quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O HOMO LUDENS CONTEMPORÂNEO



Quem poderá comentar, como comenta-se sobre futebol ou mulheres numa mesa de bar, esses movimentos sutilíssimos do jogo de xadrez da vida? E se alguém puder comentar, com quem comentará? O homo ludens contemporâneo joga xadrez sozinho, trocando incessantemente de posição no tabuleiro.

BÚ (= a um susto)




Na olimpíada poética, todos foram pegos no exame antidoping... Aceita um drink?



segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Limites - Jorge Luis Borges




Dentre as ruas que afundam o poente,
alguma (não sei qual) eu percorri
por uma ultima vez, indiferente
e, sem adivinhá-lo, obedeci


a Quem prefixa onipotentes normas
e uma secreta e rígida medida
às sombras, e aos sonhos, e às formas
que tramam e destramam esta vida.


Se para tudo existe regra e usura
e olvido e nunca mais e ultima vez,
quem nos dirá a quem, a esta altura,
sem perceber, já dissemos adeus?


Por trás do vidro cinza a noite cessa
e da pilha de livros que uma adunca
sombra dilata sobre a vaga mesa,
alguns por certo não leremos nunca.


Há no Sul tanto portal desgastado
com seus jarrões feitos de alvenaria
e tunas, que ao meu passo está vedado
como se fosse uma litografia.


Para sempre fechaste alguma porta
e há um espelho que te aguarda em vão;
a encruzilhada te parece aberta
e o quadrifronte Jano diz que não.


Uma entre todas as memórias tuas
já se perdeu irreparavelmente;
não te verão descer a essa nascente
nem branco sol nem amarela lua.


Não tornará tua voz ao que o persa
disse em sua língua de aves e rosas,
quando ao acaso, vindo a luz dispersa,
queiras dizer inolvidáveis coisas.


E o incessante Ródano e o logo,
todo esse ontem sobre o qual me inclino?
Tão perdido estará quanto Cartago
que o fogo e sal aboliu o latino.


Na aurora penso ouvir um escarcéu
como o rumor de turbas que se apartam;
são tudo o que me amou e me esqueceu;
espaço e tempo e Borges já se afastam.

 

J. L. Borges

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

RELIGIOSOS: PEÇAM UM LUGAR NO CÉU EM MEU NOME, ESTOU OCUPADO

SEXTA-FEIRA: POLTERGEIST CLOWN





Numa sexta-feira,
o guardanapo acabou.

Todos os ranhos do mundo
sendo limpos nas mangas das blusas,
nas mangas da pele do braço.
Quantos mucos tão extremamente nossos acabam nos sujando a vida?

Haviam aniversários,
Festas sob pretexto do encontro,
Esperanças caminhando nas ruas.
Churrascos,

homenagens,

colações de grau,

casamentos.
Os presos viam a sombra dos postes livres através das grades,
as putas contavam dinheiro, acalmavam o inchaço na buceta com KY,
os candeeiros luziam numa estância gaúcha com chiados noturnos e vagalumes.

Os sapos nos banhados estavam se lixando pra economia.
As freirinhas com a bexiga caída oravam suas virgindades.

A infância de alguém em algum lugar,
em alguma sexta-feira adiantada ou atrasada por conta do fuso horário.
O fuso horário existe pra mostrar que o tempo não existe.
Mas existem essas rotações da Terra,
que nos levam ao lugar de antes.
É a sexta que voltou a ser a sexta de antes.
As sextas tem um perfume de universo, uma soterologia própria.
Todos estão atentos à noite de sexta...
talvez olhem o céu, talvez esperem o sábado.

Quem se atreverá a este talvez?
Eu não!


A coragem das sextas vem com os goles.
A coragem depois dorme e sente dor de cabeça.

As sextas à noite dão trabalho, nos cobram.

Se não temos dinheiro no bolso,

as sextas nos dão coronhadas na cabeça.
Se não temos amigos, também.

 o trabalho nas sextas à noite.

Garçons, travestis, taxistas.

Há o trabalhador da sexta à noite,
que são pessaos com seus nomes,
suas marcas, personalíssimas e homônimas...
Sentir o "de novo" enjoa o estômago.
Há quem busque terapias holísitcas na sexta à noite.

Há a meditação budista na sexta à noite, lá na Índia.
Os idiotas entoando mantras são felizes...
quê têm eles nos olhos que podem não ver?
Os paraplégicos,
Os suicidas,

As caturritas de gaiola...
Que é que esse povo faz nas noites de sexta?

Você pode tomar uma cerveja,
Esperar o sexo com sua namorada,
Ver um filme.

