FEMINANDO O FEMININO
Elvira tinha trinta e quatro anos. No auge da plenitude feminina, acumulava um filhote de três, um divórcio amigável com um rapaz bem de vida e uma introspecção de mergulhos em apnéia. Resolvida com suas sombras e sobre seu lugar de mulher no mundo, pensou ser pouco nobre esconder os segredos de ser mulher das outras tantas que não o sabiam. Fez uma placa luminosa, pregou anúncio nos classificados e anunciou nas rádios da cidade o inédito curso que se dispora a oferecer: “Como ter um pau menor que o dos homens: reaprendendo a ser mulher”. O curso era intensivo, quase um retiro. Na primeira semana havia mais curiosas (e curiosos) que alunos. O telefone não parava de tocar. Onze mulheres pagaram o irrisório valor cobrado para escutar Elvira, que deveras mais queria dar que receber.
Elvira tinha trinta e quatro anos. No auge da plenitude feminina, acumulava um filhote de três, um divórcio amigável com um rapaz bem de vida e uma introspecção de mergulhos em apnéia. Resolvida com suas sombras e sobre seu lugar de mulher no mundo, pensou ser pouco nobre esconder os segredos de ser mulher das outras tantas que não o sabiam. Fez uma placa luminosa, pregou anúncio nos classificados e anunciou nas rádios da cidade o inédito curso que se dispora a oferecer: “Como ter um pau menor que o dos homens: reaprendendo a ser mulher”. O curso era intensivo, quase um retiro. Na primeira semana havia mais curiosas (e curiosos) que alunos. O telefone não parava de tocar. Onze mulheres pagaram o irrisório valor cobrado para escutar Elvira, que deveras mais queria dar que receber.
Durante um mês inteiro, aquelas onze mulheres se dedicaram a cumprir os mandamentos de Elvira: enterraram suas raivas culturais contidas e deixaram brotar toda a sensibilidade escondida pela poeira dos novos tempos. Esqueceram da raiva canina de todo dia e perfumaram seus espíritos com lírios cheirando a mulheres jovens. Voltaram a ser mães atenciosas e amigas das filhas, que reaprenderam que às mulheres lhes cabe muito mais que o salto alto e a boca pintada. Também perceberam o engodo histórico: depois da submissão de antanho, a depressão de agora. E agora? O desejo eterno do gozo pela felicidade era impossível na cama redonda dos seresteiros sedutores e na quadrada dos maridos, afinal, nunca chegavam aonde queriam. Elvira ensinou a simbiose entre o ímpeto sexual e a materialização do amor, o equilíbrio das razões sensíveis nos vínculos conjugais, nos namoricos e no que mais se pudesse chamar os relacionamentos.
Das onze, quatro tinham filhos. À essas parecia que o mundo havia se resignificado pela carapuça materna. Essas quatro pobres mulheres substituíram toda doçura de ser mulher para alimentar o projeto de ser mãe. Afogaram as mulheres cheias de ternura que lhes habitavam o espírito para se tornar apenas mães. Às mães seguido lhes passa essa transfiguração conceitual. Elvira arrancou delas essa condição. As outras sete não eram menos pobres coitadas que as outras. Quiçá até piores. Vítimas de seu próprio tempo, em que ser mulher de verdade exigia demais. Não porque tinham que cumprir jornada dupla como mostrava a televisão dos insetos inconscientes, mas porque era necessária alguma nostalgia do feminino, uma visão de que sem a venenosa submissão, aquela mulher morta do passado seria a mais evoluída criatura do presente. Isso e muito mais, Elvira mostrou para suas alunas. Depois todas brocharam. Em cada uma atrofiou o pênis que a história contemporânea lhes outorgou. Ficou pequeníssimo, depois microscópico. Invisível. Sumiu. E no seu lugar nasceu uma flor sem nome.
PFF
Texto lindo,sem palavras...
ResponderExcluirTodo teu!
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