quinta-feira, 31 de março de 2011

A VALSA DOS DEMÔNIOS




Há em ti essa cólera.

Percebo.
Porque em qualquer movimento teu está tua própria nudez.
Em qualquer aceno, em qualquer letra composta em frase.
Tua nudez revela tua fraqueza, teus demônios.
Os demônios que são pra mim amigos de bar.
Cago de porta aberta com os demônios
enquanto tu ainda pensas que eles são “do mal”.

E eles me dizem sobre tua cólera ao pé do ouvido, na maior amizade.
Essa cólera tua, que te consome a alma e te alfineta a espinha,
é só um amargo,
um  amargo que tu sentes ao perceber que este domínio do microcosmo não faz dele macro.

E queres o macro, não é?
Ou queres e por saber que não podes, finges que não queres?
Tu dominas a ínfima imensidão da tua pequena mansarda...e só!
Dominas esse farelo enquanto desejas,
no prelúdio da noite que faz do travesseiro tua fuga ao sonho,
o cosmo todinho.

E com a cabeça no portal dos sonhos, choras,
fazendo brotar em ti a dor que não dói,
a inveja, a incompreensão,
a ira maquiada de zelo,
uma vontade de vingança pelo destino que não pudestes escolher,
todos esses temperos que fazem da tua cólera a sopinha sem graça que tomo nos domingos de noite.

E quando te dás conta disso tudo,
esse microcosmo – que é um grão de areia – se desenha como pueril demais.
E tu choras criança, agora chorando por dentro, porque não tens a chave da transcendência,
e não podes ser maior, nem expandir tua consciência por aí.

E mais criança te sentes porque existe essa dúvida sobre o mistério das poesias...
E, de novo, não sabes pra que lado caminham os versos...

Então tua transgressão te fitas e tu não tens coragem de olhá-la no grão escuro dos olhos.

Teus planos de armadilha te mostram:
são indícios de uma criancinha que chora porque ficou sem lugar pra ver o teatro de bonecos só reservado às criancinhas que tiveram sorte.

CONCLUO:

Meus demônios vão até ti,
determinados a afogar tua garganta quando estiveres deslizando pelo sonho.
Quando estiveres sem ar,
caindo no abismo crepuscular e quase deixando a vida,
se iluminará em ti a verdade.
E a embriaguez do holofote ofertará a chance de volta.
Poderás voltar com resignação à vigília da tua pobreza, que é o teu tempo.
Ou então dançarás uma valsa com os demônios. Veremos.

terça-feira, 29 de março de 2011

Texto Jornal Estado de Direito - março 2011


A MEDIAÇÃO COMO EXPRESSÃO DO FEMININO NO DIREITO:
ENTRE CAPRA E WARAT


Atrever-se é um privilégio daqueles que têm valor, sentencia Warat. E o atrevimento serve como gatilho para promover movimento. Tal qual a permissividade criativa das telas de Dalí, Magritte e outros grandes do surrealismo; o inconsciente, como reserva selvagem das interioridades humanas, é fonte da subversão. Quando Warat enxerga o Direito com olhos surrealistas, deixa que o inconsciente fale, mesmo sem falar de inconsciente. É daí que parte sua proposta surrealista, que pretende rasgar as folhas da lei, escapar da moldura do Estado e meditar outras formas de curar as angústias do Direito.

 
Em seu inspirador Manifesto do Surrealismo Jurídico, Warat refere que a subversão tenta provocar uma explosão nas máscaras de um cotidiano conformado, escravizado por uma maneira única de pensar que se pretende puritana e logomaníaca.

Para além do aquário de vidros espessos e racionais do Direito, por certo, muito há. O surrealismo jurídico oferece a mediação como uma das alternativas de superação da engessada jurisdição estatizada. Invocar a mediação como forma de solução de conflito é reflexo de uma grande transformação cultural que está em curso: a alternância de prevalências entre o feminino e o masculino na cultura.

Fritjof Capra, apoiado na estrutura oriental do I-Ching, observou a alternância os aspectos femininos (yin) e masculinos (yang) na civilização.

A dinâmica desses dois pólos esta associada a várias imagens antagônicas colhidas na natureza e na vida social. Refere o autor que, da mesma forma que homens e mulheres passam por fases yin e yang, também a cultura, como fenômeno dinâmico, experimenta picos em que um aspecto se sobrepõe ao outro.

A cultura ocidental de cunho patriarcal, que tentou limitar os aspectos conceituais de yin e yang à sexualidade, distorceu o significado desses termos da sabedoria oriental e fez do masculino o protagonista de nossa cultura. O predomínio do pensamento racional sintetizado no cogito, ergo sum cartesiano, demonstra que os indivíduos ocidentais equipararam sua identidade com sua mente racional e não com seu organismo total, cingindo arriscadamente corpo e mente. Associando o yin ao intuitivo e o yang ao racional, Capra constrói sua tese demonstrando que, atualmente, assiste-se a uma transição cultural que culminará com o enfraquecimento da cultura patriarcal e a inflação do feminino, cambio que, consequentemente, suplantará a supremacia do racionalismo em detrimento das características próprias do feminino (yin), como a intuição, a criatividade, a sensibilidade, a emotividade e todos estados ampliados de percepção da consciência.

O progresso da civilização ocidental se deu, pois, pelo predomínio da intelectualidade e da racionalidade, sendo que, atualmente, essa evolução unilateral atingiu um estágio alarmante. Incapacidade de manutenção de um ecossistema saudável; dificuldade na administração das cidades; falta de recursos para uma adequada assistência à saúde, educação e transportes públicos; riscos da ciência médica e farmacológica e – acrescente-se – caos ante o excesso de burocratização do Estado e, particularmente, do Poder Judiciário, um Poder paquidérmico, caro, oneroso, devolvido a sua grande missão: garantir os contratos sinalagmáticos e a propriedade privada, em nome da confiabilidade no mercado internacional; lembrando as palavras do waratiano Alexandre Morais da Rosa, são alguns dos resultados da exagerada ênfase dada à polaridade yang em nossa cultura.

Voz firme contra a dominação das características masculinas alastradas no paradigma cultural ocidental, Warat afirma que o maior problema do excesso de racionalismo no Direito é a perda de sensibilidade. Uma insensibilidade que toca aquele que julga e seus vínculos. Que torna insensível a percepção do mundo pela frieza da ficção de verdade e que fomenta a fuga alienante que proporciona as abstrações e os anseios modernos de universalidade que não permitem perceber o que a rua grita.

Tal qual Capra, que fala de uma cultura nascente e vaticina o equilíbrio entre os opostos culturais e psíquicos, entende-se que, no Direito, movimentos como o Direito alternativo, o Direito Achado na Rua, as inovações da resolução n. 9/2009 do CNJ - com o horizonte de humanizar os julgadores – e a atenção voltada para a conciliação e a mediação, são confirmações dos prenúncios de Capra e da sensibilidade reclamada por Warat.

