Hoje, acordei com fragmentos dos meus sonhos noturnos vagando entre os neurônios. "vamos então interpretar tais sonhos-fragmentos, visto que eles são pistas do meu inconsciente", poderia pensar. Mas, por outro lado, lembrei-me de Benjamin que afirmava que antes de fazermos as abluções (purificar-se com a água, lavar-se antes das orações), devemos deixar que a memória dos sonhos acontecidos produza imagens, simplesmente, sem interpretações possíveis, sem buscar significados ou sentidos. Deixar apenas que a memória enquanto lembrança permita-se seu hiato, antes de transformar-se em memória enquanto esquecimento. Assim eu leio a recomendação benjaminiana: escutar os sonhos, os vislumbrar. Não interpelá-los, não colocá-los diante do tribunal inquisitório da razão que a tudo "explica", que a tudo devora e que depois joga fora como excremento.
Os sonhos, - já afirmava em textos anteriores - ocupam grandes momentos de nossa vida sublunar, nos fazem trilhar caminhos do incompreensível, do inapreensível, do inenarrável. Os sonhos são nossas verdadeiras viagens míticas através de dimensões que nosso corpo físico nunca atravessou, mas que nosso corpo astral atravessa todos os dias de nossas vidas, recolhendo fragmentos, resíduos mais consistentes que insistem em permanecer colados a nós. E assim recolhidos são atirados ao léu, ao acaso das outras dimensões que habitamos oniricamente.Dos sonhos, devemos guardar as experiências vividas no universo de Morpheus, que só tem sentido naquele não lugar, ou seja, onde os sentidos possíveis da memória onírica só serão encontráveis nele mesmo enquanto existenciais, não enquanto fontes de informações para a vida não onírica, a vida consciente como diriam alguns.
Creio que interpretar os sonhos seja como querer interpretar as vivências amorosas, pois no meu entendimento, tais vivências são fantasias, ficções que criamos e que ocupam lugares singulares, dimensões existenciais necessários a nós, humanos. Tais existenciais ligados rizomaticamente a outros existenciais, constituem-se em trajetórias únicas, para cada um de nós, dando forma e sentido à passagem humana neste espaço-tempo sublunar denominado Vida.
Tanto criticamos os antolhos positivistas das ciências que esquecemos dos antolhos que utilizamos para falar dos nossos existenciais, notadamente do tratamento que damos aos vínculos amorosos. Dissecamos os cadáveres amorosos com a mesma volúpia dos anatomistas. Queremos explicar como funcionam os órgãos (saudade, ciúme, carinho, afetos, desejos),como interagem uns com os outros, para assim definirmos suas patologias, seus males, suas fragilidades. Queremos mostrar o sofrimento, a perda irreparável, a dor lancinante que se apodera de nós quando amamos, quando perdemos o outro amoroso. Assim desdobramos a vida em pequenos dramas-comédias, para desta forma esquecermos a tragédia da solidão que nos confina desde sempre neste pequeno planeta que vaga no Cosmos.
Esquecemos que a Vida nos legou os sonhos, o mundo sutil das imagens não elaboradas racionalmente, o mundo onde as emoções conduzem nossas mentes, onde nossas extensões físicas (nossos corpos anatômicos) não existem. Apenas devaneios ausentes do mundo lógico e racional. É provável que ali seja a morada do vinculo amoroso, que deve ser tomado como um existencial indefinível, tal como devem ser os sonhos...
Extraído do blog Caminhos do Elefante de Albano Pepe
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