quinta-feira, 31 de maio de 2012

Educação hermética



A educação é um procedimento, uma maturação, uma paciência, um estado de latência que precisa da calma para que alguma erupção seja possível. Aprendi com Warat que a sensibilidade foi prostituída pelo Direito. Já cheguei a tirar a maiúscula do Direito. Chamava o Direito de direito, com todo o desprezo inútil que a repulsa me trazia. A possibilidade de cura, de resgate, de renovação e de transcendência, me moveu para as montanhas e para os infernos escuros. Peguei carona com a sabedoria hermética, esticando uma corda invisível entre a arrogância e a mais suave humildade. E caminhando como um equilibrista num abismo de sentido, fui. Warat sempre acenou, sem porém mostrar. Todo mostrar é uma castração. É como uma nudez escancarada que nos broxa a alma. Sidarta de Herman Hesse me ensinou que o caminho final, não pode ser ensinado. Que não há doutrina ou narração prévia para o caminho de ouro que aguarda e que guarda a resposta que é própria de cada um que a ele se aventura e se dispõe com a gana de um guerreiro, com o desapego de um peregrino e com a interrogação posta nas vistas. 

O Manifesto do Surrealismo Jurídico de Warat foi um texto importante. Aprendi o valor pulsante do respeito ao inconsciente. Aprendi que a sensibilidade ensina tanto quanto o pensamento. Aprendi que sem dor não há criação, e que sem criação não há possibilidade que valha a pena se os destinos forem altos, onde o ar é rarefeito e calmo. Percebendo, com o vagar da meditação de um vinho e de uma visita de Vinicius de Moraes, noto que o aprender é um desaprender, como alguém já disse. É trocar a certeza que não é nossa, por uma certeza que, por infinda construção, nunca é uma certeza merecedora de um "c" maiúsculo. A possibilidade de permitir o intertexto e o plágio sensível sem o cancro da culpa, foi um presente mágico. 

Quem pretende educar precisa, sobretudo, se desvincular da culpa. Quem educa deve se des-culpar. Esquecer a obrigação, por um querer bem propositado, que é sempre um propósito que vem do coração...de onde mais poderia vir? A acadêmia de Direito tem formado máquinas, andróides moribundos. O animal racional, deixou de ser animal, para se tornar um mecânico racional. Um operador que só conhece a solução com o scanner da inteligência artificial, como esses mecânicos artificiais das concessionários de hoje. Se a tecnologia nos facilitou a vida, no mesmo grau e fundura também nos assassinou o pedaço bicho. Um I-pad e um bom coração farão milagres no futuro, eu sei. O ser-bicho do ser-humano foi condenado em praça pública. Levado à forca pela história da indústria, pela overdose que é uma tão própria reação humana para com todos os seus entusiasmos juvenis. A tecnologia foi um entusiasmo. E hoje há o arrependimento de um traidor que só é traidor porque agiu sem amor. As possibilidades da técnica e do uso da razão técnica, como um viagra que levanta um pau morto, maquia a natureza, a aceitação do estado. 

O Direito como gnose autorizada da razão moderna, pegou carona com o processo educacional que se iniciou com a proposta de evangelização universal da primeira Igreja Cristã no medievo. A onipotência do Deus católico se estendeu às Uni-versidades. As Uni-versidades inventaram um padre secular e a ele deram o nome de professor. E o professor, de lá pra cá, teme a perda do emprego e a sua potência educacional, como os padres temiam o sopro de fogo do Diabo e a perda da possibilidade do paraíso. O paraíso do professorado é manter a quantidade de horas-aula e assegurar que nada escape do auto-polígrafo criado por eles próprios... que é velho como a bengala velha de alguém que já morreu e ainda não sabe.

Mas é que o estudante de hoje, que é o presente da história que se propõe a perder a novela, a convivência com a família e a vagabundagem, já é um produto-transcendente em relação ao modelo de educação do qual muitos ainda se valem como esconderijo. O autêntico estudante de hoje - falemos dos autênticos para poder construir projetos - sabe mais que qualquer professor, porque sabe que só saber é apenas metade do caminho. Sabe que precisa achar o seu caminho, se pretende integridade de corpo e alma, de seu masculino e de seu feminino, para ser anjo. Sabe que precisa de pistas para encontrar a comida que mais agrade seu paladar exigente, e não de regurgitações teóricas e outros vômitos. O estudante de hoje quer fruta fresca, sabe que o futuro lhe cobrará criatividade, inclusive de seu próprio paladar. Sabe que terá que ser referência - não a de alguém, mas de si mesmo. 