A resposta que o surrealismo dá ao Direito com a mediação é, em verdade, uma reticência amorosa, que só pode ser alcançada por meio da recuperação das forças de yin na cultura ocidental. Se entregar à mediação é não querer vencer, de lado a lado, mas aparar contundências. O novo Direito que emerge da mediação tem como condição um novo homem, afinal, para que a colheita seja abundante, antes de revolucionar a terra, é preciso estar atento à saúde da semente...Esse novo indivíduo deve permitir a abertura das cancelas que guardam seus territórios subterrâneos e inconscientes. Só assim poderemos alcançar a verdadeira democracia que, para o inesquecível Warat, se constitui como o simples direito de sonhar o que se quer.


domingo, 27 de março de 2011

sábado, 26 de março de 2011

DELÍRIA






Divirta-se com uma máquina fotográfica.
Faça uma pose.
Faça uma pose sem sentido.
Faça uma pose que pareça que você não quis fazer pose.

Experimente sorrir.
Lembre, até que chegue a morte, do melhor sorriso que já apareceu diante dos seus olhos.
Experimente cuidar.
Cultive lembrando.
Experimente amar.
É o amor que faz as coisas crescerem.
Ele que cria.
Veja filmes selecionados por Cannes.
Experimente o outro.
Experimente a si mesmo.
Masturbe seus desejos.
Deseje seu próprio prazer.
Saiba que é só no/para outro que podemos nossos desejos
Deixe a barba crescer pra ver como fica.
Seja solidário.

Dê a bunda ao namorado de uma vez.
Faça menos cú doce.
Seja narciso.
Experimente o sincretismo.
Funda opiniões e funde a sua.
Foda com e sem amor.
Namore-se no espelho.
Peide à vontade. Seja naturalmente.

Experimente crescer.
Salte até o degrau mais alto.
Suba dois degraus de uma vez se as pernas conseguirem.
Veja sempre do mais alto que pode.
Amanhã as escadas terão mais degraus.
Experimente voltar no tempo.
Álbuns são essenciais à uma história.
Experimente permanecer no estar.
Experimente errar a coreografia.
Faça uma festa de aniversário.

Extravase.
Fique noites sem dormir.
Viaje até os lugares que deves ir. Sim, deves.
Caminhe manso.
Apressar é perder paisagens.
Desfile.
Exiba as virtudes.
Exiba os vícios, são humanos como as virtudes.
Arrisque.
Ligue achando que não devia ligar.

Conquiste espaços.
Valorize um momento qualquer de riso.
Valorize aquele momento. Isso é eternidade.
Valorize uma alegria. Isso é eternidade também.
Perceba a sensação. É ela.
Tire um cochilo no pé da árvore.
Minta que ficou doente.
Falsifique uma assinatura.
Minta sempre que for melhor não falar a verdade.

Varie para saber.
Fique do lado dos bárbaros para saber que você também é um.
Invente um passatempo.
Escute músicas que prestem.
Tente impor seus gostos.
Experimente um show pertinho pertinho do palco.
Experimente passar barro na cara.
Saiba provar as temperaturas.
Experimente se arrumar.
Experimente sua melhor beleza.
Experimente sua mais pálida pobreza. É nela.

Valorize as manhãs.
Entenda as razões do Jim Morrison.
Entenda os políticos.
Saiba que você quer privilégios e não direitos.
Valorize a falta de culpa
Elimine a culpa. Ela não existe.
Valorize as tardes de colégio.
Valorize as noites na sarjeta.
Valorize muito os momentos mágicos. Raros raros.
Sinta o coral do sangue do outro que canta em um abraço.
Sinta os lençóis macios depois do banho.
Tenha filhos só se tiver vontade de se dividir com alguém.
Plante uma árvore porque é de bom tom.
Escreva um livro que tenha coisas inéditas a dizer.
O seu modo de ver o mesmo é inédito.

Experimente piscina com roupa.
Transe na piscina para preferir transar na cama.
Experimente rio sem roupa.
Sinta a água do rio no pinto, solto como uma  minhoca no anzol.
Sinta o vento na perereca.
Caminhe pelado na natureza selvagem.
Não prenda pássaros em gaiolas.
Use roupas confortáveis, que se explodam os outros.
Estude cálculo com bolo e chimarrão.
Estude música, só você e o violão.
Encontre uma turma.
Ou um amigão que valha por uma.
Aprecie gaita de boca.
Leia partitura.

Experimente torcer.
Não saiba perder e caminhe querendo vencer-SE.
Vença apenas a si mesmo.
Certifique-se do próprio édipo.
Experimente ser um time.
Compartilhe o que tem.
Compartilhe a maior riqueza: as sensações.
Experimente desafiar.
Experimente desabar.
Experimente as chamas.
Aprenda sobre o mito da fênix.
Experimente renascer.

Respeite quem entende do assunto.
Experimente as nuvens.
Leia até alcançar a clarividência.
Depois passe mais tempo pensando do que lendo.
Experimente voar com os olhos fechados.
Encontre um jeito de andar de avião.
Experimente os sexos heterossexualmente.
Dê a bunda se quiser.
Aprenda sobre a força dos andróginos.
Seja um anjo.
Pense no sorriso da Monalisa. Da Vinci era um anjo telúrico.
Integre suas sombras até ser total.
Não julgue porque julgar é errar.
Pense que o que você pensa não foi você que pensou. Depois, eureka!
Experimente jogar.
Trapace com as cartas.
Seja o maestro, o artilheiro, o dono de algum prêmio.
Experimente se jogar.
Vale paraquedas, bunge jump e a vida.
Experimente abusar.
Beba demais.
Foda demais.
Passe a mão na bunda dela.
Experimente sexo oral com quem ama. Só com amor.
Prove a intimidade.
Caminhe nas regiões selvagens dos outros.
Hospede-se num hotel com quem ama.
Pergunte-se sobre o que é o amor.
Deseje a vingança como uma prova de que tenha amado.
Crie intimidades.
Veja uma perereca bem de perto e sem tempo pra parar de olhar Ali está o mistério.
Percebas as portas que flertam com teus desejos. Entre.
Encontre identidades.
Junte os saberes. Só existem os que sabem e os que não sabem.
Entenda as diferenças.
Perceba os enganos do "demais".

Experimente a liberdade. É lá que você está. Se ainda não chegou, você ainda não é...
Cague pelado.
Durma até o cú fazer bico.
Prove a embriaguez.
Dirija bêbado, mas devagar e sem mexer no som do carro.
Tenha sempre uma lanterna no carro.
Sinta alguma vez a loucura bem de perto.
Abrace os demônios.
Faça laços com Dionísio.
Saia fora do seu próprio corpo denso.
Transe sem camisinha, sem pílula e gozando dentro.
Conte com a sorte que está do seu lado.
Abra mão de ter o corpo perfeito. Foda-se.
Passeie entre as dimensões.
Tenha heterônomos anônimos. Só seus.
Escute os avós e os LP’s.
Seja todos que quiser.
Experimente a si mesmo.
Crucial que todos sejam todos e si mesmos ao mesmo tempo.

