terça-feira, 30 de março de 2010

Contos Imediatos XIV


O COPISTA

Primeiro falavam, e com o tom que era meu, copiei as sílabas. E as sílabas se casaram.
Logo depois pude ler, e copiei a pose, me entrevando na escrivaninha iluminada.
Mais tarde ensaiei uns versos retalhados, e de novo copiei: o jeito, a simetria, a rima. E por falar em rima, rimei caminhão com coração, que era, com certeza, uma cópia cheia de teias de aranha.
Quando morri continuei copiando. E copiei o tipo de morte que eu morri, afinal, muitos já tinham morrido daquela morte, e já nem eu sabia se era eu que copiava ou se os outros é que preludiaram a morte minha.
Depois reencarnei, e aglutinei em páginas montes de letras sozinhas, e copiei uns quantos espíritos tortos. Escrevi em muros algumas ideologias sem força, escrevi em páginas brancas com e sem linhas, escrevi na areia alguma coisa que o mar levou, escrevi nas nuvens com jatos supersônicos, escrevi nas cascas das árvores amores epocais. Escrevi uma história melhorada de mim mesmo, escrevi de outros que nem sabiam existir, escrevi dos idos. Escrevi até sem escrever quando aprendi sobre energias, saudoso de quando escrever era sentar com lápis de cor na escrivaninha iluminada mais o leite com nescau. Escrevi tudo em tudo...tudo, porém, sem nenhum ineditismo.
Quando publicaram toda aquela catrefa de palavras pessimistas - que viviam bebendo para esquecer seus próprios esgares -, temperadas por cima com algumas palavras sãs; copiei a história. E tudo foi ao fogo lançado.
Também copiei o fogo que me matou pela segunda vez. Antes de morrer essa vez, saí pingando em chamas, deixando pelo chão cada pouco de onde eu vinha. Não lembro bem o que depois sucedeu. Não lembro se cheguei a morrer de novo, nem o que eu escrevia, se é que escrevia. O que lembro é que tudo se repetia, como uma cópia da história do mundo que me vivia.


PFF

segunda-feira, 29 de março de 2010

sexta-feira, 26 de março de 2010

Fala Baron!


O divertido da vida é reconhecer nossas minúsculas dores e nossas fajutas delícias nos outros!


Baron de Condesexto
Ps. Das duas uma: ou o Baron adorava os discos da Elis ou a Elis lia muito todos os livros do Baron!

Nardoni X Fernandes da Silva

Notícia de janeiro de 2008:

Os irmãos Evandro Jefersson Freire da Silva, de 3 anos, e Luíza Freire da Silva, de apenas um ano, foram sepultados na manhã desta quinta-feira (31) no cemitério do Bom Pastor II, na zona Oeste de Natal. Os dois foram mortos pelo próprio pai, o servente de pedreiro Evânio Fernandes da Silva, na madrugada desta quarta. Os enterros foram marcados pela comoção e pela revolta. [...]



Fonte: http://www.nominuto.com/noticias/policia/comocao-e-revolta-marcam-enterro-de-criancas-mortas-pelo-pai/11406/

Pergunta-se: será que a Globo foi cobrir o júri do Fernandes? será que o César Trali foi assistir o júri do Fernandes? será que os jornais, os críticos e os meios todos noticiaram o caso Fernanades? será que o Fernandes tinha algum vínculo com a Record já que não apareceu na Globo? será que a Globo e a Record esqueceram dele porque tinha saldo bancário irrisório? será que para quem mata os próprios filhos tem saldo mínimo para aparecer na televisão? será que o Fernandes morava em um condomínio de luxo com telinha para proteger as crianças de quedas acidentais? será que o Fernandes, embriagado que andava pra matar a criançada, tomou Amarula ou pinga? será que o Nardoni tomou pinga ou Absolut com Red Bull (o néctar da primeira classe)? será que o se Nardoni for absolvido vai participar do BBB 11? será que existe divisão de notícias entre o Bonner e o Datena? será que o Fernandes não apareceu na Recordo porque quando bebe pinga (ou amarula) vira ateu? será que o Nardoni procurou a defensoria pública? será que os jurados do Fernandes também passaram um mini BBB jurídico de quatro dias, trancafiados no Tribunal de Natal? será que desde o caso Nardoni nenhuma outra mãe ou pai matou os filhos? Será que morrer atirada de um edifício é condição para beliche especial no céu das crianças que são mortas pelos pais? ...
Estou com todas essas dúvidas e outras que não consigo lembrar...me ajudem!

Poetica castellana


Este adiós, no maquilla un "hasta luego",
Este nunca, no esconde un "ojalá",
Estas cenizas, no juegan con fuego,
Este ciego, no mira para atrás.
Este notario firma lo que escribo,
Esta letra no la protestaré,
Ahórrate el acuse de recibo
Estas vísperas, son las de después
A este ruído, tan huérfano de padre
No voy a permitirle que taladre
Un corazón, podrido de latir
Este pez ya no muere por tu boca
Este loco se va con otra loca
Estos ojos no lloran mas por ti.

Del autor que Bini nos manda desde UMICH

quinta-feira, 25 de março de 2010



Com um elogio,
um pássaro que voa e some entre as nuvens.
Com uma crítica,
um circo de pássaros que nadam em canecas verde limão!

