segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

TRESVALORAÇÕES





Há sempre um divórcio que nos espera. Esperar de alguém, alguma coisa, é sempre um divórcio de antemão. É sempre o além do presente aquilo que nos trai. Empírico que sou, recebo dos dados da experiência verdades parcias altamente consideráveis. Tivesse Aristóteles precedido Platão, viveríamos em um mundo mais honesto. Casar-se à moda antiga... - reflito à beira dos 30 anos. As pessoas se casam por conforto e medo, sobretudo por medo. Um medo que é da impermanência que elas mesmas sentem no corpo que sente. Se o corpo perece, porque o resto não haveria de perecer também? A instabilidade do que se sente, falsamente controlada pelo ritual exterior, termina como brincadeira adulta de papai e mamãe, com contas pra pagar e sexo aos sábados. É que estamos ainda domesticados a buscar soluções externas para dramas que são tão escondidos quanto secretamente guardados no infindo universo interior.

Casar-se? Indago-me... mas com quem? Com a velhice? Com a morte? Com a resistência das horas? Com este mato úmido que da serra me olha...e chora dentro de mim como um prazer calmo igual à morte dos orgasmos? Casar-se...? Para que o sentimento acabe? Para que a fantasia de imaginar pereça? Para que o perfume vire mau hálito? Casar-se para que se acabe o delírio da espera? - essa ejaculação tão precoce do espírito? Casar-se para eliminar essa mágica espera pelo paraíso que há no mundo empírico, em cada novo rosto e cada novo toque...?

Quê ainda resta que possa ser honestamente reticente, metafísico e infindável? Qual a graça de uma piada já sabida? Qual o esplendor de uma paisagem já tão consativamente provada pelas vistas desses olhos coletivos que também são nossos? Quê resta que possa ser possível sem deixar de ser extremado e intenso? Eu não gosto desses divórcios que a cultura empobrecida que temos coloca no porvir de nossos caminhos. Das despedidas, se forem inevitáveis, espero honestidade - esta tão pequena lei. Fujo de finais inesperados e dolorosas cisões espirituais...por isso vivo a vida como o aprendizado de investir em tresvalorar as relações. Quero ser rico da riqueza de agregar o que em mim já passou...o banco dos réus que a história, a cultura e a moral me convidam a sentar, é para mim um trono.


Aquilo que ainda se pode perder é tão mortal como dez facas lancinantes em direção ao coração, o que me faz concluir, como Quintana, que apenas o que já se perdeu pode perdurar. A saudade do que foi e que já não é, é uma presença, e talvez a única imperecível. A lembrança de um cheiro que num repente nos visita as entranhas da sensibilidade cerebral. A cólera abstrata de um ciúme posseiro, de um domínio que nunca nos pertenceu e nunca pertencerá... São demasiado gasosas as coisas a que temos direito na memória... mas só se quisermos manter esse mundo de mentiras, não sinceras, mas desonestas de dar dó. Se assim não se dá, os amores terrestres vivem apenas se começam tarde, como aliança numinosa à beira da morte. José Saramago e Pilar me fazem ter essa sensação.

Pensemos então. Se os relacionamentos tradicionais flertam com a permanência, talvez seja a morte minha noiva sutil e benfeitora. A morte - eu disse a morte - como única permanência. A morte no altar, dizendo em polissemia que apenas ela mesma é que separará o indivisível. Se a morte é rainha, que possamos ser como Édipo para tomar, domar e se apossar da morte em busca da eternidade que temos direito. O domínio da morte permite uma outra realidade, que só pode ser outra em toda a sua nudez e toda a sua mudez. Dominar a morte é manter-se na crista de uma onda que não termina quando encontra a praia. O gingado de manter a consciência entre o suicídio da loucura e a derrocada de uma vida meio assim fosferina: ferina e fatal como um fósforo acesso, normal, corrente...um peido histórico que se perde no ar da memória.

Sentir o presente é o mesmo que sentir verdadeiramente um presente que uma pessoa querida nos entrega com toda uma honestidade que vem dos mais encravados sentimentos que em ambos existem. Os presentes extremados são os que fazem sentimentos subterrâneos se entrelaçarem: um amor e um grande desejo futuro, uma paixão e um projeto de vida, um sentimento e uma velhice programada. Não importa o quê ou como se sinta, basta que seja extremado, com adrenalina, inevitável como um orgasmo que já não se pode evitar por mais que pensemos em todas as contas que haja pra pagar e por mais que se aperte a cabeça do pau. Conhecer com agudeza almas alheias: é assim que aquilo que se perdeu permanece em nós como sonho, memória e transcendência. 

sábado, 24 de dezembro de 2011

CARTA À NOEL: "DEUS É PAI, NOEL..."