O mundo é o mundo de paisagens que habitaram os olhos.
O mundo é o mundo de sensações que não sentiram os olhos.

terça-feira, 22 de março de 2011

"OI, VAMOS TRANSAR?" (parte 2)







Dizem que hoje em dia o sexo é fácil, mas não é bem assim. Isso só é verdade se compararmos a possibilidade que todo mundo tem de trepar hoje, em 2011, com a possibilidade que as pessoas tinham de trepar nos idos de 1911, que é um ano ainda distante de 1968, o ano símbolo da virada dionisíaca. Meus dois avôs ainda são vivos (se bem que um deles é meio vivo-meio morto. E se bem que esse que é meio vivo-meio morto consegue ser mais vivo que o meu vô vivo, se é que me entendem). Com os meus dois avôs o discurso é o mesmo: contam que pra comer uma perereca em meados do século só tinha dois jeitos: putas ou esposa (e toda aquela cerimônia fajuta que acompanha o ritual que promete curar o paudurismo do homem e a necessidade de segurança da mulher com o novo “papai” que agora vai poder comer ela legitimamente sob os olhos permissivos de Deus). Época de merda a deles.

A questão toda é que o sexo não é tão fácil a ponto de se poder chegar pra uma mulher e dizer: “Oi, vamos transar?”. Anos depois de toda revolução sexual, não podemos ser sinceros com relação aos nossos desejos. Uma frase dessas, dizem, é atentatória. A sinceridade como um todo é atentatória e eu me debato com isso, afinal, ou assinamos o contrato de hipocrisia ou assinamos o contrato da sinceridade. Como vejo pureza na sinceridade, assinei um contrato parcial com ela. Sim, parcial, porque o contrato integral é pra gente de verdade e isso eu ainda não sou e nem sei se chegarei a ser.

A garçonete enfim me atendeu. Sentei numa cadeira e fiquei bebendo meu conhaque e minha doce solidão. Estava me sentindo um idiota. Duplamente idiota. Fiz com a caneta às vezes do cigarro pra ocupar a mão que não segurava a bebida. A banda era boa. Quando começaram a tocar um rock pesado uns caras se possuíram e começaram a se empurrar. Eu não entendia se estavam brigando ou não. Talvez fosse a forma que eles tinham de sentirem-se menos idiotas. Mas era uma coisa imbecil, ficavam batendo os ombros uns nos outros, uma coisa aborígene, selvagem, animais que podiam falar e andar sobre duas patas. Nem bem arrebentavam a cara um do outro, nem bem ficavam quietos. Às vezes os empurrões se exacerbavam e parecia que uma guerra ia começar, mas logo eles se acalmavam. Não deixava de ser uma forma de estar livre, ainda que fosse imbecil.

A mulher da bunda bonita passou por mim e resolvi aplicar o contrato que eu tinha comigo mesmo.

- brigadão pela caneta fulana; agradeci. Tá afim de transar depois que a gente sair aqui do inferninho?
(um olhar de incompreensão e depois a resposta)
- idiota.

Eu sabia que ela ia ficar chocada. Tomei mais 2 doses e me mandei dali. Os imbecis se batiam cada vez mais. Um deles até arrebentou a bacia na quina de uma mesa. Quando sai encontrei duas meninas paradas na rua, gostosinhas, 17 anos, deviam esperar a carona do pai ou de alguém, pererecas sem uso, mais vontade de comprar roupas do que de trepar etc. Me aproximei e disse:

- Peço licença para me aproximar. Trago com essa aproximação um carinho, um espírito de paz, uma poesia e algumas flores. Trago tudo isso pra demonstrar que não há nenhum motivo pra temer minha aproximação já que é tarde da noite e eu sou um estranho. Faço essa introdução, já que seria absolutamente normal que senhoritas como vocês, de aparência frágil e beleza pueril, se amedrontassem com a aproximação de uma espécie estranha como a minha. – elas perguntaram meu nome e eu respondi.

- Paulo é nome de homem inteligente, disseram.

- Ah é? Conheço cada Paulo imbecil por aí. Às vezes até mais imbecis que eu. Tem outros Paulos políticos, Paulos que ainda acreditam que a terra é quadrada como a própria cabeça... (sempre pecava pelo excesso de crítica, elas ficaram a ver navios...)

Deram risada. Já tinha sido bastante que tivessem conseguido formular um comentário. A maioria sequer consegue. Na verdade eu é que era um chato vestido de educado. Eu representava, nada mais. Como se as ruas fossem um palco. Como se a vida fosse um palco. Elas disseram que estavam esperando o táxi. Vi frustrada a possibilidade de comer alguma delas. Poderia comer qualquer uma já que as duas eram ótimas. Uma tinha uma saia indiana, estilo hippie. A outra era baixinha e ria até dos paralelepípedos da rua. Ria de tudo que eu falava. Com mais tempo e mais sorte, poderia comer a baixinha. Mas o meu saco também não era muito grande pra ficar falando com elas por muito tempo.

O táxi chegou e disparei a última bala do meu tambor:
- Se quiserem posso dar uma carona pra vocês.

Elas disseram que seria antiético chamar o táxi e dispensá-lo. Era uma boa e ética desculpa. Seguiram em marcha na direção do carro que esperava. Senti que não iria ter jeito. Ia dormir sem comer ninguém. Num instante, pensei que poderia pagar o valor equivalente ao taxista para que elas fossem comigo. Elas não aceitaram, claro. Quem iria embora com um estranho que tinha tomado 10 doses de conhaque às 2 da madrugada? Antes da hippie entrar no carro, pude perceber as duas carnes redondas e duras da bunda dela. Comentei:

- Tua bunda é muito bonita.
- Brigada.

Gostei pelo fato dela não ter se ofendido, seria uma grande mulher quando chegasse aos 27 anos. Percebi que quem dirigia o táxi era uma mulher. Ela escutou meu elogio à bunda e perguntou:

- Ah senhorito, então gostou dela só por causa da bunda?
- Basicamente sim – respondi.

A menina apenas ria, adorando o cortejo. Eu continuei:

- Olha, a verdade é só uma: primeiro, o importante é a bunda. Cada homem gosta de um tipo. Alguns gostam de bunda esparramada. Outros de bunda empinada. Outros de bunda magrinha e dura. Outros de um bundão estilo reboque de topic. Outros de bunda estilo queijo coalho. Os gostos são os mais diversos, mas a certeza é uma só, antes de tudo, é a bunda que deve agradar (mulheres não me matem!) Só depois é que vem todo o resto. Esse todo o resto é essencial também, porque ninguém agüenta uma mulher só pela bunda bonita que ela tenha. Perceba cara leitora que agora pensa que eu sou alguém deplorável, que não se trata de nenhum machismo, apenas de uma verdade sincera. Qualquer coisa dita em contrário pelos companheiros de raça é fingimento. Então, ou admitam que lhes agrada as sinceras mentiras, ou vivam bem com a verdade que acabo de lhes contar.

Caminhei em direção à minha casa. A cidade parecia hostil às 3 da madrugada. Parecia, mas eu não sabia se efetivamente era. Eu nunca saía de madrugada trotando pelas ruas. Sou um velho que mora num corpo novo. Sentia-me demasiadamente velho. Não sei como, mas a solidariedade é uma coisa que aumenta com o passar dos anos. Só não aumenta pra quem não tem solidariedade nenhuma. O que não existe não pode crescer. Eu, que era um velho usando uma carcaça jovem e tinha uma veia solidária, me despedacei com o catador de papelão que selecionava o lixo na beira da calçada às 3 da manhã. Puxei instintivamente a carteira. Instintivamente mesmo. A única nota que eu tinha era uma de R$ 50. Eu poderia comer três dias com aqueles R$50, mas tinha outros R$50 no banco. Dei a nota para o pobre mendigo. Pobre mendigo. Prometeu que Deus ia me pagar de volta os R$50. Concordei com o olhar.