PFF

Drummond, tocando verdades

- O amor das formigas, você já observou o amor das formigas?
- perguntou Otávio a Isadora. Não, Isadora nunca observara o amor das formigas.
- Nem eu - confessou Otávio. - Aliás, nunca ninguém observou o amor das formigas - sentenciou.
- Mas os entomologistas...- ponderou Isadora.
- Os entomologistas pensam que observam - retrucou Otávio -, mas as formigas são muito discretas. Não são como os homens e as mulheres, que amam em público.
A conversa continuava nessa trilha de formiga, em zique-zague, quando uma formiga apareceu na ponta da toalha da mesa e foi subindo. Outra formiga veio em seguida. As duas caminharam às tontas, depois juntaram as cabecinhas num movimento elétrico, e se afastaram, cada uma para o seu lado.
- Você acha que elas se amaram? - perguntou Isadora.
- De modo algum - respondeu Otávio. -Trocaram sinais de serviço, apenas. E daí, querida, ninguém ama com a cabeça, é exatamente o contrário, a cabeça atrapalha.
- Pois eu acho o contrário do contrário - disse Isadora. - As formigas podem ser mais evoluídas do que nós, e amar acima do coração, de um modo perfeito.
Mas a conversa não conduzia a nada, e os dois tomaram chá.

Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 22 de março de 2010

Sobre continentes encantados...




Pergunta-se: pode uma flor nascer-se, nutrir-se e viver-se, embaixo da terra úmida e sabe-se lá por quantos decênios, em meio às minhocas e em ausência completa de luz solar e lunar, e'inda assim, quando escavada, sorrir como um tesouro que a mãe terra oferta à descobridores que sequer buscavam desvendá-la?

...

Viver é assim, um continente maior a cada nau lançada ao mar!
Ares que respiro, flor agora nua...obrigado!

domingo, 21 de março de 2010

Felicidade Clandestina

"Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil [...] É porque no fundo eu quero amar o que amaria - e não o que é."

Clarice Lispector em Perdoando Deus

sábado, 20 de março de 2010

Curso Livre de Teoria Crítica - UFPR


CURSO LIVRE DE TEORIA CRíTICA



22/03 a 28/06/10 às 19h


Sala de Atos

Praça Generoso Marques, 189

Centro - Curitiba, PR

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Informações

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C A P E S

DIREITO, FILOSOFIA E COMUNICAÇÃO

sexta-feira, 19 de março de 2010

Contos Imediatos XIII


PALAVRAS EMPAPADAS

Com os dicionários do futuro a coisa funcionava diferente. Às palavras não bastava simplesmente existir para que tivessem o são privilégio de pertencer à ordem mais cartesiana da linguagem engendrada desde a aurora do mundo. No futuro, ainda que se houvesse fixado a derrota das tolas dicotomias nas consciências, posto que o socialismo morrera de paixão e o capitalismo de afogamento, persistia viva a supremacia dos valores materializáveis sobre qualquer outra coisa na Terra, respirasse ou não. Assim, precisariam as palavras pagar a TP, a taxa de presença, para que pudessem figurar no grande rol que já não se sabia se seria de todas as palavras.

De cara, o “marxismo” se negou a pagar a quantia solicitada, alegando que o dicionário, além de amansar a cretinice dos desvalidos de intelecto, era um meio de produção dos intelectuais e, portanto, descabida era a taxa de ingresso. A “preguiça”, que andava perenemente indisposta e inebriada na mais cruel inércia, sequer cogitou levantar da rede que repousava para dar o ar da graça naquele distante amontoado de letras esquecidas nas prateleiras. O “escândalo” achou a normativa absurda, escandalosa, e prometeu nunca mais por o pé em dicionário nenhum. O “abraço”, como desprezava as finanças, pagou as rúpias devidas e mergulhou no sopão de palavras, abraçando o “carinho”, a “tolerância” e o “liberalismo” que, cada qual por suas razões, já estavam serigrafados nas páginas. A “palavra” não se negou a pagar a taxa, mas, sentido-se desde sempre a grande princesa daquele instrumento todo, solicitou um espaço especial. As outras palavras contestaram. O administrador, por decisão da maioria absoluta no plebiscito feito, resolveu que a “palavra” não teria nenhum privilégio sobre nenhuma outra, devendo permanecer postada entre os seus vizinhos de sempre, o“palato” e a “palavrada”.

A “palavra” não gostou da decisão, e retirou-se. Outras tantas também se negaram a pagar a taxa e abandonaram o dicionário. Terminado o trabalho, as palavras que começavam com “a” descobriram, entre conversas e chás de menta lá pelas letras “g” e “h”, que as palavras que começavam com “z” haviam pagado menos, já que figuravam na rabeira do elenco. Depois de conferências e uma total falta de consenso, todas as palavras iniciadas com “z” se retiraram. O alfabeto passou a terminar no “v” . E o dicionário nunca mais foi chamado como tal.