"A origem do universo" de Gustave Courbet...censurado no facebook da Neoidade Média


"Se o medo da loucura, nessa estrada escura,
me afastar da luz, que me conduz.."Raulzito

O legal legado do Papai Noel, à parte a besuntada tarefa dos que fazem bico nessa época com uma indumentária nada tropical, é que, no natal, somos remetidos aos delírios e dilemas do nosso inconsciente em relação ao fim dos ciclos. O final de um ciclo lembra fim, cessação, não-ser, não-estar, inércia existencial. Fim lembra que a especulação sobre nossa origem e nosso final não conseguiu evoluir para além da especulação, visto que as especulações são fragilíssimos bebês de proveta do pensamento.

A tentativa de resolver dilemas indissolúveis nos conduz a um abismo que tem dois buracos: o primeiro é o buraco da busca do conhecimento; o segundo, o buraco da sensação humana de totalidade ou aquilo que ocidentalmente (ou seria acidentalmente?) se chama de Deus. O legado do Papai Noel é apenas material filosófico para quem o percebe como ser histórico do imaginário popular, como dado folclórico e mitológico do gênero humano, como a simples representação teatral que é.

Vamos à silogismos e "deducionices": se Deus é pai, se o padre é a representação de Deus na Terra, se os pastores dos rebanhos são solitários que conduzem um rebanho como Deus conduz, do céu, os mortais... (Mais se's...) Se o Pai é Deus e se Deus é Pai (agora maiúsculamente)...então Deus é o Papai Noel e vice-versa (se não entendeu, tome um gole e leia de novo). E é essa tentativa de estabelecer um contato com algo que não está disponível entre os fenômenos que reside a necessidade de Deus, tão aguçada no Natal, que não por acaso está associado ao final do ciclo de um ano...Deus é ainda, entre os homens, uma exceção. Uma exceção porque, se Deus fosse comparado com um filho, seria sempre o filho exceção...ou alguém extremamente amado, ou alguém completamente rejeitado. Nos homens, ou Deus é adorado, ou Deus é odiado a ponto de que haja a negação completa da imago dei. A negação da  ideia divina se constitui como inflacionada característica inconsciente que provoca o ateísmo consciente. O ateísmo é, sobretudo, um acento muito próprio de um perfil narcísico e pouco maduro ou, para usar a expressão de Jung, não individuado. Contrariamente ao paradigma científico, que opera redutivamente considerando as maiorias como totalidades, a interpretação de Deus pela consciência humana se dá nas beiradas, nos extremos, no que se destaca entre o bem e o mal, entre a luz e o breu. Deus nos homens nunca é sombra: ou é luz ou é escuridão, ou é vivo, como para os religiosos em geral, ou é morto, como para os ateus e céticos e niilistas. Me permito intuitivamente dizer que Nietzsche matou Deus e criou um outro, a que chamou de amor fati, ou, a monarquia aristocrata do “agora”, hoje tão mal visto nos livros de autoajuda que,se funcionassem, não venderiam tanto...

Judaico-cristianamente falando, pode-se dizer que boa parte dos equívocos da leitura bíblica se dá pelo esquecimento do caráter metafórico das alegorias dos contos, do Gênesis ao Apocalipse. Entre os religiosos ignorantes das mais diversas seitas, a leitura é estilo “ao pé da letra”. Ao legar a expressão “ler ao pé da letra”, a cultura ensina que toda rigidez que conduz ao extremo da literalidade é uma superficialidade. Imagino que o “pé da letra” seja um lugar baixo demais para as pretensões maiores do homem. Imagino que o “pé da letra” seja apenas a escrivaninha de um estagiário, ou de um pau-pra-toda-obra qualquer. Essa é a maior pobreza sombria de uma consciência religiosa. A consciência religiosa é dos crentes e dos ateus - sim! Por mais paradoxo que possa parecer, é inevitável atestar que crentes e ateus acreditam piamente em Deus. A leitura que nega o caráter simbólico da linguagem bíblica é a leitura materialista que fazem os religiosos. É possível, inclusive, problematizar-se os fatores inconscientes que existem entre a leitura extremamente materialista que se arrastou ao longo do desenvolvimento religioso e os excessos que hoje colocam em xeque a estrutura materialista que preponderou ao longo da modernidade.



