terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Contos Imediatos IV

O CADÁVER DO SACO DE TERNOS

Ainda que se pudessem ver parcamente os antigos móveis na penumbra, a casa era escura. Lúgubre. Tinha mais de um andar, mas não era possível saber quantos eram exatamente. Talvez dois. Talvez três. A intuição até apontava para que fosse mais de dois. Talvez quatro. A meia luz tomava conta do lugar. Também ninguém na casa havia, com exceção do personagem que experimentava aquelas sensações nada luminosas. O momento parecia como um anoitecer de inverno, apesar da anestesia em relação à temperatura. Não era a temperatura não sentida que angustiava o personagem, mas o mal cheiro do lugar. Vagando sem propósito consciente pela casa, descobriu que o fedor que atormentava suas entranhas, vinha de um saco de guardar ternos de dimensões maiores do que as comuns. Pela transparência do plástico, percebeu que ali havia um cadáver. Que parecia ter, muito recentemente, deixado a respiração para trás, apesar do fétido que já pulsava morto naquela carne. O personagem, atônito, pegou, com a união do dedão e do indicador, o cabide do saco de guardar ternos que emoldurava o cadáver. O cheiro estava ainda pior. Numa grande exceção da história, o tempo nada ajudava, quanto mais passava, mais fedia. Era um cheiro quente, abafado, que lembrava uma sauna de humanidades putrefatas. A casa já estava mais escura, mas não se sabia se a noite havia caído mais, ou se o cheiro que lhe temperava o cérebro de desgostosas sensações era o que lhe nublava mais a vista. Acelerou o passo. Não podia agüentar o fedor. Também especulava o melhor lugar para abandonar aquele saco de carnes e ossos que era o cadáver. A casa, ainda que soturna e escura, parecia muito sua; e deixa-lo ali, sequer havia sido cogitado. Ficou procurando. Ficou procurando cada vez mais apressado onde poderia largar o cadáver do saco de ternos. Escureceu tanto que ninguém soube aonde o cadáver foi parar. O fedor também fora reconceituado. Alguns anos depois, pode compreender a ideia da ressurreição de Cristo.
PFF

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