Continuei caminhando. Como o ser humano é estranho quando caminha. Se largarmos o corpo e simplesmente usarmos as pernas, os braços balançam, em movimentos contrários às pernas, de um jeito muito esquisito e mecânico. Como parecemos idiotas. As pessoas são umas máquinas usadas por consciências. Eu sabia disso porque eu era um velho dirigindo um corpo novo, também nasci a dez mil anos atrás. Pra onde será que vão as consciências que morrem de velhas?

Cheguei em casa com a fome renovada. Nada nos armários. Abri a geladeira e tinha um melão com meses de vida. Desisti. Lembrei do freezer, poderia ter alguma coisa esquecida lá. Quando abri não tinha porra nenhuma. Resolvi desligá-lo da tomada pra economizar luz. Já tinha tentando isso outra vez mas ele começou a feder muito. Eu não sabia que freezer também fedia depois de morto. Aprendi isso quando passei a morar sozinho. Fiquei pensando naquelas histórias de gente que esquarteja alguém e guarda no freezer. A história era sempre a mesma: morte, esquartejamento, pedaços do churrasco humano no freezer, viagem do esquartejador e falta de luz. Os vizinhos passavam a perceber o fedor insuportável de uma carne apodrecendo (só pode que carne de gente fede mais que de churrasco), chamavam a polícia e creu. O assassino era descoberto. Um freezer vazio combina também com sacos de plástico cheios de dólares. Mas eu não tinha nenhum.



segunda-feira, 21 de março de 2011

cartas ao mago


Mago,



o mistério habita uma morada que transcende qualquer categoria do nosso pensamento. Chamamos esse grande mistério de Deus, com a pobreza da linguagem possível à nós, como já disseram os mitólogos por aí. Um mistério que poderia ser dito de qualquer outra forma, com outra eleição arbitrária de palavras, com qualquer outro mecanismo ou encadeação de letras que nos conceda a linguagem e os seus sentidos correlatos.

Mas é a necessidade de definir com a linguagem que nos faz assim incompletos, humanos. É essa necessidade de dizer/batizar/dar nome aos bois, que nos reduz.

Assim vivemos a experiência com o complexo: ao mesmo tempo em que pressentimos a existência de algo que não pode ser maculado pela linguagem porque distante dos 5 sentidos, também não nos contentamos em silenciar, vorazes que somos em dividir o conhecimento, viciados pela nossa velha vontade de poder, que é uma vontade de poder do intelecto pensante e que tem como ferramenta única a linguagem. Manipular essas duas necessidades humanas, faz com que nossa relação existencial se torne demasiadamente complexa. Uma complexidade que não pode ser capturada por seres que desde sempre tentaram a tudo definir sistematicamente.

Como disse Quintana, "uma definição só define o definidor"...

Quando temos a presciência de que algo existe além daquilo que podemos pensar e que mesmo sabendo, temos furtada a experiência com essa dimensão pela simples condição de estar vivo, percebemos que a verdade é um silenciar que interroga sem concluir. Afinal de contas, o que é aprender a viver senão viver simplesmente?

Por isso Mago, a tarefa de movimento a que nos incitam as interrogações como as que tiveste nessa manhã de ressaca, são armadilhas mortais porque querem esconder na interrogação um caminho em que a chegada supostamente revela uma solução. A complexidade é a parcialidade temporal de toda e qualquer solução. Ou ficamos presos no cotidiano enganador em que as respostas "existem", ou transcendemos, pairando no limbo entre o bem e o mal, para entender que o caos não é um adjetivo tão malévolo quanto se pensa. Nesse alcance, o caos, ao contrário do que se propaga, é a certeza de que tudo é nas circunstâncias limitadas do aqui e do agora, do ponto existencial, da onda (usando tua própria teoria).

Não há outra possibilidade de estar absolutamente vivo senão desse modo caótico, de braços abertos para os devires.

A poesia, meu amigo mago, é a única que pode nos transportar dentro das dimensões, pois faz a própria linguagem transcender. Na poesia as palavras deliram, já assinalou Manoel de Barros.

O mistério só chega a nós por meio de uma grande metáfora, mas quão difícil é perceber a multiplicidade de deuses, ou mesmo perceber que Deus ou os semi-deuses existem quando vemos um documentário humano sobre Jim Morrison. A metáfora aparece para contar a verdade e engana a todos que não querem, com exceção dos geniosos, uma verdade apenas exemplificada. Queremos o Deus dos deuses porque nos borramos de medo de que as divindades sejam complexas. O misoneísmo é o instinto/impulso a ser superado se o ser humano pretende avançar. E se esse é um postulado sobre as metáforas de validade possível, só posso indicar, amigo mago, que eleja arbitrariamente algumas poesias e que as leia com vagar, fazendo o salto de uma palavra para a outra, de uma frase à outra, como passos que conduzem ao caminho em que tem como resposta única o próprio caminho que se descortina.



sexta-feira, 18 de março de 2011

OI, VAMOS TRANSAR? (parte 1)

Eu não tinha comido quase nada o dia todo. Fui driblando a obrigação de comer com uns tragos de refrigerante e uns pedaços de uma pizza borrachuda. Não sei como essas mulheres que querem emagrecer (quase todas) ainda não descobriram a dieta goles de bebida gaseificada-pedaços de qualquer comida-goles de bebida gaseificada – ad eternum.

O primeiro golão de refrigerante faz a base e já dá uma boa estufada na pança. Depois os pedaços de comida ficam boiando no estômago em cima do líquido com gás. O mata-leão é com o segundo golão de refrigerante sobre aquele bolo de comida mastigada que bóia no estômago. Dá pra ficar semanas comendo só isso e desse jeito. Claro que se você for uma usina de produção de merda que passa mastigando o dia inteiro, nem a minha dieta resolve e você tem que morrer empanturrado mesmo. Com essa dieta também se perde menos tempo mastigando. Já pensaram no tempo que a gente leva pra mastigar tudo que mastiga no interstício de uma vida terrena?

Quando anoiteceu comecei a tomar um conhaque vagabundo e aí sim que a fome passou. Sai de casa enconhacado. O mundo rodava. O álcool às vezes nos salva. E são poucas as coisas que nos salvam. Entrei num bar que tocava rock (inferninho) e fui direto buscar uma bebida. Sempre que se chega a um bar a primeira coisa que se faz é ir atrás de uma bebida. Não propriamente pela bebida, mas pra ocupar as mãos e se sentir menos idiota. Os que fumam sentem-se duplamente idiotas, por isso precisam ocupar as duas mãos. Uma com o copo e a outra com o cigarro. Seguidamente me sinto assim, duplamente idiota, crivado de humanidades.

