quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Sentir frio e sentir quem sente frio

O texto abaixo é do amigo Gabriel Divan. Fiquei felizão de ler o que ele escreveu. No inverno passado, eu e o amigo Giovani Rigoni fizemos em Passo Fundo o "Churrasco do Guerreiro" para alguns moradores de rua, com carne, cachaça e cigarro, tudo ao gosto do freguês. Guerreiro porque só sendo um para poder enfrentar uma noite de inverno com a barriga vazia e nenhuma coberta para jogar em cima do corpo. Comento não para publicizar a boa ação (ainda que seja melhor fazer e publicar do que não fazer porra nenhuma). O desejo não é fazer propaganda senão demonstrar que são as experiências que nos fazem ver os outros lados da moeda (pensar que a moeda só tem dois lados é o primeiro engano...). Falando com os moradores de rua, entendemos que é a bebida o cobertor invisível, o anestésico que bloqueia as sensações do corpo que enfrenta o minuano congelante. Entendemos que os moradores de rua dormem durante o dia porque o sol dá as caras e porque ninguém, mais resistente que seja, consegue ter uma noite de descanso e sono com a temperatura perto do grau zero. Entendemos que o "cidadão de bem" (o moralista chinfrin que o Gabriel fala abaixo) deveria entender essas coisas se tivesse a capacidade de se colocar e de perceber que a vida não é como os cem metros rasos em que todos partem do mesmo lugar. Tempos atrás a também amiga Deia Beheregaray escreveu sobre o elogio hipócrita dos adoradores do inverno, comparando a nossa natureza egóica que se põe a bendizer as delícias do vinho e da lareira enquanto esquece que o charme do inverno castiga quem vive mal ou na rua. A gente que felizmente não precisa sentir frio, tem o DEVER de sentir (e me incluo, e me condeno).






Em um dos mais bem sacados esquetes da TV PIRATA (indiscutivelmente o mais genial programa humorístico da televisão brasileira em todos os tempos – os mais veteranos que nem eu vão lembrar), repleto de ironia non-sense, Diogo Vilela interpretava um pedinte que atacava na calçada uma mulher – vivida por Regina Casé – e lhe pedia uns trocados para comprar cachaça (veja aqui - a partir dos 2 min. e 20 seg de vídeo).

“Que nada, eu sei que você vai é encher essa cara de PÃO“, dizia ela. “Não moça, eu juro que vou tomar uma cachaça“, retrucava ele. “Pensa que eu não sei que tu vai é encher essa cara de pão, seu safado“, sentenciava ela, sem dar o dinheiro e deixando-o sozinho em cena, conferindo seu próprio bafo.

Vagando pela NIGHT de Passo Fundo certa vez, TROMBO com uma figura que, sorrindo, me estende a mão querendo cumprimento. Sorrio de volta, mais por surpresa do que por ver alguém que, definitivamente, não é um conhecido.

A fera exibe sua CARTA DE APRESENTAÇÕES da seguinte maneira:

“Fala chefe! Passeando? Curtindo a noite, então? Beleza. Seguinte meu MEU DIRETOR, eu sou EX-PRESIDIÁRIO, cumpri uma cana aí por causa de UNS HOMICÍDIOS (sic.) e estou tentando aí ganhar a vida de novo. Estou meio DURO, chefia e queria saber se o senhor não me adiantava uns trocadinhos, QUALQUER CENTAVO aí…”

O que me chamou a atenção foi o que ele disse logo em seguida:

“..olha só, NÃO É PRA COMPRAR DROGA não, é só para eu TOMAR UMA CACHAÇA mesmo…”

Um pouco ENGOLFADO pelo senso comum no quesito ao longo de boa parte da minha aventura na terra, costumava praguejar que o ideal estaria em dar COMIDA ou algum OUTRO tipo de ajuda aos “necessitados”, eis que dar dinheiro, pura e simplesmente, era um passe na medida para que a pinta fosse correndo comprar loló.

Pois bem: e se o dinheiro for para comprar loló? Cola? Merla? Crack, enfim?

Respondo em duas palavras: MORALISMO CHINFRIM.

Se um amigo nosso pede um REFORÇO no meio da pira para arranjar uma GOTA ou uma BALA, a gente, QUANDO TEM, SE APRESENTA (e “se não tem tudo bem” – tal como na canção). Se algum ALIADO pede um MANGO no Siriú para pegar um FUMO com um parça na beira da praia, a gente empresta. Se a CONSUMA do BROTHER estourou na festinha, de tanta vodka entornada, a gente COBRE.

E o cara SUJO e FEDORENTO DA RUA: para ele a gente diz(ia): “sai fora que tu vai é FUMAR todas essas moedas, seu cretino, ao invés de comprar um café com leite”.

FODA-SE.

A situação é SÓ UMA: encaro a coisa da seguinte maneira hoje em dia – é um IRMÃO que está na (MUITO) pior. Ou você dá uma grana que estiver SOBRANDO para ele ficar um pouco menos na pior – seja de que jeito for – ou não. E pronto.