-

PFF

O silêncio das imagens - Scarlet Johanson








quinta-feira, 18 de março de 2010

Eduardo Galeano




O REI QUE QUIS VIVER SEMPRE


O tempo, que foi nossa parteira, será nosso verdugo. Ontem o tempo nos deu de mamar, e amanhã irá nos comer.
Assim é, e sabemos disso.
Sabemos?
O primeiro livro nascido no mundo conta as aventuras do rei Gilgamesh, que se negou a morrer.
Esta epopéia passou de boca em boca, faz uns cinco mil anos, e foi escrita pelos sumérios, pelos acádios, pelos babilônios e pelos assírios.
Gilgamesh, monarca das margens do Eufrates, era filho de uma deusa e de um homem. Vontade divina, destino humano: da deusa herdou o poder e a beleza, do homem herdou a morte.
Ser mortal não teve, para ele, a menor importância, até que Enkidu, seu amigo e mais amigo, chegou ao último de seus dias.
Gilgamesh e Enkidu haviam compartilhado façanhas assombrosas. Juntos tinham entrado no Bosque dos Cedros, moradia dos deuses, e haviam vencido o gigante guardião, cujo bramido fazia tremer as montanhas. E juntos haviam humilhado o Touro Celeste, que com um bufar só abria uma fossa onde caíam cem homens.
A morte de Enkidu derrubou Gilgamesh e deixou-o apavorado. Descobriu que seu valente amigoera de barro, e que também ele era de barro.

E se lançou no caminho, à procura de vida eterna. O perseguidor da imortalidade vagou por estepes e desertos,
atravessou a luz e a escuridão,
navegou pelos grandes rios,
chegou ao jardim do paraíso,
foi servido pela taverneira mascarada, a dona dos segredos,
chegou ao outro lado do mar,
descobriu o barqueiro que sobreviveu ao dilúvio,
encontrou a erva que dava juventude aos velhos,
seguiu a rota das estrelas do norte e a rota das estrelas do sul,
abriu a porta por onde entra o sol e fechou a porta por onde o sol se vai.
E tornou-se imortal, até morrer.


Extraído do livro Espelhos, de Eduardo Galeano

A não razão dos sonhos por Albano Pepe

Hoje, acordei com fragmentos dos meus sonhos noturnos vagando entre os neurônios. "vamos então interpretar tais sonhos-fragmentos, visto que eles são pistas do meu inconsciente", poderia pensar. Mas, por outro lado, lembrei-me de Benjamin que afirmava que antes de fazermos as abluções (purificar-se com a água, lavar-se antes das orações), devemos deixar que a memória dos sonhos acontecidos produza imagens, simplesmente, sem interpretações possíveis, sem buscar significados ou sentidos. Deixar apenas que a memória enquanto lembrança permita-se seu hiato, antes de transformar-se em memória enquanto esquecimento. Assim eu leio a recomendação benjaminiana: escutar os sonhos, os vislumbrar. Não interpelá-los, não colocá-los diante do tribunal inquisitório da razão que a tudo "explica", que a tudo devora e que depois joga fora como excremento.

Os sonhos, - já afirmava em textos anteriores - ocupam grandes momentos de nossa vida sublunar, nos fazem trilhar caminhos do incompreensível, do inapreensível, do inenarrável. Os sonhos são nossas verdadeiras viagens míticas através de dimensões que nosso corpo físico nunca atravessou, mas que nosso corpo astral atravessa todos os dias de nossas vidas, recolhendo fragmentos, resíduos mais consistentes que insistem em permanecer colados a nós. E assim recolhidos são atirados ao léu, ao acaso das outras dimensões que habitamos oniricamente.Dos sonhos, devemos guardar as experiências vividas no universo de Morpheus, que só tem sentido naquele não lugar, ou seja, onde os sentidos possíveis da memória onírica só serão encontráveis nele mesmo enquanto existenciais, não enquanto fontes de informações para a vida não onírica, a vida consciente como diriam alguns.
Creio que interpretar os sonhos seja como querer interpretar as vivências amorosas, pois no meu entendimento, tais vivências são fantasias, ficções que criamos e que ocupam lugares singulares, dimensões existenciais necessários a nós, humanos. Tais existenciais ligados rizomaticamente a outros existenciais, constituem-se em trajetórias únicas, para cada um de nós, dando forma e sentido à passagem humana neste espaço-tempo sublunar denominado Vida.

Tanto criticamos os antolhos positivistas das ciências que esquecemos dos antolhos que utilizamos para falar dos nossos existenciais, notadamente do tratamento que damos aos vínculos amorosos. Dissecamos os cadáveres amorosos com a mesma volúpia dos anatomistas. Queremos explicar como funcionam os órgãos (saudade, ciúme, carinho, afetos, desejos),como interagem uns com os outros, para assim definirmos suas patologias, seus males, suas fragilidades. Queremos mostrar o sofrimento, a perda irreparável, a dor lancinante que se apodera de nós quando amamos, quando perdemos o outro amoroso. Assim desdobramos a vida em pequenos dramas-comédias, para desta forma esquecermos a tragédia da solidão que nos confina desde sempre neste pequeno planeta que vaga no Cosmos.

Esquecemos que a Vida nos legou os sonhos, o mundo sutil das imagens não elaboradas racionalmente, o mundo onde as emoções conduzem nossas mentes, onde nossas extensões físicas (nossos corpos anatômicos) não existem. Apenas devaneios ausentes do mundo lógico e racional. É provável que ali seja a morada do vinculo amoroso, que deve ser tomado como um existencial indefinível, tal como devem ser os sonhos...

