sexta-feira, 12 de março de 2010

El secreto de sus ojos...






Quando a porta fechou, a consciência coletiva da sala de cinema torcia em silêncio: acaba, acaba, acaba! A porta bate com um duvidoso som de final de filme e, na madeira da porta fechada e inerte, o primeiro crédito que dá as caras é o próprio nome do filme: El secreto de sus ojos (Argentina, 2009), que em versão original, diga-se, soou completamente mais bonito e adequado que a tradução em português – O segredo dos seus olhos. O castelhano me é deveras poético mesmo. Talvez porque “segredo” em português não se conecte tanto com o “secrêto” em castelhano, que à primeira vista nos leva à nossa portuguesa palavra “secréto” (sem o circunflexo escondido da mesma palavra em espanhol), misterioso, místico, indagador, subliminar...Esse olhar fascinante que temos por tudo que não se mostra por inteiro.

Confabulações linguísticas à parte, pela primeira vez pensei que até com os filmes se cometeu os vícios do período iluminista-cartesiano. Criaram as categorizações antes de Hollywood, e depois, tudo que existiu no mundo, veio com esse defeitinho de fabricação. Não que os filmes não possam ser enquadrados, afinal quem arriscaria dizer que os filmes do Mr. Magoo não são comédias? Ou que os sapientíssimos Jogos Mortais (agora já deve estar no 14º ou 15º...!) não são terror?...Estes últimos ainda que as vezes tenham algo de risível...El secreto de sus ojos que, pelo bem da justiça americana ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro é, sem chance de erro, completamente mais apurado que o americano que ganhou o de melhor filme. Notaram? O melhor filme – o melhorzão de todos – será sempre americano, pelo menos simbolicamente falando. Pois bem, El secreto de sus ojos, não cabe em nenhuma categorização ou sumário. Fora as ficções mirabolantes, passa por todos as categorias que o cinema inventou...do mais sublime romance ao mais amargurado drama, passando pelo suspense e pela comédia.

Ricardo Darín é Espósito, um advogado criminalista. Tem um amigo borracho e uma colega de trabalho de seduções controladas, inteligente – das emoções e das lógicas – e madura (...e, além de tudo, fala espanhol, para resumir o apaixonante que é). Aposentado, Espósito se propõe a escrever uma novela sobre um antigo caso de homicídio no qual trabalhara. Revive o caso nas conversas com a antiga colega e amiga, fazendo do filme um vaivém temporal. A amiga, que durante a vida toda não conseguiu baixar as empedernidas armas de defesa de Espósito contra o amor, ou melhor, o medo do amor; mantém a resignação do passado, ainda que durante toda a vida tenha tentando avançar nos arames farpados do colega. Tem coisa mais assustadora que esse tal amor? O livro de Espósito nasce e uma das tantas mensagens que o filme deixa é: as histórias não acabam quando terminam. O “temo” de Espósito precisa de uma vida toda, carece de vitória sobre suas próprias fixações, para se transformar em “te(a)mo”. A história de amor contido e conformado que compartilha lucidamente com a amiga é um porém que só se desdobra quando o filme termina. E continua..., pois as histórias não terminam quando acabam, ou não acabam quando terminam, não importa, quando acabam continuam sendo nossa história. Além disso, há uma linda história de amizade; esse amor vestido de fraternidade, cuidado e compreensão eternos. Há um suspense cheio de arrepios e um piano que é de tocar os nervos do coração.

Mas aos meus olhos o filme fala de fixação. A fixação do amigo bêbado pela cachaça nossa de todos os dias, afinal, como nos livramos das nossas paixões e hábitos? A fixação de Espósito de desvendar um crime. A fixação da colega de aproximar-se do coração cagão de Espósito. A fixação do marido da esposa assassinada por vingança, que passa a vida transferindo a energia de um amor morto para o desejo de uma vingança perpétua...Que antes de impor ao assassino da esposa, impõe a si mesmo.
Escancara-se o quão pernicioso é viver dos amargores do passado e de como isso nos mata como projetos que se lançam para o futuro... As todas prisões perpétuas que nos impomos na vida. Por suas fixações, todos os personagens acabam se reconhecendo, uns nos outros. E quem assiste, também por isso se reconhece nos personagens, nesses filmes que imitam mais a vida que outros. A história fala das nossas escravidões, só nossas escravidões. Lembra que é só no sofrimento que nos tornamos iguais, que nos encontramos. É o melhor filme do ano que ainda nem acabou... Tenho uma fixação ansiosa pelas coisas boas...e mais ainda por compreender o universo que habita o ser humano que tanto precisa se encontrar no olhar alheio, en los secretos eternos de otros ojos, que son siempre los mismos ojos nuestros...
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Recomendação: Agora vá ao site oficial do filme, clique em "sinopsis" e escute o piano que se repete...pode ser umas 189 vezes...com olhos fechados, maiores serão os segredos e sensações!

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