do terror totalitário podem ser reavivadas nos museus indoor e outdoor de Berlim, é que a sensação mais chocante é perceber o pouco tempo que esses eventos históricos têm. Ainda que nas cabeças mais contemporâneos possa parecer que as brutalidades do século passado são apenas perguntas passíveis de cair em provas de história, em Berlim, lembramos de como esse nosso ganho tão singelo é tão recente. As dores passadas na história de Berlim, já se aglutinaram, sim. Os olhares curiosos dos curiosos que tem curiosidade de entender como pode um ser, criado desde o Éden ou da explosão que fez do pó um homem que devia ser fraternal, pode enfiar o ferro quente na carne e envenenar as entranhas de um outro ser fraternal que também não se sabe se nasceu do Éden ou do ponto bombástico do Big Bang. Esse é o olhar chocado dos curiosos. Os aportes do I-Ching revelam uma sabedoria que vai além da dialética passado-futuro. Dessa forma, o conhecimento oriental, apoiado em Capra, mostra que após todo zênite, sobrevém o declínio e logo, uma mutação. Se é possível fiar-se nesses cânones, certamente em pouco tempo terminarão as guerras mais sangrentas; essas em que os homens - negando uma natureza poética que devia ser de alteridade - lançam ofensivamente contra seus semelhante, todos seus amores mal resolvidos. Na guerra não há ódio. Na guerra existem amores frustrados e uma guerra é basicamente produto disso. Se Capra e o I-Ching estiverem certos, não nós, mas talvez nossos filhos evitem o confronto externo e façam as pazes com o amor. Sobrevirá o ponto de mutação...mas qual será a próxima guerra? Me arrisco a vaticinar o tempo dos homens que'inda virão para uma sentença: a próxima guerra dos homens será interna, personalíssima. O inimigo será o amigo refletido nos espelhos que, deveras, não refletem e que teimam em apenas refratar. Na batalha que virá da mutação, quem puder se perceber, será salvo...Mas essa é uma guerra das gerações futuras e quem não estiver muito preocupado, pode sentar no sol, comer uma banana, ler jornais e fornicar. Assim Camus já havia narrado o homem do nosso tempo, com exceção do sol e das bananas.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Recomeço


Queridos leitores!

Por motivos de febre amorosa, este blog ficou isolado em algum centro de tratamento intensivo de algum lugar sem nome no universo. Em verdade o amor não tem lugar, não tem limites, não tem manual de instruções como os eletrodomésticos, não tem uma bula ou método, não é nada se fica espremido em corações solitários. Sem mais, o amor se dá no mundo para os indivíduos. Acontece. E porque minha relação com o fidalgo sentimento do mundo andava medicamentosa, por assim dizer, é que precisei vaciná-la. No existencialismo de Sartre, os indivíduos são projetos que se lançam para o futuro; e as coisas só se dão, depois que acontecem. Assim, um grande pintor só será depois que tiver uma grande quantidade de obras reconhecidas. Um mestre da música só se revela depois que tem suas canções reveladas. Da mesma forma existencialista, o amor - mesmo não tendo sido tratado por Sartre - só se dá quando é. Simples assim. E este sempre sonhador que vos fala, retornou de uma muito longa viagem apenas agora. Uma viagem que se iniciou muito antes dessa efêmera pausa no blog. Uma viagem de aproximadamente um ano e três meses. Percorri rincões, voltas e mais voltas...Busquei em todas as partes, como um acólito fervoroso. Quando pensei que convalescia, era brutalmente acometido das mais tórridas recidivas. E percebendo, com o grande colírio que é o olhar-se interiormente, o tesouro do sentimento se iluminou diante de mim; e estava desenhada uma missão. E porque algumas histórias são para ficarem guardadas com quem se deve, resumo: cruzei o oceano em um avião e voltei voando. Ninguém vai acreditar, mas aprendi a voar sem nenhuma tecnologia e sem nenhuma asa. O amor...bom, o amor seguirá sendo essa coisa de maior que não se pode ver, essa abstração que por alguma razão, desde os remotos tempos, os homens simbolizam com o coração. Talvez porque pulse ritmado, talvez porque é o que nos acompanha da forma mais viva e mais sentida desde quando nascemos até quando vamos amar de outro jeito e em outro lugar.

Desejo que nesse ano de Vênus, os sorrisos possam estar mais presentes que as lágrimas.