Extraído do blog Caminhos do Elefante de Albano Pepe

terça-feira, 16 de março de 2010

Contos Imediatos XII

FEMINANDO O FEMININO

Elvira tinha trinta e quatro anos. No auge da plenitude feminina, acumulava um filhote de três, um divórcio amigável com um rapaz bem de vida e uma introspecção de mergulhos em apnéia. Resolvida com suas sombras e sobre seu lugar de mulher no mundo, pensou ser pouco nobre esconder os segredos de ser mulher das outras tantas que não o sabiam. Fez uma placa luminosa, pregou anúncio nos classificados e anunciou nas rádios da cidade o inédito curso que se dispora a oferecer: “Como ter um pau menor que o dos homens: reaprendendo a ser mulher”. O curso era intensivo, quase um retiro. Na primeira semana havia mais curiosas (e curiosos) que alunos. O telefone não parava de tocar. Onze mulheres pagaram o irrisório valor cobrado para escutar Elvira, que deveras mais queria dar que receber.
Durante um mês inteiro, aquelas onze mulheres se dedicaram a cumprir os mandamentos de Elvira: enterraram suas raivas culturais contidas e deixaram brotar toda a sensibilidade escondida pela poeira dos novos tempos. Esqueceram da raiva canina de todo dia e perfumaram seus espíritos com lírios cheirando a mulheres jovens. Voltaram a ser mães atenciosas e amigas das filhas, que reaprenderam que às mulheres lhes cabe muito mais que o salto alto e a boca pintada. Também perceberam o engodo histórico: depois da submissão de antanho, a depressão de agora. E agora? O desejo eterno do gozo pela felicidade era impossível na cama redonda dos seresteiros sedutores e na quadrada dos maridos, afinal, nunca chegavam aonde queriam. Elvira ensinou a simbiose entre o ímpeto sexual e a materialização do amor, o equilíbrio das razões sensíveis nos vínculos conjugais, nos namoricos e no que mais se pudesse chamar os relacionamentos.

Das onze, quatro tinham filhos. À essas parecia que o mundo havia se resignificado pela carapuça materna. Essas quatro pobres mulheres substituíram toda doçura de ser mulher para alimentar o projeto de ser mãe. Afogaram as mulheres cheias de ternura que lhes habitavam o espírito para se tornar apenas mães. Às mães seguido lhes passa essa transfiguração conceitual. Elvira arrancou delas essa condição. As outras sete não eram menos pobres coitadas que as outras. Quiçá até piores. Vítimas de seu próprio tempo, em que ser mulher de verdade exigia demais. Não porque tinham que cumprir jornada dupla como mostrava a televisão dos insetos inconscientes, mas porque era necessária alguma nostalgia do feminino, uma visão de que sem a venenosa submissão, aquela mulher morta do passado seria a mais evoluída criatura do presente. Isso e muito mais, Elvira mostrou para suas alunas. Depois todas brocharam. Em cada uma atrofiou o pênis que a história contemporânea lhes outorgou. Ficou pequeníssimo, depois microscópico. Invisível. Sumiu. E no seu lugar nasceu uma flor sem nome.
PFF

Em recorte: sorrisos aqui e agora


As estrelas não deixam de sorrir porque sabem que o momento de sorrisos é sempre aquele único em que estamos a nos banhar por elas...


PFF

segunda-feira, 15 de março de 2010

Como la cigarra - Mercedes Sosa

"Tantas veces me mataron, tantas veces me morí, sin embargo estoy aqui resucitando...igual que sobreviviente que vuelve de la guerra."

domingo, 14 de março de 2010

Sobre o amor por C. G. Jung

Terminei de ler o livro Sobre o amor de C. G. Jung, e compartilho algumas passagens:



"É muito mais a incapacidade de amar que rouba das pessoas as oportunidades [...]"

"Todo amor verdadeiro profundo é um sacrifício. Sacrificamos nossas possibilidades, ou melhor, a ilusão de nossas possibilidades. Quando não há sacrifício, nossas ilusões impedirão o surgimento do sentimento profundo e responsável, mas com isso também somos privados da possibilidade da experiência do amor verdadeiro."

"Em sua maioria os homens sõ eroticamente cegos, na medida em que incorrem no imperdoável equívocoe confundir o eros com a sexualidade[...]"

"Ali onde predomina o amor não há vontade de poder, e onde há predominância do poder, não há amor. Um é a sombra do outro."

"Os homens podem procurar prostitutas e mesmo assim se gabarem de continuar sendo corretos; e as mulheres podem fugir voando com demônios e mesmo assim alegar serem esposas leais. Precisamos nos conformar com o fato de o mundo ser muito sério e ao mesmo tempo muito cômico."

"Para ter consciência de mim mesmo, preciso diferenciar-me do outro. Só quando existe essa diferenciação é que pode existir relacionamento."

"É o egoísmo dos doentes que me obriga a reconhecer o profundo sentimento do egoísmo. Nisso se esconde uma autêntica vontade de deus. Se o doente conseguir colocar em prática seu egoísmo, ele se afasta das outras pessoas e assim se percebe. Esse 'sacro egoísmo' precisa ser mantido, pois é sua força mais saudável [...] que muitas vezes o empurra a um isolamento total. Por mais miserável que seja essa condição, ela é muito útil, pois só nela o doente pode se reconheer, pode aprender a avaliar o quão inestimável é o amor das outras pessoas, e que sem isso ele apenas se sentie no mais profundo abandono e solidão consigo mesmo, vivenciando forças inúteis."