O leitor tradicional da bíblia considera que Deus, em nenhum momento, permite uma briga de bombris ou um homem que dê a bunda. Dos religiosos aos constitucionalistas materialistas, entende-se que a menção feita é literalmente de homens e mulheres... e não do masculino e do feminino, como a metáfora sugere. É possível entender a ideia de "negação do mesmo sexo" como sendo a tendência do homem inautêntico (bom exemplo é o homem autômato e robotizado do modelo econômico-cultural-e-pensante atual) de desenvolver-se por completo ou, o que a mitologia de Campbell chama de realização da jornada do herói. A completude como integração dos conteúdos masculinos e femininos do psiquismo individual e coletivo é o processo de passagem pelos rituais que marcam o desenvolvimento do herói do nascimento à morte. Pelo olhar da psicologia analítica, o que essas passagens bíblicas pretendem é apenas alertar para a necessidade de que temos que descobrir o par oposto que está latente dentro de nós mesmos.



Esse mandamento oracular em nada se confunde com o fenômeno da sexualidade corporal ou eventuais desejos homossexuais, como parece ser a interpretação materialista e literal do texto bíblico. O feminino e o masculino são forças inconscientes que estão presentes no psiquismo e, o processo de integração, ou a construção do sujeito de tantos e tantos dizeres tantos da história, é a atitude consciente de lançar luz sobre o outro lado de nosso grande muro psíquico para que possamos experimentar a plenitude que nos é possível, mesmo que essa mirada de luz em direção ao escuro tenda à inércia e seja, por princípio, contrária ao andamento "normal" de nossa consciência. É nesse sentido que existem razões suficientes para atestar que o autodesenvolvimento consciente de individuação, ou a autopromoção da aceleração deste "processo"  é uma espécie de estelionado, já que ultrapassa a barreira do desenvolvimento natural da consciência. O Éden bíblico, visto como metáfora, não é nada mais que a individuação do psiquismo por meio da integração de um oposto. Visto com estas lentes, a leitura bíblica tradicional e materialista me parece desatualizada, antidemocrática, pobre, rasa, medieval, tosca, chula, intelectual e espiritualmente vagabunda...mas apenas ME parece, é bom se diga.



A autoridade de Deus no antigo testamento que a ele dava poderes de condenar os que não estivessem sob seu jugo, é apagada quando Cristo e Satanás, os dois mais famosos filhos de Deus, se tornam líderes dessas duas grandes equipes do Senhor: o bem e o mal, o céu que não existe depois que descobriu-se o caos do unverso e o inferno que é quando estamos tristes de verdade... A autoridade de Deus, que é absorvida por todas as interpretações religiosas da bíblia e de outros textos tidos por sagrados, é a grande miopia em termos de historicidade na análise dos textos bíblicos por grande parte dos religiosos de todos os tipos.



Há um assustador exercício de arbitrariedade - para dizer o mínimo - em um texto que expresse autorreferencialmente que contém, em si mesmo, sua própria interpretação. A hermenêutica filosófica trata de conferir autenticidade às interpretações por meio de um diálogo com a tradição, uma espécie de aferição de equivalência entre aquilo que se quer interpretar e o que historicamente de fato se deu em relação às relações entre as coisas e os sujeitos históricos. Mas é pelo fato de que essa hermenêutica desconsidera as partes inconscientes da história coletiva, que este correto mandamento hermenêutico deve ser relido. Não sem razão que a religiosidade pré-antiga e mesmo a pré-socrática oferece um extenso rol anti-hierárquico, quase caótico de divindades. Alguém que não seja especialista dificilmente saberá qual dos deuses gregos da mitologia é o primeiro ou o pai-de-todos-os-outros. Por outro lado, todo e qualquer ser humano na Terra sabe que é o DEUS garrafal, nas três grandes ramificações religiosas do judaico-cristianismo, do islamismo e do budismo, o grande inventor de TODO o universo...essa atitude tão manifestamente masculina e paranóica do psiquismo coletivo.