A carne, o choro, a meditação, o abraço - eis o que se inconscientizou no Direito. A tábua de esmeralda, imaginura que compõe o quadro de trânsito de Hermes Trismegistus - deus da mitologia grega -, demonstra que o caos raso é o primeiro passo depois do nada. Para ser mais que nada, é preciso sobretudo admitir a desordem como condição, perceber que é preciso cagar nas próprias fraldas e cheirar a própria merda para depois aprender o caminho do vaso. A pureza de um bebê permite o cheiro da própria merda. Depois do caos, a tábua de esmeralda indica que a  maturidade da consciência é o lugar privilegiado do maniqueísmo. O maniqueísmo, que se aurora como uma pepita bruta de ouro, deve brilhar pelo polimento do tempo. O tempo e a paciência com o próprio engatinhar do espírito, dão o lustro para que o ouro brilhe. As duas pontas da oposição flertam, se aproximam, quase se beijam. Tocam lábios sem a cena da língua, sem o trejeito do movimento de cabeças e a invasão do outro com a língua. Na tábua de esmeralda as serpentes se entrelaçam sem contato de cabeças. O beijo que o espírito dá com a sua integração e com a sua potência é um beijo sem língua. O distante maniqueísmo de antes é agora uma grande zona gris, é a grande porção da curvatura de Gauss. É mais sim e não do que certeza. Onde está luz, se esconde a sombra - percebe o jovem asceta, que está pronto para a transformação, para a ascendência, para a nova consciência, que não é nem boa, nem má, mas outra. A possibilidade de ser outro, é o que de melhor podemos desejar a alguém e ao mundo. A lei de Hermes é supraconstitucional, e não pode ser conquistada nem com o pensamento, nem com a técnica. Nem com a velocidade deste tempo doente, nem com amores que tem mais medo que vontade. Nem com nenhum professor que não saiba largar a mão de quem se propõe a educar, seja por usá-la como apoio contra sua insegurança, seja pela cegueira do seu falso poder.  

domingo, 20 de maio de 2012





Um queijo.
5 litros de água.
Uma coca-cola de 1,25litros.
2 lâmpadas fracas.
Pipoca de microondas.
Uma garrafa de vinho para o amém.
Bacon picado, pra evitar a fadiga da picação.
O kilo de açúcar do semestre, talvez do ano.
Uma barra de chocolate.
Um detergente.
4 rolos de papel higiênico.
Na revista Contigo as informações da novela.
Antes do caixa, as últimas seduções.
Um grande sistema de sedução pelo consumo.
Andar no inferno sem olhar no olho dos demônios:
a conduta do bom consumidor.
Tudo no débito.
As sacolas serviriam para o lixo.
Aquelas embalagens todas também.
As comidas também.
O futuro daquilo tudo viraria lixo.
As atrizes da Contigo eram maravilhosas e impossíveis.
O que as tornavam mais maravilhosas.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

o equilíbrio dos equilibrados



Existe uma facção da mediocridade que é impossível de se aturar: a dos medíocres equilibrados. Com os ingênuos, ser ingênuo é até lúdico. Os poderosos da superfície são bons de se observar. Mas os medíocres que não tem nada além da própria vida são como a tristeza de um luto, são monótonos como a morte. Em geral são síndicos, não fazem plágio, sempre usam camisinha e se orgulham dos próprios pais e dos próprios filhos, que é pra disfarçar o enorme orgulho que sentem de ser quem são.

Piedade





Queria pedir que tenha piedade.
Queria pedir que me peça perdão.
Queria poder perdoar.
Queria também pedir perdão.
Queria que você morresse: por dentro, por fora e em volta, mas de mim.
Queria que minha palavra não fizesse curva.
Queria promessas de cobertor.
Queria resposta, explicação, um depoimento comprometido.
Queria ao menos uma defesa contra esse assassinato.
Queria olhos nos olhos, com almas em acordo de paz.
Queria ser direto, exato, matemático.
Queria a fórmula da equação.
Queria não fazer poesia.
Queria receber alguma.
Queria ser um plágio que fala sinceridades.
Queria verdades transitórias com mais horas.
Queria um velório que não tivesse fim.
Queria um trevo que dividisse essa estrada.
Queria deixar a luneta da observação.
Queria o cheiro mais que a observação.
Queria o sentido, mais que a narração.
Queria reverenciar um túmulo no dia dos mortos.
Queria levar uma rosa única, e deixá-la fria numa garrafa de plástico.
Queria entender a utilidade do artificial.
Queria essa arma longe da minha cabeça.
Quero pedir que tenha piedade.

terça-feira, 1 de maio de 2012




De olhos abertos, o Chico já é um feriado nacional.