A inveja é uma merda

sexta-feira, 12 de março de 2010

El secreto de sus ojos...






Quando a porta fechou, a consciência coletiva da sala de cinema torcia em silêncio: acaba, acaba, acaba! A porta bate com um duvidoso som de final de filme e, na madeira da porta fechada e inerte, o primeiro crédito que dá as caras é o próprio nome do filme: El secreto de sus ojos (Argentina, 2009), que em versão original, diga-se, soou completamente mais bonito e adequado que a tradução em português – O segredo dos seus olhos. O castelhano me é deveras poético mesmo. Talvez porque “segredo” em português não se conecte tanto com o “secrêto” em castelhano, que à primeira vista nos leva à nossa portuguesa palavra “secréto” (sem o circunflexo escondido da mesma palavra em espanhol), misterioso, místico, indagador, subliminar...Esse olhar fascinante que temos por tudo que não se mostra por inteiro.

Confabulações linguísticas à parte, pela primeira vez pensei que até com os filmes se cometeu os vícios do período iluminista-cartesiano. Criaram as categorizações antes de Hollywood, e depois, tudo que existiu no mundo, veio com esse defeitinho de fabricação. Não que os filmes não possam ser enquadrados, afinal quem arriscaria dizer que os filmes do Mr. Magoo não são comédias? Ou que os sapientíssimos Jogos Mortais (agora já deve estar no 14º ou 15º...!) não são terror?...Estes últimos ainda que as vezes tenham algo de risível...El secreto de sus ojos que, pelo bem da justiça americana ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro é, sem chance de erro, completamente mais apurado que o americano que ganhou o de melhor filme. Notaram? O melhor filme – o melhorzão de todos – será sempre americano, pelo menos simbolicamente falando. Pois bem, El secreto de sus ojos, não cabe em nenhuma categorização ou sumário. Fora as ficções mirabolantes, passa por todos as categorias que o cinema inventou...do mais sublime romance ao mais amargurado drama, passando pelo suspense e pela comédia.

Ricardo Darín é Espósito, um advogado criminalista. Tem um amigo borracho e uma colega de trabalho de seduções controladas, inteligente – das emoções e das lógicas – e madura (...e, além de tudo, fala espanhol, para resumir o apaixonante que é). Aposentado, Espósito se propõe a escrever uma novela sobre um antigo caso de homicídio no qual trabalhara. Revive o caso nas conversas com a antiga colega e amiga, fazendo do filme um vaivém temporal. A amiga, que durante a vida toda não conseguiu baixar as empedernidas armas de defesa de Espósito contra o amor, ou melhor, o medo do amor; mantém a resignação do passado, ainda que durante toda a vida tenha tentando avançar nos arames farpados do colega. Tem coisa mais assustadora que esse tal amor? O livro de Espósito nasce e uma das tantas mensagens que o filme deixa é: as histórias não acabam quando terminam. O “temo” de Espósito precisa de uma vida toda, carece de vitória sobre suas próprias fixações, para se transformar em “te(a)mo”. A história de amor contido e conformado que compartilha lucidamente com a amiga é um porém que só se desdobra quando o filme termina. E continua..., pois as histórias não terminam quando acabam, ou não acabam quando terminam, não importa, quando acabam continuam sendo nossa história. Além disso, há uma linda história de amizade; esse amor vestido de fraternidade, cuidado e compreensão eternos. Há um suspense cheio de arrepios e um piano que é de tocar os nervos do coração.

Mas aos meus olhos o filme fala de fixação. A fixação do amigo bêbado pela cachaça nossa de todos os dias, afinal, como nos livramos das nossas paixões e hábitos? A fixação de Espósito de desvendar um crime. A fixação da colega de aproximar-se do coração cagão de Espósito. A fixação do marido da esposa assassinada por vingança, que passa a vida transferindo a energia de um amor morto para o desejo de uma vingança perpétua...Que antes de impor ao assassino da esposa, impõe a si mesmo.
Escancara-se o quão pernicioso é viver dos amargores do passado e de como isso nos mata como projetos que se lançam para o futuro... As todas prisões perpétuas que nos impomos na vida. Por suas fixações, todos os personagens acabam se reconhecendo, uns nos outros. E quem assiste, também por isso se reconhece nos personagens, nesses filmes que imitam mais a vida que outros. A história fala das nossas escravidões, só nossas escravidões. Lembra que é só no sofrimento que nos tornamos iguais, que nos encontramos. É o melhor filme do ano que ainda nem acabou... Tenho uma fixação ansiosa pelas coisas boas...e mais ainda por compreender o universo que habita o ser humano que tanto precisa se encontrar no olhar alheio, en los secretos eternos de otros ojos, que son siempre los mismos ojos nuestros...
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Recomendação: Agora vá ao site oficial do filme, clique em "sinopsis" e escute o piano que se repete...pode ser umas 189 vezes...com olhos fechados, maiores serão os segredos e sensações!

quinta-feira, 11 de março de 2010

Essa Érica que abala de sensibilidade o meu dia!!!