Tá a fim, colabora para o cara enfrentar a NEVE. Não tá a fim, não precisa pagar full time de Madre Teresa (mas também não XINGA, que não era).

Apertei a mão do galo e lhe estendi uns pilas em moeda que estavam dando sopa na CHARTER, e não sei se era para cachaça, para o fumo ou para a banana na quitanda. NÃO INTERESSA.

Não interessa MESMO.

Ou AJUDA ou NÃO AJUDA: esse “condicionamento” ao “gasto lícito” e ao “bom uso” da esmola é filosoficamente insustentável, a menos que o sujeito seja um asceta abstêmio Testemunha de Jeová ou um fundamentalista islâmico fanático.

Não é, mesmo, o meu caso nem o dos meus amigos e meus camaradinhas que me respeitam – pois é.

LOGICAMENTE não estimularia ninguém a fumar crack, assim como não estimulo meus amigos a fazerem uso do Chá de Fita e das demais boletas existentes. Agora: se eu vivo argumentando que quem QUER e CURTE se alucinar tem esse DIREITO, porque para o cara que me pede grana na rua eu vou REGULÁ-LO através da liberação ou não do MEU vil-metal?

Repito: a questão passa por estar a fim ou não de dar uma ERGUIDA nos CAÍDOS. Não interessa muito o fim MEDIATO disso tudo.

Até porque 100% das pessoas que pregam que “não é bom dar esmola” porque serve de “estímulo” para as pessoas “viverem” na rua não fazem absolutamente NADA nem tomam NENHUMA outra medida – por menor que seja – para mudar a situação de algum outro jeito.

Difícil é encarar que, diante do QUADRO, o MELHOR que temos a fazer, por vezes, é AJUDAR o cara a viver chapado para aturar a MERDA em que vive.

Somos bons ou maus, no fim das contas?

6 comentários:

  1. Que linda exposição, meu querido.

    Somos egoístas...

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  2. Valeu pelo MERCHAN, meu caro. Essa tua anuencia faz ENGRANDECER a ideia e o post, demais.

    RESPECT!

    PS: como avisei nos meus comments, la, AGUARDO o convite para co-patrocinar o proximo churrasco do GUERREIRO.

    PS2: preciso entregar uuns livros na biblioteca da IMED para fazer um favor a uns amigos. Se pah, aproveitamos para tomar um cafezito. Comunique-se ae (MSN ou email): gabrieldivan ARROBA hotmail.com.

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  3. vocês dois estão de parabéns por terem dedicado um tempo, um churrasco, uma conversa, uma atenção a essas pessoas.
    é engraçado porque há alguns dias, quando voltava da aula com 3º às 9 da noite, pensava "oba, estou indo para minha casa, meu banho quentinho..." e, junto com essa divagação, pensei no mendigo que via catando o lixo na frente do meu apartamento.

    o mais triste é que eu pensei naquilo, entrei em casa e não fiz nada pelo pobre homem.
    aqui cabe exatamente o final da mensagem do Gabriel: "Somos bons ou maus, no fim das contas?"

    abraço Paulinho e,como disse o Gabriel, me proponho também a co-patrocinar o próximo Churrasco do Guerreiro hehehe

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  4. Somos mesmo Miche, um DESAFIO para a vida!

    Gabrielito, seguinte, deixei o rincão de Passo Fundo no inicio desse ano e hj moro no litoral de SC. Deixei a imed e to hj na furb. Entao podemos trocar o café por uma capira beira mar qdo aparecer por essas bandas. De todo modo dá pra promover uma segunda ediação do Churrasco do Guerreiro sim, de repente num final de semana.
    Com a ajuda da Lili que, inclusive, que parabenizo, por ter se arrependido e se sensibilizado. Bacaníssimo lili! Olha, até poderiamos organizar uma versão interestadual do Churrasco do Guerreiro, porque não!

    Abração a todos

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  5. Paulo!
    Não tenho muitas palavras...
    Me procure no Tribunal (SECAP) para o próximo Churrasco do Guerreiro, faço questão de co-patrocinar e agradeço por você terem coragem e disposição para se encarregarem da parte mais difícil!
    Parabéns pela atitude!
    abraço,
    Vi

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  6. Parabéns pela atitude!
    Muitos estão la por razões desconhecidas e quase ninguém se preocupa com eles. As pessoas pensam em torrar a grana que ganharam(mesada dos pais ricos (um exemplo))reclamam que n tem futilidades o suficiente ou reclaman dos outros, da politica e etc..., mas não fazem nada para mudar!

    O importante é vc se sentir bem e saber que foi gratificante ver o brilho e o sorriso de alguém que por tão pouco te agradeceu tanto! conheço pessoas que dizem eu vou, farei, chega o dia encontram compromissos de ultima hora.. palavras de eu tenho vontade,eu farei, não ajudam, atitudes sim!

    Parabéns vc e seu amigo são pessoas de atitude isso é bom !
    bjos

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