terça-feira, 6 de abril de 2010

A síntese relacional

É preciso, pelo menos, teorizar. Ou tentar. Pensando e tentando, anotei algumas variáveis do que se poderia chamar de histórico relacional, tanto de um passado não muito distante quanto do que hoje experimentamos e do que o devir reserva para os corações que ainda baterão na Terra. A tese provavelmente se iniciou na geração de nossos pais, ou mesmo antes deles, já que os divórcios a granel indicam que o modelo relacional deles era completamente fraturado. De qualquer modo é uma simples anotação. Me apropriando da ideia de Capra alinhada no livro O ponto de mutação, no qual o autor afirma por meio da sabedoria oriental do I-Ching que todo auge está fadado a uma queda de igual proporção; tenho que essa revolução relacional ainda está em curso. Tenho que a antítese esteja alcançando seu ponto mais elevado nesses exatos dias nossos. Com alguma sensibilidade é possível perceber já alguns resultados dos excessos cometidos e suas dores correlatas. O amargo nas línguas loucas e pueris. O aperto nos corações que não conseguem penetrar nas reservas selvagens (Warat) das suas caras metade. As caras metade que se tornaram conteúdo dos contos, das fábulas, das músicas que não tem mais espaço no espaço sistematizado e racionalizado de agora. Todo aquele verdadeiro estado de exceção relacional do tempo dos nossos avós, que tinham relacionamentos burocratizados, ajeitados pelo senso moralista e com elevada hierarquia entre homem e mulher (talvez venha daí a ideia de familia como instituição); ruíram para fazer com que a liberdade se travestisse como um monstro interno e invisível. Um monstro que tem levado ao completo niilismo dos sentidos, a uma anestesia das sensações sem precedentes históricos.

A verdade blá-blá-blá dos sacerdotes na era eclesiástica passou para a ponta da mesa nos lares: o lugar do pai. Os reacionários de antanho que tamparam os ouvidos para os sacerdotes e suas verdades que cheiravam a bunda de criança, foram os mesmos que berraram pela libertação dionisíaca do século passado. A paz e o amor de Woodstock venceram o neo blá-blá-blá daquele tempo, mas, como tudo, deixaram suas marcas de fogo na existência relacional das gerações que se seguiram. Parte dessa relfexão foi lançada no conto Feminando o feminino, publicado dias atrás aqui no blog. Algumas amigas berraram por pensar que se tratava de um manifesto contra a aspereza feminina. Era isso, mas não só. Além de denunciar essa rudez erradamente copiada pelas mulheres, a crítica se deu em tom mais profundo, e envolvia homens e mulheres. Todos que parecem não compreender o sentido renovador que pode brotar das atualizações do passado. Homens e mulheres se enganam - e incluo meu passado na crítica - imaginando que o sentimento pode ser profuso, sem se dar conta que profusão não combina em nada com aprofundamento. Já me conduzi sozinho para a chibata, me condenei, fui morto e sepultado. Ainda tento mover um corpo dormente para renascer dos meus próprios enganos. Ufa!

Não se trata de resgatar o passado, mas de tentar compreender como o passado condiciona nossos vícios não percebidos no presente. Com tudo isso, penso ser possível modificar o futuro dessa área tão fundamental que são os afetos e os relacionamentos amorosos, mesmo que o amor ande líquido por aí, escorrendo dos dedos de todos, quase inapreensível. Eis as variáveis! Benção à síntese, oxalá seja esta!


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Tese relacional: excesso de pudores, impedimento do envolvimento sexual, idealização do amor, burocratização dos sentimentos, relações por interesse social e moral, famílias in vitro, virgindade como requisito para felicidade conjugal, desequilíbrio cultural entre homens e mulheres, rigidez do pensamento dogmatizante, alheamento do caráter dionisíaco, repressão dos desejos sexuais, encobrimento da polaridade arquetípica contrária, romantização idealizada, respeito à bula da felicidade relacional fundada na concepção da vida e na manutenção das castas sociais, poesia romantizada à mulher amada, severa repressão da traição feminina, rígida distinção de funções sociais para homens e mulheres, felicidade burocrática transformada em calma tristeza.


Antítese relacional: Liberalização completa dos desejos sexuais, libertinagem nefasta, banalidade relacional, envolvimento amplo, irrestrito e acriterioso; estreitamento entre o primeiro contato e o gozo vazio, niilismo relacional, suplantação da poesia e da romantização, busca de novo equilíbrio e posterior confusão entre os contrários arquetípicos, novo desequilíbrio, quebra dos obstáculos morais de antanho, efemeridade dos vínculos conjugais, desvio da finalidade familiar para a finalidade egocentrista, egoísmo exacerbado, despreocupação com o parceiro e com a relação, engodo em relação aos sentimentos, engano sobre a materialização do amor, sexo sem sentido, amor como utopia, descrença na manutenção relacional.