Apoiei os cotovelos na barra do bar e fiquei esperando a garçonete me atender. Eu queria uma dose de conhaque (pra continuar na mesma vibração alcoólica) e uma caneta pra anotar uns recados que tinha recebido do submundo. Fazia tempo que eu tinha esse vício filho da mãe de anotar todos os “recados” que vinham das alturas e do mundo subterrâneo. Quando aparecem ficam me picando a alma, como enxames de abelha no meu pensamento que não vão embora até que eu os transcreva. Uma espécie de médium de assuntos irrelevantes, um condutor de mensagens de gente que já morreu (ou que ainda nem nasceu) e que não diz coisa com coisa. Essa minha missão depende sempre de uma caneta que eu nunca lembro de carregar. A caneta é a minha espada.

A vagabunda da garçonete não me atendia (sim a impaciência), e as abelhas ferrando com a minha calma. É estranho como as ideias brotam no pensamento como se fosse um bêbado que atravessa a frente do carro de chofre. Do meu lado (ainda na barra do bar porque a filha da puta ainda não tinha me atendido) estava uma mulher alta, cabelos encaracolados, saia curta. Ela era alta e tinha uma bunda bonita. É difícil achar mulheres altas com bundas que prestem. São raridades. Verdade que hoje já nem tão raridades assim com o império do silicone. Não me importo com silicone, seja onde for que se coloque. Se tivesse silicone pra aumentar o pau eu aumentaria um pouco o meu, que não é nenhuma anaconda da amazônia. Sejamos sinceros, que homem não gostaria de aumentar um pouquinho? O silicone e o viagra são as maiores invenções em termos de sexualidade desde o anticoncepcional. Mas pensando bem, o anticoncepcional, sexualmente falando, não presta pra nada. Não deixa nenhuma mulher mais gostosa, nem ninguém de pau duro. Invenções sobre sexualidade têm que ter propósitos ligados ao aumento do prazer e da fantasia, e não pra servirem de medida preventiva para que o mundo não exploda de tanta gente.

Perguntei à mulher de saia curta, alta e bunda bonita se ela tinha uma caneta pra me emprestar. Ela tirou uma da bolsa e disse que pegaria depois que voltasse do banheiro. Acho que não aguentou esperar pela garçonete que era uma lesma.

A caneta dela era boa. A ponta deslizava sobre o guardanapo. Parecia sexo com uma perereca bem molhada. Escrevi umas frases esparsas. Quando ela voltou perguntei quanto ela queria pela caneta (pra fazer um charme, lógico). Lógico também que o charme de galã de rodoviária não funcionou, mas pelo menos ela disse que eu poderia ficar com a caneta. Vi a possibilidade de ver aquela bunda pelada ir pro beleléu.

(CONTINUA)

terça-feira, 15 de março de 2011

cartas





Besta!

A verdade, que tem sido pra mim salvadora e vilã, é que desde que deixei o teu abraço lá na beira da lagoa, muito pensei em ti. Muito mesmo.

E enquanto eu pensava, percebi que era bom. Que era bom PENSAR em ti. Ficar pensando, e só. Porque quando eu pensava, a esperança sentava no meu colo como um cachorrinho de estimação que nos supre as faltas. Não uma esperança em relação a nós dois visto que um “nós dois” sequer houve, mas uma esperança em relação a tudo, à vida, ao mundo, ao meu existir, às manhãs que vão me obrigar à abrir os olhos enquanto o meu paraíso onírico fecha as cortinas. Tudo poderia ser bom, se tivesse a mesma aura que tinha enquanto eu pensava em ti.

Lembrei da tua risada de menina e toda a moldura de flores que enquadravam teu rosto em cada sorriso.

CLARO que eu via essa imaginura só e tão só na minha imaginação. Mas quem vai ter o topete de dizer que as imaginações não existem? Eu andava pra lá de Bagdá, é verdade, mas a questão toda é que EU VIA, via em cada sorriso teu uma tela. Um quadro desses feitos por quem entende do assunto da pintura: Chagall e companhia limitada. Então, que ninguém se atreva a dizer que o quê eu via era uma alucinação, porque se eu via, existia. Isso até pode nos ajudar a entender que as alucinações não merecem esse nome de batismo já que existem da cabeça de quem as têm.

Ontem, voltando do retiro das consciências livres, enquanto a estrada vinha diante dos meus olhos, desliguei o som do carro, com o ouvido cansado do barulho, a consciência toda pesarosa porque minhas sensações estavam longe de ti, fiquei lá, absolutamente sozinho no micromundo do carro, pensando em ti.

Num momento íntimo e abstrato que foi só meu e que, mesmo sendo só meu, foi também teu, porque no pensamento tu estavas.

E como pensar é estabelecer um projeto, cheguei a conclusão nenhuma porque, na bem da verdade, não sei se tu poderias ter sido a mulher dos meus sonhos mais coloridos, se poderia ter sido uma paixão de carnaval que não aconteceu, se poderá (agora no futuro) algum dia ser minha em algum instante ou se, simplesmente, o que passou lá no meio daquelas árvores mágicas, já passou, e eu sou apenas um sonhador que gosta de manter as puras sensações que sinto bem vivas na alma.

Foi mais ou menos isso que senti quando lembrei de ti.

Digo mais ou menos porque só podemos explicar as sensações "mais ou menos" mesmo.

Mais ou menos assim que as fotos traduzem os instantes. Lembra daquela nossa foto com os pés soltos e em comunhão no chão de grama?

Nossos pés ali, flertando, tentando algum entendimento. Apreendemos aquele instante na foto.

Meus pés sujos ao redor dos teus protegidos pelos tênis, aquele abraço de pernas, minha panturrilha nos teus joelhos, alguma coisa em mim que queria te proteger e que a psicanálise vai tentar explicar de algum jeito todo teórico, aquele momentinho de curar a alma, aquela pequena inconsciência que nos lembra que o amor é o grande rei da história e que,se talvez os cruzamentos do destino mirassem em nossas testas como uma arma de precisão da CIA com aquelas luzinhas vermelhas, assim como se o tiro fatal fosse paradoxalmente um prêmio, talvez assim, poderíamos ter provado com a ponta da língua o amor por meio do beijo que não houve.

Teve a graça dos corpos e a sincronia toda com a dança que fizemos no cobertor atirado na grama,

teve o churrasquinho,

teve o teu cheiro que era o perfume bom do teu shampoo,

teve o equilibrio na grama com meus calcanhares nas tuas ancas e as nossas 4 mãos pensando que eram 2,

teve o colo final e o "vamos fugir",

teve o roçar proposital dos meus dedos em ti,

teve o toque despropositado (?) no teu peito.

As mãos, confesso, queriam mesmo era encostar na tua pele quando disfarcei meu desejo com uma massagem.

Teve mais.

Mas o que mais teve é só nosso.

E essas coisas ficarão gravadas mesmo que a gente nunca mais cruze os olhares por ai.

Sabe-se lá o dia de amanhã!

Mas o passado, esse sim, é nosso.

(esse excesso de "enter" é uma denúncia de que a poesia foi inevitável)

O passado é a única coisa que podemos portar, para honrarias ou vergonhas ou vergonhas que são a causa das honrarias do presente.

