quinta-feira, 18 de março de 2010

Eduardo Galeano




O REI QUE QUIS VIVER SEMPRE


O tempo, que foi nossa parteira, será nosso verdugo. Ontem o tempo nos deu de mamar, e amanhã irá nos comer.
Assim é, e sabemos disso.
Sabemos?
O primeiro livro nascido no mundo conta as aventuras do rei Gilgamesh, que se negou a morrer.
Esta epopéia passou de boca em boca, faz uns cinco mil anos, e foi escrita pelos sumérios, pelos acádios, pelos babilônios e pelos assírios.
Gilgamesh, monarca das margens do Eufrates, era filho de uma deusa e de um homem. Vontade divina, destino humano: da deusa herdou o poder e a beleza, do homem herdou a morte.
Ser mortal não teve, para ele, a menor importância, até que Enkidu, seu amigo e mais amigo, chegou ao último de seus dias.
Gilgamesh e Enkidu haviam compartilhado façanhas assombrosas. Juntos tinham entrado no Bosque dos Cedros, moradia dos deuses, e haviam vencido o gigante guardião, cujo bramido fazia tremer as montanhas. E juntos haviam humilhado o Touro Celeste, que com um bufar só abria uma fossa onde caíam cem homens.
A morte de Enkidu derrubou Gilgamesh e deixou-o apavorado. Descobriu que seu valente amigoera de barro, e que também ele era de barro.

E se lançou no caminho, à procura de vida eterna. O perseguidor da imortalidade vagou por estepes e desertos,
atravessou a luz e a escuridão,
navegou pelos grandes rios,
chegou ao jardim do paraíso,
foi servido pela taverneira mascarada, a dona dos segredos,
chegou ao outro lado do mar,
descobriu o barqueiro que sobreviveu ao dilúvio,
encontrou a erva que dava juventude aos velhos,
seguiu a rota das estrelas do norte e a rota das estrelas do sul,
abriu a porta por onde entra o sol e fechou a porta por onde o sol se vai.
E tornou-se imortal, até morrer.


Extraído do livro Espelhos, de Eduardo Galeano

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