E os outros,
esses que fazem essa sua sexta parecer tão assim segunda, quê fazem?
São felizes apenas na cabeça de quem os pensa.
No olho-no-olho, a sexta deles é segunda também.
Inda assim, a sexta é a infância do final de semana.

Nos apaixonamos pela vida na sexta,
Como se a sexta fosse a primeira mamada da vida.
Sonhamos com a sexta assim como sonhamos que existe um amor para a nossa vida.
Ambos são enganações.

A própria enganação, como palavra, engana.

Nietzsche entenderia.
Bukowski entenderia.
Pessoa entenderia.
Vocês 3 devem rir-se de todos que cantam os rótulos humanos.
Essa sexta é o rótulo de um pote de salsicha estragado.

sexta-feira-sexta-feira: escrevo pra foder esse teu rabo sujo.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

alguma alma mesmo que penada





O amor mora na casa da dúvida eterna do engano (se é que não me engano...). Se por um lado isso diferencia o amor do resto, também torna ele uma ponta de agulha fina na frente imediata do nosso globo ocular.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

DEVOTO DAS RECHONCHUDAS - 3a parte



Disse ao médico que eu só precisava de uma requisição pra fazer uns exames. Devíamos ter autonomia pra ir direto a um laboratório solicitar exames de sangue, urina e merda (o famoso exame de merda). Afinal, esse é um cartel que nos obriga a pagar uma consulta simplesmente para que a gente pague um médico. Os laboratórios poderiam fazer ofertas como o McDonalds. MedOferta n. 1: HIV, hepatite C e glicose. Medoferta n. 2: Plaquetas, hepatite B e seu tipo de sangue.

Eu precisava dos exames porque imaginei, hipocondriacamente, que meu sedentarismo poderia me matar de uma hora pra outra, num pique acelerado de bicicleta ou num exercício sexual que exigisse mais do que eu posso oferecer, pulmonarmente falando, dada a fragilidade do meu preparo físico. O médico disse que eu poderia fazer os exames desde que estivesse de jejum. Eu disse que tinha tomado dois cafezinhos na sala de espera. Mandei recordações, por ele, à tia do cafezinho, que adoçava o café, diretamente na térmica, muito bem. Adoçar uma térmica de café ao gosto de todos é pura alquimia. As tias do café que sabem adoçar café na térmica são cientistas químicas que não tivera dinheiro pra faculdade. O médico disse que era pra eu mentir no laboratório, já que o café se dilui rapidamente na carne humana e em toda a gororoba de sangue, melecas e órgãos que ela (a carne humana) segura dentro da gente.

No laboratório, a recepcionista disse que eu precisava mijar em dois potes. Os potes me fizeram lembrar de uma vez que tive que fazer um espermograma pra ver se meus espermatozóides estavam em ordem. Num espermograma, é preciso, em resumo, tocar uma punheta e sair correndo de casa pra levar o gozo dentro de um pote pro laboratório. Aqueles quartos com revistas e filmes pornô dentro dos laboratórios só vi em filme. Aqui no Brasil, punheta de espermograma tem que ser tocada em casa. Isso porque os espermatozóides morrem em uns 15 minutos. Ou seja, a pessoa do laboratório que recebe o potinho com porra, sabe que o cidadão, a apenas quinze minutos atrás, andava tocando uma punheta. É uma intimidade escancarada. Afinal, as pessoas que andam pelas ruas estão sempre recém gozadas, ou prestes a gozar, ou desejando gozar, o que basta para concluir que Freud tinha alguma razão. Às vezes parece que psicanálise freudiana é coisa de quem tem problemas sexuais e de que psicologia junguiana é coisa de quem tem problemas com religião, mas não tenho saco pra esse assunto agora.

Entreguei os potes com mijo quente e com cheiro do café que eu tinha tomado na sala de espera com as gordinhas. O café é a única bebida que persiste até no mijo. Depois fui tirar sangue. Fiquei olhando aquele líquido negro entrando na seringa, escuro, grosso, mortal, abismático, homicida. Uma seringada do meu sangue com prazo de validade de, aproximadamente, 80 anos e nada mais. Se formos longe, temos uns 80 anos de vida. Pensando com calma, dá pra se viver a vida pensando que ela não é nada de importante. Basta considerar que daqui a 50 anos estaremos quase todos, ou mortos, ou caquéticos. Ela colocou aquele esparadrapinho redondo no buraco onde tinha chupado o meu sangue. Fui embora.

Depois de ficar devendo 2 reais no estacionamento, almocei uns bifes, passei calor e esperei a tarde passar para que a noite chegasse. As gordinhas deviam estar almoçando a nova dieta com todo pasto possível. Grãos de bico. Iogurtes pra acelerar a cagada. Depois esteira, caminhadas, esperanças, frutas.