As religiões que se desenvolveram ao longo deste grande período patriarcal de nossa história (de Sócrates à Nietzsche) se identificam pela criação, em cada uma delas, de códigos sagrados que encerram perigosamente em si mesmos um sentido de unidade interpretativa estrita e literal. Nietzsche foi o grande retrato humano e coletivo da tragédia de Sófocles, Nietzsche é a personificação do Édipo que tem a Moral como Pai e o instante como Mãe...Nietzsche mata nosso instinto de necessidade pela figura paterna, para que possamos tomar posse integral de nossa imanência na grande Mãe Terra. É Nietzsche que, antes de todos, abre as portas do modelo de pensamento contemporâneo – esta menina que engatinha... É em função do paradigma patriarcal que o argumento de autoridade materialista do texto bíblico diferencia o homem da mulher. Entre os intérpretes materialistas e rasos e pobres da Bíblia não se entende que a separação entre homens e mulheres é apenas uma metáfora sobre a desintegração do homem com o si-mesmo, na lendária instituição do pecado pela maça edênica – porta de entrada no humano mundo dos contrários (a árvore do conhecimento do bem E do mal). É assim que na bíblia, onde se lê que [..........] não se pode ver mais que o roteiro de um teatro psicológico, nos moldes do romance de James Joyce, que eu nunca li.



O potencial lesivo do argumento de autoridade dos textos sagrados que são interpretados sem a necessária conotação metafórica é assustador. A diferença lançada entre homens e mulheres no texto bíblico, e mesmo o argumento de separação dos homens mediante o fator de crença absoluta em Deus (este da bíblia cristã) são, todos, o mesmo perfume de todos os regimes totalitários de disputa que brotaram entre os homens na Terra: bárbaros e romanos; cristãos e pagãos; católicos e protestantes; negros e brancos, indígenas e europeus, capitalistas e socialistas; crentes de todos os tipos e ateus de todas as raças... É assim que a pobreza dos olhos da grande casta de medíocres que sempre prevaleceu e sempre prevalecerá na Terra fez, de tudo que foi sagrado, o combustível do que de mais vil, hostil e cruel se noticiou na Terra. A bíblia, usada como grande fundamento moral de todo o sangue que escorreu pela Terra e toda a pior dor da carne, se fez código de horrores tanto quanto se fez código do humanismo e da benevolência.



Ao requerer, ao longo desse longo período patriarcal, uma (única) interpretação correta (inviável pela falta de paridade axiológica de acordo com a pluralidade de seitas), o fenômeno religioso das religiões se constitui como o grande transe de toda a cultura humana, um estado de sonho do qual dificilmente a humanidade conseguirá lembrar quando acorda...Assim como pouco lembramos de nosso antecessor período matriarcal... - O Ensaio sobre a Grande Cegueira Paradigmática da História.



Para os pré-socráticos que testemunharam o último grande momento do matriarcalismo ocidental, o homem era o centro e a medida de todas as coisas. Se temos o dever de dar um passo, nesse momento de bancarrota do patriarcalismo, este passo é corrigir o adágio de Parmênides, para dizer que o homem é o centro e a medida apenas das coisas que quer ao seu redor... O Juízo Final é o oscar da Paranóia, em que todos vestem black tie e esperam sentados a chamada de Deus...aos ganhadores os louros, aos perdedores, o quinto dos infernos. Por trás das religiões e do Deus por ela inventado está o arbitrário livre-arbitrio dos homens. O Deus das religiões é apenas o resultado de um nepotismo histórico. Feliz Natal.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

mas acontece que eu saí por aí, e aí, lararí

CONSTELACIONES CRONOPICAS






P'al cronopio de la matina y p'ala imaterialidad de Cortázar


Del negro ángel de los territorios selvajes,
vino la brisa universal de los cronopios.
De manos seguimos al pueblo que nos llamaba,
como una pareja poetica de una temprana matina.
A la grán puerta, ya nos esperávan los cronopios,
y su verde no era tan verde así como al verde lo sabemos.
Aún así, la regla es:
luego se pinte el cielo con constelaciones cronopicas,
ya estarán dormiendo los famas.
Pobres famas que se duermem rotos,
cotidianamente rotos sin saberse,
monotonos,
fríos,
previsibles,
sin aire,
a un solo paso del centro homogeneo donde todo es igual,
duros como cualquier cosa sin vida
- piedras sin sensasiones de ultraje -
hechas de un grís terrible que se difraza en superdosis de color.

Verdes: así son y así se veen los cronopios, pues que son transparentes.
En verdad - pa'que se arreglen las palabras -
son medio verdes,
pues que en el territorio de los cronopios también los colores no están bien ubicados.
Pero los cronopios no esperan nada,
ni de la vida tampoco de la muerte,
a ellos poco importan los temas de ubicación...
Ellos están colgados en una trama de sueños sin saber la verdad...
sobretodo porque no la quieren.