Eu gosto do passado porque posso guardá-lo.

Acho que sou um colecionador de memórias. E as boas, como essa que tivemos, fica na seleta ala das memórias raras, que são aquelas que sabemos de antemão que não se repetem todos os dias, aquelas que se constituem de dias-exceção.

Vai ver os estados de exceção podem ser, além das guerras, também os dias mágicos. Vou mandar um email para o Cristóvão Buarque sugerindo a criação de uma emenda constitucional para acrescentar os dias mágicos como estados de exceção. Se der certo e se o destino nos aproximar as peles e os corações de novo, será decretado oficialmente, com chancela de alguma autoridade e tudo mais, o DIA DA MAGIA, que são esses dias raros em que temos a única overdose que não mata: a do amor e do afeto.

Puta merda.

Que memória.

Que memória lindíssima essa nossa. Vai ficar em mim durante toda a vida, vou lembrar de tudo que passamos mesmo quando eu tiver caindo aos pedaços.

E já concluindo sem concluir, posto que a memória é um cheiro que (volta e meia) volta, podes tu concluires que te amei, simplesmente.

sábado, 12 de março de 2011

projeto barba negra

Esses dias atrás resolvi deixar a “barba” crescer. Coloco aspas porque na verdade minha barba não é uma BARBA. Tenho uns fiapos de pêlo no rosto que não merecem (ou não me sinto merecedor) do título de dono de uma BARBA.

Resolvi deixar os fiapos à vontade pra ver no que dava. Claro que, pelo tamanho da escravidão em que vivemos, permitir essa liberdade dos fiapos da cara é uma subversão, afinal, com exceção dos subversivos (os para quem FODA-SE o resto), só podemos ter barba se realmente tivermos uma completa/fechada/sem falhas. As incompletudes não são muito bem aceitas, bem sabemos. Barbas falhadas, assim, são FALHAS da natureza e, portanto, devem ser desprezadas tal qual os bebês que nasciam sem uma perna ou com uma cabeça cheia de água e eram atirados no abismo pelos próprios pais na antiguidade. Uma barbicha de mendigo, dizem, pega mal para um adEvogado.

A experiência me surpreendeu quando, no decorrer dos dias, percebi que eu realmente TINHA uma barba. Rala é verdade. Os pêlos iam nascendo tímidos, com uma preguiça filha da puta. Pensei em desistir porque realmente estava ridículo. Ponderei que o carnaval estava próximo e mantive o foco. O carnaval é um tempo em que se pode ligar o foda-se na temperatura máxima, inclusive um adEvogado como eu. Tive a certeza de manter o projeto barba 2011 quando, no carnaval, escutei de umas meninas: “homem = a barba”. Mesmo sabendo que elas são exceções já que a maioria das mulheres acha que os ácaros dormem embaixo da barba, que barba espeta o beijo e o sexo oral, que barba é suja e isso e aquilo, dei ouvido às meninas. Sempre dou ouvido às exceções. Elas, por serem exceções, acabaram se tornando, do dia pra noite, minhas amigonas. 3 grandes pessoas.

Talvez a tentativa de ter uma barba representasse a materialização do meu estágio final de ser homem. Essa condição tão reclamada pelos ecos ausentes dos “outros”, esse grande fantasma que nos assusta sem existir. Nós TEMOS que virar homens, construir nosso próprio iglu, caçar com as próprias garras. Nas tribos da putaqueopariu, os aborígenes adolescentes tinham que carregar uma capivara morta, pesadíssima (que deve ser uma coisa absolutamente cansativa), para que pudessem portar a insígnia invisível de ser HOMEM. O ritual do tornar-se homem aparece de todos os jeitos em todas as historietas da civilização e hoje, capivaras à parte, a coisa continua pesadíssima.

Chega uma hora em que somos incitados à equação liberdade-responsabilidade. Tomamos um coice na bunda e temos que caçar sozinhos o antílope que corre a 90km por hora na savana, como uma espoleta tresloucada.

Para nos tornarmos homens de acordo com o protótipo de homem que perambula por ai a coisa é mais ou menos assim: futebol, carros, cervejas até que se possa alcançar com o dedo na goela, coçadas (in)conscientes no saco pra demonstrar que TEMOS o instrumento, peidos entre os amigos (quanto mais fedorentos melhor), ímpeto de sobreviver na selva caso um boing 373 caia na selva e você seja o desgraçado que não morreu, especialidades hidráulicas, especialidade em consertar persianas que são um produto feito pelo diabo, especialidades elétricas pra saber se dá pra encostar a porra do fio vermelho no fio azul e vice-versa, especialidade com aquela máquina de furar paredes de concreto para depois pendurar quadros, especialidade matemática pra calcular AONDE enfiar o parafuso para que o quadro não fique torto, especialidade em desentupir vasos e em instalar chuveiros (eu só sei trocar do verão para o inverno). Lá no Rio Grande temos ainda que fazer churrasco, se a carne for de Capivara (um animal de caça – e ai eu pergunto: qual animal não tem que ser caçado antes de virar churrasco? Se eu fosse uma vaca e soubesse que ia virar churrasco iam ter que me caçar), se o assador assar uma capivara, mais CÔNAN ainda. Isso sem falar nas qualidades mecânicas. Esse ano o amigo Matz me ensinou a fazer a tal chupeta de uma bateria para outra, quando a outra acaba porque a gente chega podre de bêbado em casa e deixa o som do carro ligado. O problema é que eu já esqueci como faz, então, amigo Matz, por favor envie o passo-a-passo sobre a chupeta de bateria. Só lembro que é um tal de engata o cabo esquerdo no azul, o vermelho não sei onde, liga o carro x antes do y (qual agora?) e fincalhefogo na acelaração. Se eu fizer hoje incendeio os dois carros com certeza.

Quando eu era pequeno perguntava pro meu pai porque os pêlos nasciam no sovaco dos meus primos e não em mim. Ele dizia que era uma questão de tempo, pensava em como seria útil se ele pudesse passar pra mim os chumaços que tinha em excesso no saco. Ele dizia que também tinha sofrido com a falta de pêlos quando era menino e ia cobrar lateral no futebol da vila, sem um puto pelo embaixo do braço, aquela calvície no sovaco exposta pra todo o time.

Meus pêlos acabaram nascendo como meu pai tinha prometido. Quando andava todo orgulhoso dos meus chumaços ao redor do pau, a minha primeira namorada pediu que eu desse uma aparada nos pentelhos. Obedecendo a patroinha, passei a tesoura e encurtei os pêlos pra deixar a região mais higiênica. Apesar da tristeza inicial, acabei me contentando quando percebi que cortar os pêlos dava a sensação (falsa) de que o pau ficava maior. A partir de lá, sempre aparo pra ficar me enganando. Mentiras sinceras interessam, grande Cazuza, ainda mais quando se trata do tamanho do pau. (a única coisa que não dá pra aguentar é quando as mulheres falam “mete teu pauzão”... quando o cara tem certeza de que a única coisa que não tem é um pauzão, isso é realmente broxante, antes de dizer uma asneira dessas, melhor que fiquem só no óóóóhhh, úúúúúhhh, ááááhhhh). (acabei de perceber que as vogais “e” e “i” estão excluídas dos grunhidos do prazer).