Li uns textos idiotas de cara que faz oficinas literárias, essas coisas que são como igrejas neopentecostais. Nessas oficinas, um escritor supostamente ensina pessoas a escrever do jeito como ele escreve, fodendo, portanto, com qualquer chance de que as pessoas escrevam livremente o que querem e, principalmente, como querem. O problema das oficinas literárias é que ela permite liberdade quanto ao conteúdo, mas escraviza quanto à forma. Ensinam como deve ser a estrutura de um conto, a métrica de uma poesia, o formato e os assuntos cabíveis em uma crônica. Alguém já viu algum gênio como Drummond, Clarice Lispector ou Machado de Assis ter sido aluno de oficina literária? Oficina literária é propaganda enganosa pra escritor frustrado ganhar dinheiro.

Fui até a universidade pra ver e particpar de um seminário a convite de amigos muito queridos. Para o leitor que não participa de seminários acadêmicos, é preciso explicar que, invariavelmente, não conseguimos nos livrar das formalidades, da ritualística, dos hinos, das composições de mesa que não servem pra nada, de todos os “declaro aberto os trabalhos...”; como se alguém não pudesse entender que as coisas começam quando começam, sem que alguém tenha que nos dizer. Na mesa central, diante de um vasto auditório, 7 homens e uma estudante. Todos eles diretores, coordenadores, chefes de alguma coisa, excepcionais em alguma área, doutores.

O hino veio em seguida. Com ele a posição “sou um sarcófago egípcio que não pode sequer coçar o nariz”. O momento do hino é um saco, é a paranóia do hábito que não consegue perceber as inutilidades da tradição. Não há quem se orgulhe senão por conta de alguma ficção que tenha criado. Hino é o momento sublime em que nos dedicamos ao outro. Cantando hino brasileiro em solenidades, sempre existem olhares cruzados que buscam pelo erro do outro em algum dos trechos de apagão que todos bem conhecem no hino do Brasil. Às vezes, as pessoas com mais senso de respeito cortam a segunda parte do hino que começa com o “deitado eternamente em berço esplêndido”.

Um advogado criminalista com cara de porteiro de necrotério subiu e desceu da MESA INICIAL sem dizer nada, como se fosse um candelabro vagabundo que fica sem atenção numa mesa de jantar. Desfeita a formalidade da mesa inaugural, uma professora começou a abrir o verbo no microfone, palestrando. Contabilizava o número de mulheres que levavam sopapos dos maridos e os reflexos da Lei Maria da Penha. Depois um megalomaníaco chamado Luiz Flávio Gomes, entrou apoteoticamente no palco, com direito a luzes e efeitos sonoros. Um cara parecido com esses tipos que dão palestras motivacionais pra gente desacreditada em filme americano. Esses caras vendem, acima de tudo, esperança. É preciso ter esperança de que é possível acreditar em si mesmo, vencer, ter um pau grande, uma conta corrente com privilégios inventados pelo banco, ter fama, ter uma marca pessoal, peidar mais fedido que os colegas do colégio. Em todos os lugares do mundo haviam pessoas vendendo seu peixe à platéias de zumbis. Os zumbis alimentam esses “motivadores”, que realmente tem um senso de oportunidade aguçado.

Vou abrir uma ONG e dar palestra motivacional para as gordinhas. Eu amo elas. Eu amo as veredas. Eu amo fraternalmente a pelanca. Eu disse fraternalmente. 

domingo, 20 de novembro de 2011

BLUE BIRD






Todas estas que disseram não,

atravancando meu passarinho,

vocês entucharão...

Eu azulzinho.



como se é em sendo nuvem




Nuvens...Existo sem que o saiba e morrerei sem que o queira. Sou o intervalo entre o que sou e o que não sou, entre o que sonho e o que a vida fez de mim, a média abstrata e carnal entre coisas que não são nada, sen eu também nada.

Nuvens...Que desassossego se sinto, que desconforto se penso, que inutilidade se quero!

Nuvens...Nada tenho feito de útil nem farei de justificável. Tenho gasto a parte da vida que não perdi em interpretar confusamente coisa nenhuma, fazendo versos em prosa às sensações intransmissíveis com que torno meu o universo incógnito. Estou farto de mim, objetiva e subjetivamente. Estou farto de tudo, e do tudo de tudo.

Nuvens...São como eu, uma passagem desfeita entre o céu e a terra, ao sabor de um impulso invisível, trovejando ou não trovejando, alegrando brancas e escurecendo negras,ficções do intervalo e do descaminho, longe do ruído da terra e sem ter o silêncio do céu.