Cuanto más fondo se consume la noche,
aún más duermem los famas.
Y quién se cree como gente,
sigue meditando la verdad cronopica mientras duda de la verdad de los sueños cargados de este "solo-ser-gente"...
Los que los codigos llaman de sujeto...
son los famas cuando despiertan por la mañana...
Los famas en vigília es lo que la historia llama de gente.


MÍNIMAS - 6



Uma bunda é para o homem o que uma coleção de bolsas é para a mulher. A bunda é apenas uma reunião de toda a futilidade do homem.

*

Quando Lacan diz que o inconsciente se estrutura como linguagem não está fazendo mais que fenomenologia de um bêbado que balbucia palavras inconjuntas.

*

Os problemas não têm solução porque sempre são outros.

*

Os pensadores, os animais caçadores, os escritores: todos estes aguardam, passivos,  que o “alguma coisa” lhes aconteça.

*

A liberdade que os suficientemente fortes tem, os liberta suficientemente para que possam ser livres...com todo o prazer de sê-lo.

*

RELACIONAMENTOS MALDITOS QUE SERÃO BENDITOS: eliminando-se o pecado, não há culpa de lado a lado.

ELOGIO AO ÓCIO





Alguns chamam de preguiça,
outros de vagabundagem.
O batizaram de irresponsabilidade,
de descompromisso, de falta de objetivo.


As coisas são ociosas,
mas só um homem pode usar a palavra ócio.
As coisas ociosas, como uma geladeira sem uso,
uma televisão 40 polegadas com tubo de imagem pesada como uma vaca morta,
ou uma tranqueira guardada em algum lugar de tranqueiras ociosas...
- tudo isso são coisas que não podem dizer que desfrutam do ócio.

É como a coisa-em-si que nunca conseguirá ser a coisa-para-si, isto é Sartre - bom que se o saiba!
As coisas-em-si não podem se vangloriar da ociosidade que experimentam.

É por isso que ainda guardo esperança pela raça dos homens,
em lampejos de otimismo (ou seriam lampejos de madureza?)

Posso ir até a hora em que as coisas forem ao meu redor:
essa é a fortuna do ocioso.

Fazer nada.

Deitar sobre o nada.

Não esperar nada do amanhã.

Não pretender o amanhã, nem a hora seguinte, nem mesmo a próxima música...

Meio assim, entrelaçando-se com a grande comédia da vida,

toda a mudez irônica de nossas vozes sem alcance,

toda a graça ambulante do nosso bolo de farelos humanos,

toda essa comédia, engraçadíssima, de não ser nada,
nadica de nada, o farelo do peido do cachorro do grande Monstro,
ou o farelo do peido divino do nosso Grande Síndico Divino...

ou ainda de ser apenas um peido ocasional, de uma tarde monótona, cotidiana,
sem novidades, nem dores nem orgasmos de porco,
neutra, moribunda, insossa...
um peido sem persistência, sem barulho, sem fedor.

*

Olhem aqui nos meus olhos,

Com seriedade!

Me olhem como quem quer realmente escutar o que diz a alma,

Ouvir como quem pretende ver com os ouvidos...

Me olhem com toda paradoxalidade,

Me olhem como quem olha o mundo que se dobra ante o vento que vale a pena.

Me olhem com nudez, vontade, concentração.

Me olhem estando prostrados diante de mim.
Me olhem no grão do olho seus filhos da puta, seus miseráveis
Me creiam: a miséria dos ócios determina a infância das almas.

Me creiam, almas juvenis:
saibam aceitar o estado de pureza de tudo que é vão e em vão.

domingo, 18 de dezembro de 2011

MEU VERMELHO



Meu vermelho são raios que acontecem ao meu redor.

Meu vermelho parece com o inferno.

É uma cabeça que acorda natimorta

com um dos lados da cara numa poça de sangue na Av. Alguém Importante.

Meu vermelho tem tons de laranja relâmpago.

O laranja é um vermelho disfarçado.

Existem cores e pessoas de dar dó.

Mas é preciso o laranja, pra se chegar ao vermelho...caravela hacia al cielo!

O laranja é o cara que foi usado por outros caras pra esconder uma pilantragem.

Meu vermelho é uma espanhola morena,

coxas esperançosas,

hálito ruim e quente de sangria vagabunda,

castanholas e aquele vestido arquetípico,

ácida sensualidade que desconcerta meu olhar.

Um olhar de vampira de filme do SBT.

Meu inferno é um jogo incessante entre o nobre e o vagabundo. 