Mais tarde, uma outra namorada pediu pra eu raspar com gilete todos os pentelhos. TODINHOS. Dizia que era pra ficar lisinho. Eu, sempre muito obediente, raspei. Meus amigos me escutem: NUNCA FAÇAM ISSO. É uma agressão, um atentado aos direitos humanos, uma chacina. O vermelhão que ficou foi tenebroso. Todos meus anticorpos foram para perto do pau achando que era a 3ª guerra mundial e que a gilete era a bomba atômica. Depois, quando os pêlos começaram a nascer, as pontas pontiagudas que não tinham espaço pra nascer livres porque a cueca não lhes dava o espaço devido, acabaram entortando e encostando na pele. Resultado: uma coceira filha da puta! Mas filha da puta MESMO!

Harmonizado o tamanho dos pentelhos, faltava vir os pêlos do peito. Esses demoraram. Quando os meus terminaram de nascer, nasceu a moda de raspar os pêlos do peito. Aí não entendi mais nada. Como não sou muito de me adaptar e como minhas experiências com raspagem são péssimas, mantenho os pêlos do peito até hoje. Meninas do carnaval: homem = a pêlos no peito também?

Nessa odisséia, chegou a vez da barba. Que experiência ver a barba nascer. Até ando levantando com mais entusiasmo, só pra ver se ela cresceu durante a noite. Mas hoje vou tirar todo o cultivo dos últimos 20 dias. Vou raspar todos os fiapos. É que hoje a lua está na fase crescente, então vou tentar essa nova estratégia.


sexta-feira, 11 de março de 2011

a obesidade do passado


O passado é uma velha gorda, imensa, daquelas tipo Guinness Book, 450kg de pura banha, que não consegue sequer ir da sala para o banheiro, que não sai do lugar nem com macumba, mórbida, um exemplo do que NÃO fazer para filhos e netos e bisnetos e tataranetos. Como os acertos se projetam para o futuro, o passado é sempre um exemplo do que NÃO fazer. E os nãos ficam lá, gordos e imexíveis, com aquelas varizes que dão nojo de olhar, presos na fragrância da nossa memória. 



   

quarta-feira, 9 de março de 2011

confesso que pensei

Ultimamente tenho lido muito os escritos do Bukowski. E fico pensando nele durante boa parte do dia. Vai ver é uma paixão, daquelas arrebatadoras. Fico pensando na vida que ele teve que levar, ou melhor, que ele levou, porque não TEVE que levar a vida que levou, mas sim, OPTOU pela vida que levou, o que é MUITO diferente.

O dever que se esconde na conunção “TEVE QUE”, é algo que rouba nossa dignidade e que nos afasta da própria individuação, essa palavra com a qual Jung batizou o processo de iluminação do inconsciente. O processo de autenticidade idiossincrático. Aquilo que teremos que passar se quisermos ser aquilo que REALMENTE somos e que se esconde atrás daquilo que parecemos ser.

A dignidade da vida de cada um, tendo a individuação como uma condição, é vizinha da autenticidade, da existência sincera que levam aqueles que não podem viver alheios de si mesmo. (Fiz uma massa com molho de creme de leite a uns dias atrás e o fedor que se espalha pela casa é tenebroso).

Meditando sobre a passagem do velho e morto Buk pela terra, dá pra pensar que uma vida “digna” não é, na verdade, muito digna. Isso me desassossega uma barbaridade porque fui criado pra ter uma vida digna entre aspas. Aos olhos do mundo, o Buk foi um beberrão de merda que só “prestou” porque escreveu e acabou virando escritor, que se torna uma insígnia de dignidade apenas depois que se tem livros escritos. Nesse sentido, foi a escrita que salvou ele, mas apenas dos olhos de aço dos outros porque ele esteve salvo e livre desde o início já que nunca esteve preocupado com porra nenhuma, se lixando mesmo, cagando e andando.

Lembro inevitavelmente do Bukowski porque acabei de sair do tribunal. Fui até lá participar da palhaçada toda, do teatro de títeres sem cérebro, com o pessoal que ficou com a cobertura e os camarões fritos na torre de babel. Conto como foi: os cidadãos de "bem" iam “julgar” causas (eles, os JUÍZES com a caixa e o nariz alto) e eu supostamente “defender” uma das tantas causas. Uma grande cena. Uma historia da carochinha. Todos com a certeza inabalável da sua grande importância na sociedade (...contribuindo com sua parte para nosso belo quadro social, pra não esquecer do Raul). Todos, inclusive eu, com uma capa preta sobre os ternos e terninhos delicadamente lavados na lavandeira. Batmans do Direito prontos pra salvar Gotan City. A coisa mais imbecil desse universo.

Como o ser humano é doido por uma pompa, por um espaço destacado, todos querendo apenas empanturrar o estômago da vaidade: uns acham que aparecer é ter dinheiro (vaidade pura); outros acham que aparecer é ficar famoso com o Big Brother ou fazendo artes ou escrevendo livros (vaidade pura), outros querem aparecer isolando-se numa montanha com a certeza de que são mestres em meditação (vaidade pura), outros acham que aparecer é comer as pererecas que tem as mais belas donas (vaidade também), outros, ainda, pensando que os filhos vão ser o que eles não foram, fodendo a vida da gurizada só pra aparecer para os compadres e poder dizer que têm orgulho dos filhos quando, na verdade, o orgulho é do próprio rabo (vaidade de novo).

Da vaidade ninguém escapa, fato. É só olhar todas essas movimentações e fotos no facebook. Não que se deva condenar a vaidade, não mesmo, mas a porca torce o rabo quando a vaidade fica inflacionada e as pessoas acabam pensando que são espermatozóides que partiram do saco de Deus. E antes que alguém me julgue, saiba que me incluo na constatação, já que isso não é uma crítica. O silêncio dos que apenas ouvem diz mais que os ecos dos que gritam por ai, digo isso porque as vezes me escondo no próprio silêncio e percebo que sou igual aos que gritam. Queria ser mais silencioso, mas, as vezes, falo demais e me ferro. Mas essa vaidade, voltando à ela, é a velha vontade de poder que o grande Nietzsche já constatou em 1800 e pedrada, ele que conseguiu ir até o inferno e voltar de lá são, salvo e com o mapa que leva até o tesouro de ir até o inferno e poder sair de lá vivo e olhando tudo de um degrau mais alto.

Alimentamos nossa vaidade com a mesma voracidade de uma hiena que acaba de caçar um antílope azarado na savana. Lá no tribunal, todos pensavam que eram importantes porque definiam a vida das pessoas, modificavam a sentença do juizico da primeira instância, os rumos dos processos. Tudo em direção ao bem da nação, da justiça e da igualadde, da proteção dos valores blábláblá.