Eu já vinha cheio de cismas na vida, sensibilizado, contemplativo, e a Érica sempre é assim: sísmica! Sismou meu terreno...e me deixou ensimesmado.

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Entre e dúvidas e incertezas acordei com o e-mail do Paulo.
Paulo é um amigo querido, nunca nos vimos, mas nossa amizade vai além de olhos nos olhos.
Sempre digo que as pessoas chegam em minha vida e, assim, foi o Paulo.
Já escrevi sobre ele aqui, mas nada, nada mesmo é capaz de descrever a doçura, a maturidade, a sensibilidade de Paulo.
Meu ombro apoiado no seu e juntos seguimos...
Paulo terminou seu mestrado e fez uma carta de agradecimentos. Como todo poeta, sua carta transformou-se em uma imensa poesia.
Li atentamente, fui saboreando cada palavra, chorei ao ver meu nome e ao ler as palavras deixadas para sua mãe.


PROCURA-SE UM AMIGO, por V. de Moraes.


Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor.. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoa tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer.Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim.Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive.


E eu, encontrei você. O poetinha diria ainda: "A gente não faz amigos, reconhece-os"


Um bjo, com todo meu carinho.

Mais Quintana


A ARTE DE LER

O leitor que mais admiro é aquele que não chegou até a presente linha.
Neste momento já interrompeu a leitura e está continuando a viagem por conta própria.



Mario Quintana

Caminhos





- Então você é o caminho?
- Sou um dos caminhos...mas infinitos caminhos existem, cada caminhante é que sabe por onde caminha. Cada viajante percebe como pode as franjas marginais. Cada um sabe o melhor terreno dos próprios calos!



PFF

quarta-feira, 10 de março de 2010

Contos Imediatos XI


SURREALISMOS MATUTINOS

Para Negrinha

De assalto, o mundo acordou no quarto. Depois que o sonho sonhou o homem, a vida abriu os olhos e as ondas do mar quebraram com o zumbindo oco de sempre. O dia nascia no sol, que mostrava o claro sem traçar os raios. Na ponta da costa, navegavam aviões sem asas, cheios de gente acostumada para o horizonte que despencava. Os cabelos sentiram a cabeça e, deles até os pés, tudo estava vivo e contínuo. A preguiça se espichou pelos dedos dos pés em ginástica adormecida. A areia saltitava no meio do mar, e quando olhou, o mar se espreguiçava para acolá. Invertido, o mundo que nascia, parecia fazer dormir o sol, que recém acordava. Nadou até a areia, e pode compreender como era o parto das ondas. Na roda dos velhinhos madrugueiros, o ancião galanteador massageava, como que em migalhas, uma a uma, as senhoras. E elas brilhavam na luz calma dos seus tempos mansos, em cada passeio dos dedos dele. E eram os sorrisos delas que acendiam aquele sol todo. Do mar brotou inteira uma orquestra que copiava sinfonias de Vivaldi. Todos os ares se encheram de peitos para ouvir. E a suavidade parecia cheia de acordes cor lilás. O azul ficou cheio de céu. O norte banhava de raios a nuca cheia de sensações, enquanto ao sul cabia a volta das pêras do rosto, já que as maças terminaram café dos peixes. Em segundos, a areia toda ficou pipocada. E as pipocas que olharam dos buracos na areia, pareciam caranguejos inofensivos e anódinos. Uns preferiram surfar na cadeia das nuvens, enquanto os lembrados preferiram lembrar de esquecer. Enquanto o mar sentia o calor dos pés, o violão de cordas tocava canções estratégicas nos dedos do violeiro. Uns dedos cheios de afinação, por sinal. Os peixes beijaram os ares e dançaram tangos enfeitados com as velinhas massageadas. O azul do céu se legendou como amarelo. As sensações voaram oceano adentro quando o relógio apontou para o sete, que era todo nordeste a essas alturas. E com a hora sete, aquela ilha matutina se fechou no abrir das cortinas. E tudo terminou quando o dia começou. Pois era hora de desorganizar o mundo para que a desordem acostumada de sempre, voltasse a reinar com seus óculos fundo de garrafa.

PFF

Quintana em consciência coletiva


DA OBSERVAÇÃO


Não te irrites, por mais que te fizerem...
Estuda, a frio, o coração alheio.
Farás, assim, do mal que eles te querem,
Teu mais amável e sutil recreio...