F. Pessoa

sábado, 19 de novembro de 2011

MARANHÃO

É preciso, no mínimo, ter MEDO de um povo que mistura pornô com chegada de disco voador. 

Eu estava pronto pra sair. Aí tive que vir até aqui escrever. Acho que sou escravo de espíritos de escritores frustrados que estão mortos. Simpatizo com todo escritor frustrado. O escritor que é um escritor e que não tem livros publicados. O escritor como um dever-ser, uma potência, que é uma ansiedade pela dúvida de uma ereção. Um escritor com livros será para sempre um escritor de verdade. Escrever sem ter livros e, portanto, sem ser um escritor aos olhos de quem quer que seja, é um exercício hermenêutico, um não ser nem dia nem noite, senão um interlúdio entre o dia e a noite; é abdicar da vida para escrever. Eu tava prestes de sair à rua, mas fui detido. Dirão: - "esquizofrênico", mas respondo - "só talvez". Um escritor marginal e não publicado deixa de participar de um pedaço da sua vida por conta da escravidão do ofício, mas sem pobreza, nem riqueza. Sem orgasmos de porco, nem dificuldades de gozar. Pedacinho consciente do grande nada.







Vamos à poesia, pois.


Senti por ti,
uma vontade.
Uma benção,
um querer o bem.

Toquei de novo,
com a ponta dos dedos,

o tato de uma grande ejaculação.
Seria Deus uma grande ejaculação?

Ou Ele um momento D’ela?

Requentei a alma
no fogo do desejo,
quem já provou as queimaduras do desejo,
sabe que é um prazer via dor.

Paixão arde e depois mata.
Sabem os serpentistas do nordeste.

Sabem os poetas eventuais.

Visitei o inferno.
Visitei amigos em tabernas,
em hospícios manicomiais.

O céu, depois que saí do inferno,
se tornou um verdadeiro inferno.

Do mesmo inferno que são as filas longas no mercado.

No céu não há fliperama,
não há palavras-cruzadas,
não existem corridas de cavalo,
MMA, internet, Mega-Sena, livros,  tralhas existenciais.
Dizem que lá tudo acontece e não acontece ao mesmo tempo.

Lá não há cor porque os deuses estão acima da cor,

não existem rodas de violão, porque toda música se compactou.

Não existe sexo com uma nordestina, porque o gozo é um orgasmo múltiplo sem fim.
Não existe bebida, porque lá, beber é muito senso comum.

O Céu deve ser uma merda.


Senti saudade porque queria que teu longe fosse,

não só perto, mas BEM PERTO.

Um perto de “aqui do meu lado”.

Tu pelada. Eu pelado.



Até onde eu te queria?
- isso eu não sabia.
Mas eu te queria.
É um erro querer entender o “queria”.
Eu queria porque desde a primeira vez,
tua pele na minha pele ardia,
mas um ardia só de banho quente.

O gelo infinito queima.

Eu pra reagir, tenho reagido contigo.
Queimo como um pedaço de churrasco no fogo.

A gente reage quando queima,
que é ficar se esfregando,
que é um ficar se transformando.


Essa tua viagem foi uma merda,

7 dias, tic tac sem teu corpo...uma merda.
Essa tua viagem foi sinal de alerta.
Macas à postos. Paramédicos. Helicóptero de Emergência.

A cerca é tentada pela revolução a cada reação contigo.
Há uma armada, à porta do castelo.

Reagir! Tenho reagido contigo!

Queimo?
É certo. 
Mas que seja perto.


sexta-feira, 18 de novembro de 2011

TODO O AÇÚCAR QUE HÁ NO SAL



O filósofo Paulo Ghiraldelli, no texto Os Deuses do Brasil, fez uma importante reflexão sobre a ojeriza coletiva que se tem à crítica (o que estamos acostumados a chamar de crítica construtiva) e, também, à regrinha social de que, em nome do polimento e da boa educação, devemos nos omitir de apontar o equívoco, a burrice e a ignorância alheias.

O que – me parece – atravessa esse perfume superficial (o polimento) que tenta mascarar uma caganeira (o fato de que o burro estará condenado eternamente a ser burro, ainda que na maioria das vezes sejam burrices pontuais), é a dificuldade de acreditarmos na saúde que provém de uma boa relação com o Diabo. Repudiamos o Diabo porque não conseguimos ver a “divina” possibilidade de construção a partir do NÃO.

Eis o mote da dificuldade de absorver a crítica. Essa ideia já gasta da psicanálise, de que recalcamos a crítica por não termos suporte de carregá-la, afastando de nós mesmos nossos aspectos sombrios e nossas diabruras, é o que está no cerne do péssimo tratamento que se dá à crítica.

