quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Contos Imediatos VI


A AURODA DA DIFEERENÇA

Ainda que o clima fosse tão recente quanto o próprio mundo, no Jardim do Éden, os fenômenos “niño” do tempo ainda não estavam sequer no útero que gerava as coisas do mundo. A temperatura era, então, amena como a da mais doce primavera doce. Adão e Eva passeavam por ali, descobrindo as novas bugigangas naturais. Iam distraídos, fuçando em cada coisa, provando as texturas e experimentando todos aqueles apetrechos cheios de jeitos e cores. Desde os açudes cheios de água até as rosetas que furavam os pés. Como tudo era novo e também porque desde aquele tempo as coisas brilhavam mais que as pessoas, não haviam trocado muitas palavras. Sequer haviam olhado um ao outro de jeito cuidadoso. O grande parque de diversões que era o mundo e a temperatura bem temperada de frio, calor, umidade e sequidão; funcionaram como distrações. Distraíram Adão e Eva que não perceberam os pormenores de seus corpos. Entrementes, à Adão, num primeiro instante, parecia que Eva era sua dublê de corpo. Eva pensava o mesmo. Sequer sabiam distinguir que os nomes que tinham correspondia a um ou outro sexo, isso porque também todas as palavras eram novinhas em folha. A natureza toda parecia sem pechas, diferenças tétricas ou falhas estruturais...

Esmorecendo as novidades do mundo, assim como ficam emburradas as crianças que enjoam do brinquedo novo, Adão emburrou-se. E emburrado, já prevendo a falta de sentido pelo esgotamento das novidades, sentou numa pedra do Éden para chupar uma laranja com os dentes novinhos e brancos que tinha na boca. Entre um gomo e outro, observou uma ausência no meio das pernas de Eva que brincava com as borboletas nos arredores. Percebeu gomos de pele sobressaltados que roçavam um ao outro durante seu caminhar. Os gomos pareciam se beijar. E cogitou Adão que pudesse se tratar de uma segunda boca sem dentes. Porque na aurora do mundo não havia silicone e porque a genética materna de Eva até hoje é obscura e não sabida, Adão observou que a colega tinha duas protuberâncias na altura das costelas. Pareciam duas laranjinhas maduras.

Adão teve uma dupla perplexidade: ao mesmo tempo em que sentia a brutal diferença do excesso de carne que lhe pendia entre as pernas, não podia compreender porque razão aquela carne se entumecia ao olhar os gomos da boca sem dentes e as laranjinhas maduras de Eva. Adão pensou ser uma aberração. Um monstro. Pensou em atirar uma pedra pesada sobre aquela carne que se projetava para fora de seu corpo e que, agora, apontava para as nuvens. Não entendia a diferença. Envergonhado com toda aquela diferença ainda despercebida por Eva, Adão resolveu pendurar uma folha larga na altura daquela sobra de carne que tinha. Durante o sono de Eva, furtivamente, pendurou uma outra folha para esconder sua boca sem dentes. Eva acordou e não questionou o acessório. Ainda que tivesse problemas de desajuste com a folha sempre que pensava nos gomos de Eva, Adão resolvia-se escondendo e ajeitando sua efêmera protuberância. Tinha aprendido que aquela estranha dureza sempre afrouxava com uns minutos de contemplação das nuvens. Mesmo assim, não podia entender aquela brutal diferença dos corpos. E desde lá até hoje, tudo tende a ser viciosamente homogêneo. Desde lá até hoje, quase ninguém desenvolveu a capacidade de entender as diferenças. E tudo que é diferente é uma felpa no olho. E tudo que é diferente, assim como os melhores desejos, acabam escondidos.
PFF

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