Mario Quintana - Espelho Mágico

terça-feira, 9 de março de 2010

Contos Imediatos X



PACOTES CONSENSUAIS

- Oi, eu gostaria de comprar um celular.
- Certo, o Sr. é plano empresa, coorporativo ou normal?
- Bom eu sou normal, como todo mundo.
- Ok, como é o nome do Sr.?
- É Zeu.
- Com “z”?
- É, Zeu com “z” de zebra mas som de “s”.
- Certo Seu Zeu, para os planos não coorporativos nós temos muitas vantagens. O Sr. pode estar escolhendo (sic!) entre o Plano pré com bônus de vida, o Plano pós para DDD, DDI e Roaming ilimitado, o Plano Controle 169,01 e o Plano Tufão do Milhão...Qual deles o Sr. tem interesse Seu Zeu?
- Tufão do Milhão?
- O Sr. tem interesse por esse Seu Zeu?
- Não, não sei...é que não entendi direito as modalidades. Eu quero um celular pra falar com meu filho, só ligo pra ele. Como é esse do Tufão?
- Bom Seu Zeu, nesse plano o Sr. vai estar aderindo (sic!) e em seguida estar ganhando (sic! com ânsia de vômito) um pacote com 1438 minutos grátis e ilimitado para todos DDD’s e também para fixos de qualquer parte do país!
- Certo, mas DDD não pode ser fixo também? E por quê o Tufão é do Milhão se o pacote é de 1438 minutos?
- Veja bem Seu Zeu, o DDD é ilimitado apenas para celulares da nossa companhia, isso se eles forem antes do sistema da portabilidade, pois depois já não vai estar ‘valeno’ (!!!) essa pacote!
- Hmmm...
- O Tufão do Milhão é uma promoção porque se o Sr. aderir a esse plano recebe um milhão de torpedos grátis para qualquer celular da região Norte.
- Mas não conheço ninguém no Norte...bom se bem que...
- Olha o Sr. pode estar trocando então esse pacote por um pacote pen-drive banda larga 12GI ilimitado, mas nesse caso o Sr. paga do 2º ao 7º mês a tarifa de R$ 1,99 e após o sétimo mês sua tarifa passa para R$59,79 por mês, sendo que o Sr. não precisa cumprir com a fidelidade!
- Como assim fidelidade?...E o 1º mês é grátis?
- Bom, o Sr. vai estar podendo deixar o plano Tufão do Milhão assim que não quiser mais Seu Zeu. Sobre o primeiro mês que fica fora da tarifa promocional de R$1,99, vou fazer um esquema para o Sr. entender:

1º__R$ 32,87___2º____R$ 1,99_____7º__R$ 59,79___....

- Entendeu agora Seu Zeu?
- Entendi! E quanto fica o minuto para ligação para o meu filho com esse plano?
- Bom Seu Zeu, esse era o complemento do plano normal Tufão do Milhão que oferece pacote pen-drive banda larga 12GI ilimitado. Eu lhe passei os valores para internet apenas, por falar nisso, quantos Mega Bytes tem o seu notebook? Porque nosso pacote só opera com memória de 440 GB...
- É...eu...eu vou falar com minha esposa e volto amanhã então, obrigado...
- Espere...Nós temos o Plano Pós Duo, que diminui as tarifas em ambos os planos e além de tudo o Sr. vai estar podendo falar ilimitado com a sua esposa.
- É, mas com a minha esposa eu falo em casa, todo dia, toda noite...queria um celular pra falar com o meu filho que se mudou pra Palmas.
- Mas então o Sr. pode usar o Plano Tufão do Milhão que dá um milhão de torpedos para qualquer celular do Norte Seu Zeu.
- Norte? Não não...é em Palmas no Tocantis que o Pedro mora.
- Então vamos ter que fazer o Plano pós para DDD, DDI e Roaming ilimitado...o seu RG Seu Zeu, por favor!


PFF

A fumaça dos poetas


FUMAR A POESIA

Que não se enganem todos,
Que compreenda a lei,
Que não reprimam os moralistas,
Que tolerem os alérgicos:
O cigarro de um poeta não é qualquer.


O cigarro é o momento de esfumaçar de poesia
as realidades esfumaçadas.
O poeta sabe-se vivo,
cogita-se morto.


Sabe das distrações da vida,
Sabe que viver é uma distração do todo.
Sabe dispensar a podridão do tempo.
E porque sabe,
E porque não lhe cai bem o suicídio, fuma.


E esse lânguido e lento suicídio
é um caminho, oásis caminho.
Da angústia que se abrevia.
Da morte, e seu fascínio diante da vida.


Aos fumantes todos decreta-se:
Parem de fumar!
Para que não falte cigarro aos poetas;
À estes, para quem
fumar é uma poesia para o fim da vida.


PFF

segunda-feira, 8 de março de 2010

Borboletas coloridas


O milagre não é dar vida ao corpo extinto,
Ou luz ao cego, ou eloquência ao mudo...
Nem mudar água pura em vinho tinto...
Milagre é acreditarem nisso tudo!
Mario Quintana


Sempre fui meio avesso à multidão. Sempre me pareceu muito solitário estar no meio de muita gente. Não lembro de ter sido esquecido no colégio, nem em algum conglomerado quando era pequeno, então, os motivos reais devem estar recalcados no meu inconsciente! E por essas razões que a psicanálise deve explicar, nunca fui afeito a grandes shows e outros enlatados humanos. Aliás, me anda cara a vida noturna por essas mesmas razões. Não é rebeldia, apenas idiossincrasia. Porém, toda nossa lógica pessoal muda quando alguma aura mágica toma conta daquele cruzamento de latitude e longitude em que estamos. Tudo se ameniza se os instantes têm algum “q” de fantasia, misturados com uma dose de boa companhia e de borboletas coloridas navegando sem rumo pelo céu de uma cidade praticamente sem cor. Em São Paulo o show do Coldplay reuniu tudo isso, e me fez novamente reavaliar o gosto sobre o excesso de gente respirando no mesmo lugar. Lá o universo foi carinhoso. Os microreencontros foram grandes momentos históricos dentro da pequeneza de cada um. As borboletas se diluíram no céu como em cascata de cores. As bolas amarelas e os sons terminaram com a moldura da noite que foi cheia de delicadezas e de sorrisos. Eu que sofro de poesia, pude provar nesse dia a poesia em deleite. Demorou pra chegar – porque aquela cidade serve mesmo para uns dias apenas –, faltou táxi no final, mas o momento foi de cores, mágico. E por isso nada faltou. Se passamos os caminhos a buscar o êxtase na vida, e se repetidamente mais nos escapa que o colhemos, ficamos, nesse dia, eu e minha companhia, com a presença das estrelas e com tudo tangível à nossa volta. No milagre possível daquele tempo colorido. As estrelas não deixam de sorrir porque sabem que o momento de sorrisos é sempre aquele único em que estamos a nos banhar por elas. E eu... eu vago com Quintana, solúvel pelo ar, fico sonhando milagres que não cabem na vida.