Cruzei o olhar com um dos juízes. Era um cara novo, uns 40 anos. Detivemo-nos no olhar por 2 segundos. Ele me olhou com um sentimento nos olhos que não sei o nome. Um estranhamento misturado com medo e pedido de socorro (este último de nós 2). Parecia o olhar de um enjaulado que estava feliz por poder ver a mulher no final do dia de trabalho. (A felicidade de um preso prestes à receber visita íntima?) Pensei na certeza que ele tem em relação à dignidade da vida que leva. Como a vida é dele, que fique com essa certeza até o final (mesmo que em geral não seja isso que aconteça). Mas a vida dele, me diziam os olhos, era tão estática que me secou por dentro. Lembrei da crueza do lobo da estepe que aparecia para o Hermann Hesse. E em mim se fez um deserto. O deserto da falta de sentido. Ele, o juiz-grande-horizonte-de-todo-estudante-de-direito, ali, prostrado, seco, com os olhos mortos e sem brilho, com vários mil reais na conta corrente todo mês, filhos educados pra ter vários mil reais na conta todo mês, uma mulher honesta que goza numa só posição, churrascos premeditados com a sogra epilética, natais iguais até morrer, processos, processos e mais processos, causas jurídicas sem gente humana envolvida, uma TV led na sala e a mulher com dor de cabeça na cama lendo a CARAS, a filha usando ecstasy na rave e ele sem saber aonde “errou”, uma casa na praia que vai ser vendida depois do divórcio para um narcotraficante cheio de plásticas quando a mulher achar alguém que faça ela gozar em duas posições, aquilo tudo ali, materializado naquele cidadão que acha que a prescrição (um instituto inventado pelo Direito) visa a paz social. O importante julgador ali, com a vida desértica em meio aos purificadores de água. Paralisado. Morto. Fétido mas perfumado com perfumes caros comprados no free shop. Enjaulado. Escravo da rotina, do dia-a-dia. Do pão nosso de cada dia que ele compra na padaria quando sai do tribunal. Daquelas charlas miseráveis dos outros advogados idiotas como eu que iam se pronunciar sobre outras coisas estapafúrdias.

Não nos entendemos naquele olhar de 2 segundos (sabem como é isso né?). Tão encapsulados que estávamos nas roupas e naquela bata preta do batman que vai julgar os malfeitores de Gotan City e trazer a paz de volta com a prescrição. Antes de pronunciar as asneiras que eu ia falar, peidei baixinho, sem nenhum cheiro ruim, passando despercebido. Fiz uma prece rápida ao Bukowski com uma rápida lembrança, pedindo que ele me desse sapiência e paciência, acho que acredito mais em Deus quando penso no Bukowski, e talvez só ele poderá entender o sentido de divino de que eu falo. Comecei o trololó. E lá pelo meio da minha engravatada exposição, blábláblá vai, blábláblá vem, mais um peido mudo. E todos os meritíssimos com caras seríssimas olhando pra mim, sem nem imaginar o que se passava por baixo da bata preta.

sexta-feira, 4 de março de 2011

quarta-feira, 2 de março de 2011

doces demônios que se riem de mim


Queria uma poesia, mas era uma burocracia toda engessada que me tinha.

Queria ouvir a chuva deitado na cama, ver as nuvens andarem mansas pelo céu cor de fumaça, mas tive que estar sentado, bonitinho, gel no cabelo, o campeãozinho de merda, aquela aura de falsidade no ar. Costas retas, seguindo as normas da boa saúde, como se fosse tirar uma foto 3 x 4 pra documento importante, com aquela cara de cú, com uma vassoura invisível enfiada no rabo, costas retíssimas, pra parecer que existia (com)postura.

Queria gozar, mas tive preguiça.

Queria ver o futebol na TV, mas dormir 8 horas era essencial porque fico um trapo no outro dia se não.

Queria comer, comer de verdade, mais pra preencher possíveis vazios do que por fome propriamente. Mas que tanto de panelas e coisaradas se usa pra comer. E toda aquela podridão depois fedendo na pia. Acabei desistindo. Comer até nem cansa tanto, mas preparar a comida é um saco. E como preparar a própria comida é a única maneira de ter certeza sobre a comida que se come, não tinha solução: melhor era não comer.

Queria estar mais livre, mas tinham os prazos, improrrogáveis, sem choro nem vela nem lágrimas nem cera de vela, exatos como a matemática, totalitários. O mundão-véio-sem-porteira (e sem jeito) como uma máquina pré-programada. Assim como as pessoas, todas engrenagens da máquina. E o pior é que quase ninguém percebe que é uma parafusetinha. Estive enganado achando que perceber é uma vitória. Não é. É apenas um calo a mais. Mas todos, quase todos, vivem sem perceber. Ou percebendo quietos e me enganando. Ou só sonhando com a relaidade e depois esquecendo quando abrem os olhos para o alvorecer de mais um dia. Ou até mesmo lembrando dos sonhos, mas sem contar pro defunto que acorda ao lado na cama. Olhe pro defunto que acorda do seu lado caro leitor, se ele já parou de respirar é hora de enterrá-lo.

Queria a dança (com Deus e com o Diabo), mas sobraram reuniões e compromissos com gente séria. Serissíssíssíma. Gente de bem. Honesta. Com foco. Trabalhadeira. Orgulho dos avós. Dos vizinhos. Da ONU. Da putaqueopariu.

Até que o quê eu queria se transformou em vilão. E meu destino avisou: “se liga malandro, a rapadura é doce e é mole. Mas mesmo assim, teus dentes vão cair. Todos eles. Daqui a 100 anos. Todos eles, um por um, tragados pela terra.”

Percebi o eco do querer. E querendo o que eu quero, vou vivendo. E até digo: “puta merda, eu to vivo, VIVO”. Me sinto pequeno quando percebo que estou vivo. Participando da vida. No contexto da coisa toda. Sentindo as sensações dos olhares alheios e toda essa grandiosidade do relacionar-se com outro ser absolutamente frágil e incompleto como eu. Viver é grande demais. E logo percebo que aquilo que antes eu queria, não pode ser. Sim, não pode. E não pode porque se espalhou nos meus músculos como uma anestesia geral. E fico vivendo no apagão dessa anestesia geral por uns instantes.

Acabo perdoando o meu destino. Percebendo que minha queixa era só uma respiração. Me perdoando por ter pensado que MEU destino ME desrespeitou ou traiu. Não me culpo, então e depois desse rebote da minha consciência que refrata minha autocrítica. Acerto as contas com meu destino, passo a régua. Por que não tem muito que se fazer quando tudo ainda está por ser feito.

terça-feira, 1 de março de 2011

mortalhadosvivos


Tua graça flertou com a morte.
E por ela seduzida, em ti , fez-se o riso.
Teus rodopios tétricos,
de braços soltos e frugais,
eram uma xícara de chá quente no inverno dos meus olhos.

A unidade madurou como em deslize,
mais rápida e una que as frutas nos galhos.
Nascemos dentro um do outro,
mas sendo íntegros em cada um de nós.

Fomos abençoados pelo beijo da morte nos teus lábios,
que não levou-te porque, no beijo vosso, evitou-se a língua.
E a morte;
maternal como os abraços,
sedutora tal beijos de olhares,
amante dileta e fugidia do mundo,
foi nosso cupido,
a que pode nos deixar mortos de prazer,
bem ali,
na mortalha de lençóis suados da cama.