Posso dizer aos que ao inferno chegarão:

o inferno não é um recreio assim tão áspero do nosso filme.

Os recreios de escola são quase piores que o próprio inferno:
toda crueldade, vileza e ódio humanos puros estão num recreio de escola.

O inferno vale a pena porque é um inferno querido, pensado, projetado.
Se ocorre de infernos aparecerem sem que os queira:
sinal de que ainda se deve muito à si mesmo...

Infernos autênticos são de antemão arquitetados.
São melhor lugar que museu ou praia.

Museu é pra gente que gosta de dizer que foi a um.

A praia é dos covardes que não suportam a melancolia do frio,

átrio jocoso do inferno.

Meu vermelho é de morangos maduros que lembram mamilos rosas com tesão,

é uma cabeça de pau inchada.

Meu vermelho é a sensualidade de uma pessoa que sou sem querer,

e todos meus estagiários do destino.
O inferno é a falta de Senhores, de Reitores, de Direção.
É uma peça sem cartaz, sem horário, com personagens fantasma,
e uma única platéia feita de você.
Meu vermelho é uma mulher que usa meu pé pra acariciar a própria buceta enquanto escrevo.

Pois...Agora pouco me resta:

estou sendo pressionado a parar de escrever.

Deve ser por isso que dizem que o demônio vive dentro das mulheres,

são elas que acabam nos falindo, de um jeito ou de outro...

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

DEUS DO CÉU, ESCUTAI A NOSSA PRECE





Deus está morto.
Foi Nietzsche quem disse quando estava vivo,
mas hoje está morto.
Sócrates está morto.
Ulisses Guimarães também.
Napoleão tinha um micropênis e também está morto.
Freud virou pó.
A democracia se esvai, moribunda.
O superego é só linguagem, sabia Lacan.
Essa gente sabe de tudo.
Mas sabem falando.
Falando não se fala de Deus, entendam de uma vez.
Deus é brincar um pouco no meio de tudo.
Se beber, melhor.
Quanto mais, melhor.
Desde que não se vomite.
Beber exige experiência, aristocracia, fidalguia.
Falar de Deus? Ah, parem de encher o meu saco!
Ou senão lambam ele, divinamente.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Será que Nietzsche gostava de peitos ou preferia as bundas?


Eu e Cassandra em 1912

Trepávamos como a unidade do espírito santo amém.
Evito dizer essas rezas.
Como evito escrevê-las
por medo de escrever sobre alegrias.
Sou um egoísta das alegrias.
E,
além do mais,
as alegrias me deixam com medo.

Ela circulava pelada pela casa em penumbra,
usando uma camiseta surrada que talvez fosse minha.
Os bicos arrepiados não eram dois, mas apenas um.
Na verdade eu que já não enxergava direito.
Ela tinha um bico que vivia arrepiado e outro que vivia murcho,
pra dentro, introvertido, negativo,
como se se recolhesse chafurdando o mundo.
Esse bico só aparecia durante o sexo,
ele era um egoísta como eu,
ou talvez era apenas alguém tímido.

O repousou, a morte, as ilhas que habitamos no mar do universo:
tudo isso quando está ao nosso redor é tão familiar,
- e não temos medo do que nos é familiar.

São paisagens, demasiado paisagens,
como Nietzsche já disse sobre os humanos que vivem em nós.
Será que Nietzsche gostava de peitos ou preferia as bundas?



quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

POEMA PARA AS MULHERES DESEMPREGADAS


vovó com a casa vazia e a cabeça no diabo


Como vovó já dizia:
"cabeça vazia, casa do diabo".
Vovó era politicamente correta.
Não a culpemos.
Ser correto era um mal do tempo das vós.
Hoje é menos incorreto ser incorreto.
As siriricas já nascem nos lábios lambuzados de batom e glós e mesmo os crus.
(Nada como lábios crus)
Vózinha tinha tesão contido, pobrezinha.
Se você já ficou uma tarde em casa, sozinha,
sem porra nenhuma pra fazer, entenderá a vovózinha.
A louça e os filhos eram o chocolate da vovózinha,
assim como é o trabalho é para a mulher contemporânea.
Às desempregadas, resta o flerte com o diabo.
E é provável que o diabo da vozinha seja o mesmo dessa sua coceirinha:
o diabo do ditado é bem dotado,
duro, venoso, inchado,
com a cabeça roxa.
Hoje temos democracia:
se a casa estiver vazia, ligue pro diabo.