domingo, 7 de março de 2010

Comentários partidos



A amiga Nico deixou, às escondidas, um comentário sobre o último texto do blog escrito pela Deia Beheregaray. Assim como ela, recebo alguns comentários que pedem anonimato! Esse porém não será respeitado, razão pela qual vai transcrito.


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Bom, Hemingway estourou os miolos. Virginia Woolf vestiu um casaco, encheu os bolsos com pedras e tchimbum no rio. Sylvia Plath colocou a cabeça num forno. Torquato Neto também é da turma do gás. E por aí vai.
A porta da farmácia mais a porta do boteco é pra quem não é moderno, não é antigo, não é moderno-culto. Aliás, o banheiro continua sendo a igreja de todos bêbados?

P.S.: Porta da livraria nada. Quem não faz parte do mundo ($$$) vai no sebo. Portanto, FORÇA! tudo pode ficar pior
**************** é o comentário que não vai pro blog
BEIJOS



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Deia, está aberto para um metacomentário!
Se não gostou vá atrás de teus direitos Nico, mas esse precisava ser publicado! Ótimo!

sábado, 6 de março de 2010

A cachaça de cada um



Os antigos? Porta da igreja.
Os modernos? Porta da farmácia.
Os modernos-cultos? Porta da livraria.
*
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Critico os que buscam a salvação nas prateleiras das farmácias, gostaria de ser diferente desse tipo de gente iludida que acredita em salvação comprada. Ignorância maior, salvação de fora para dentro. Mas a verdade intragável que carrego comigo em segredo e que, hoje venho aqui confessar, é , também pertenço a esse tipo de gente medíocre. Quando cruzo as portas das livrarias o faço como quem atravessa as portas de uma igreja. Estou em busca de salvação. Silenciosa caminho na direção de um milagre. O grande livro da revelação. Os grandes nomes, os grandes homens, os já vivido. É para ele que dirijo minhas orações racionais. São eles que detêm as chaves. Basta prestar atenção aos sinais. Me concentro, repasso títulos, um deles vai servir.
E ansiosa compro meu passaporte para felicidade. Dessa vez vai, tenho certeza, esse livro, estou sentindo, vai mudar a minha vida!
Devoro ávida, mais um, mais uma vez.
Mais uma vez não deu... Mais uma vez me negaram a salvação. Duas ou três frases de impacto, gotas de vida, não salvam, mas sustentam mais uma noite.
Hoje foram cinco os passaportes falsos que comprei.
Um dia eu, e todos esses ingênuos preguiçosos que ai estão, vamos entender que felicidade não se compra, que a salvação é ardúa, para dentro, sem atalhos, sem escapes. Que vem em pedaços, é construída, mora dentro e é única.
Queria muito ser diferente desses idiotas patéticos. Queria, mas não sou.
Texto do blog TPM da amiga Andrea Behregaray

sexta-feira, 5 de março de 2010

Contos Imediatos IX




OLHOS DE QUEM

E num acesso de ira incontrolável, pediu de volta os olhos que lhe tinha emprestado. Desde sempre via o mundo com os olhos que eram seus, duplicados, fotocopiados. Quatro olhos num mesmo rosto: os dois genuínos que estavam de férias prolongadas, mesmo mortos, dividiam os buracos a que aos olhos cabem com os outros dois que não lhe pertenciam. Como não queria saber de nenhum altruísmo, arrancou-lhe a canivetadas os olhos que eram seus, para que nunca mais pudesse ver o mundo de cores pela possibilidade de seus olhos que sabiam olhar como ninguém. Em verdade se tratavam de obras de arte possíveis, afinal, que seriam delas sem os olhos? E as pinturas que via lhe eram devidas. Desde quando acordava até quando as pálpebras lhe cobriam a retina. Ignorando o inacesso, usurpou a visão alheia e pediu suas contas, afinal, quanto de nós fica nos outros? Quanto lhe pertence e quanto não é mais seu? Mesmo diante dos urros de dor, não mais foi complacente. Comeu os dois olhos ferozmente. Entre dados instantes, tudo parecia em ordem. Tudo voltava ao lugar devido. Havia uma dívida, e cobrá-la de outra maneira não podia, senão arrancando-lhe os olhos, que eram seus desde o início. Foi acometido, de súbito, por uma tremenda dor de barriga. Salivou. Salivou mais. Vomitou os olhos em meio à bílis. Não lhe haviam caído bem no estômago. Não eram mais seus. E os devolveu com todo aquele aspecto nojento de vômito fresco.
PFF