Síntese relacional: amor como sentido, musicalidade, vida poética e contemplativa, simbiose entre o ímpeto sexual e a materialização do amor, equilíbrio das razões sensíveis dos vínculos conjugais, manutenção em busca de deleite pessoal e fraterno, integração da sombra inconsciente, complementação interna dos pólos arquetípicos, aprimoramento dessa complementação com o outro relacional, absorção dos aspectos saudáveis tanto da tese quanto da antítese relacional, aproximações por afinidades, valorização da intimidade relacional, abandono da burocratização e das relações instintivas pelas aproximações meditadas e conscientes,

5 comentários:

  1. Compreender...por vezes tenho dúvidas!

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  2. Quem me conhece sabe o que penso sobre críticas Lidia, com elas os pássaros passam a nadar! São realmente produtivas. Só que de alguma forma anonima assim, sinceramente, não recebo. Então te mostre, rebata com algum outro argumento menos raso que dizer "raso e clichê". Sempre gostei de conversar olhando no olho...Espero tua manifestação!

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  3. Um resposta à altura dos outros posts. Achei teu blog por acaso, e, assim, casualmente voltei outras vezes. No entanto, por um único motivo, o sentimento. Antes de virgulas bem usadas, coesão e coerência, um bom texto precisa ter sentimento. E os seus, via de regra, transbordam afeto.
    De fato, não te conheço, mas cada linha de seus escritos sugere sensibilidade e ternura, parecendo ter endereço certo. Qual não foi a minha frustração ao ler esse post. Certas coisas são melhores quando não ditas. Sinceramente, não me apetece a idéia de teorizar os assuntos do coração. Diferente de você, não penso que seja preciso. Pegamos essa mania de reduzir tudo a termo, inclusive o que sentimos. Parece-me muito mais uma vã tentativa de controlar e arquitetar as futuras relações.
    Mas até aí, ok. Se acreditas que tem o poder de abreviar a complexidade ‘relacional’, tudo bem. Mas, ao menos o faça de forma criativa. E nesse ponto é que fica a minha maior bronca. Você não foi além de obviedade. Sociedade Repressora versus Sociedade Libertina, igual a amor perfeito. Muito minguado para quem já escreveu belíssimas poesias. De duas, uma: ou não alcancei a complexidade de sua proposta, ou, em razão dos outros textos, esperava mais de você. Em suma, achei ‘raso e clichê’.

    Ps: Que papo é esse de só aceitar críticas com nome e endereço?!? Antes de qualquer coisa, vem a força das palavras. A poesia não perderia o sentido, se ao final, no lugar de Neruda, estive Gonçalves. Deixa de frescura homem!

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  4. Vou concordar com a Lidia somente em um ponto: a mania de reduzir tudo a termo, realmente, acarreta a simplificação da vida, tornando-a apática e superficial.

    Mas minha concordância é só nisso.

    Devo ter apreendido o teu texto de um prisma bem diferente da Lidia. Não te vi resumindo ou teorizando os sentimentos, como a petrificá-los.
    Eu te vi traçando, com pontinhos bem esparsos (o que possibilita a fuga para outras nuances) uma das tantas rotas possíveis para uma relação compromissada que, efetivamente, abarque todos os "setores" de nossa natureza humana.

    Sinto que demonstrasse algo que faz sentido para ti (assim como faz para mim), e não como uma teses a ser imposta universalmente como verdade irrefutável.

    É, sim, um terreno arenoso a questão dos sentimentos; por isso, torna-se complexo tornar em palavras o que sentimos (sob pena de limitá-los pelas palavras, como já me disse alguém que não lembro). Mas creio ser possível descrever (com um tanto de imprecisão, já que o sentido exato do sentimento é um líquido, como falaste) ou apontar uma base central do sentimento ou de uma relação amorosa, com vistas ao consenso do que os dois pretendem para si.

    Um sentimento fechado pelas trancas de um coração pode tomar qualquer formato, especialmente um formato indescritível.
    Mas um sentimento (ou o encontro das semelhaças de um sentimento)compartilhado por duas pessoas indicam um rumo, demonstram qual o tipo de relação que vão ter - e creio que a síntese relacional é plenamente possível.

    :)

    Ah, e não vejo a crítica "endereçada" como frescura: ela é a base de um debate produtivo, oras.

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