Entre os leigos é comum a ignorância sobre o fato de que a crítica é, antes de tudo, uma análise. Uma análise que nem sempre está preocupada em buscar um posicionamento. A crítica, vista como o julgamento que outro faz de algo que é meu, não é crítica, mas luta entre egos inflacionados. O senso comum combate o espaço transitório que é o famoso “em cima do muro”. Porque o senso comum odeia gente em cima do muro, é que querem enquadrar a crítica como sendo SEMPRE um “ser contra” ou um “ser a favor”.

O senso comum, que desde sempre está domesticado para tentar satisfazer a sua “vontade de trono” (nem que pra isso sejam as figuras da Revista Caras suas majestades) opera sempre na lógica primitiva da guerra. É a repetição contemporânea da guerra justa que aparece na história da filosofia: a guerra justa do senso burro. Eles querem o xeque mate, o mata leão, o delírio do nocaute no MMA que, agora narrado pelo Galvão Bueno, vai fazer as criançinhas rolarem e ralarem os joelhos nos pátios das escolas, querendo esganar o coleguinha, trucidá-lo a fim de que possam tomar posse de seus pequenos tronos.

O Mario Quintana e o Bukowski - se não me embanano com a memória - diziam que não há pior amigo do que aquele que elogia algo que, em nada, é elogiável. Esse descompromisso com o outro pela anestesia da não-crítica, por um eterno medo do não, põe um tapume nos nossos caminhos, empata qualquer construção. Afiem os dedos. Apontem os dedos. Com propósito e doçura.



quinta-feira, 17 de novembro de 2011

MÍNIMAS - 5


metalegenda: A LEGENDA




Os reis e os gênios e todos os fronteiriços são prostitutos que cobram com moedas de vaidade.


*

A filosofia que se anuncia para o futuro tem o compromisso de ser uma filosofia carregada de intimidade. Na filosofia do futuro, formada por indivíduos individuados, cada um falará com propriedade apenas daquilo que realmente é.


*


Enquanto o Windows muda, o mundo vai envelhecendo.


*


Um carrossel monótono com idiotas em cavalinhos de madeira que vem e vão sempre do mesmo jeito e no mesmo lugar, assistidos por outros idiotas sem paciência que estão preocupados com os investimentos, com a otimização de tudo que se tem que ser, com a trepada com a namorada, com a próxima forma de ser aceitável aos outros: eis a vida, como ela é.


*


É na escuridão que podemos encontrar o amor que devemos aos outros. O amor precisa, antes, de muitas rosetas ferinas na sola de um pé descalço.

*

Num mundo de mercadorias, a trincheira que temos é a produção de belezas íntimas que valem apenas alguns centavos.

*

O amor é uma circunstância de necessidades.

*

Os outros, se bem não nos deixam viver como reis de nós mesmos, também nos fazem ter a nobreza de abdicar do reinado.


*


O amor é quando os paradoxos se confundem depois de uma cambalhota.







quarta-feira, 16 de novembro de 2011

DEVOTO DAS RECHONCHUDAS - 2a parte

Coloquei o livro do Bukowski que me acompanhava no canto da cadeira, que era bem espaçosa. Dei uma nova olhada para as gordinhas da sala, algumas retribuíram o olhar. Me senti o rei delas, um Quixote magro no meio de um puteiro espiritual de gordas otimistas. Eu ainda amava cada uma das gordas, torcendo para que ficassem magrinhas, saudáveis, gostosas e, claro, que mantivessem a simpatia.

Voltei os olhos ao jornal. Numa página a foto de um cartaz grudado a um poste de rua com a inscrição “JESUS BREVE VOLTARÁ”. Pensei, será que ele voltará? Não conclui nada. Segui folhando o jornal. Em outra página, a notícia de que uma professora inglesa tinha sido condenada pela justiça britânica porque tinha mandado umas mensagens sexuais pra um aluno de 14 anos.

No meu tempo, aluno comer a professora era caso de premiação e não de condenação. Se o mundo anda tão mudado assim, dá até pra acreditar que Jesus vai mesmo voltar. Na política, corrupções e brigas partidárias. Nos esportes, esportes. Colunas sem nada a dizer. Uma articulista indicando um livro. Outro articulista dizendo que estava com as unhas encravadas. Obituários de gente que estava morta antes de morrer. Missas de 7º dia. Palavras cruzadas.

Meu horóscopo dizia que era pra tomar cuidado com pessoas próximas (sinal de que as pessoas que moram longe não vão me fazer nenhum mal, pensei - claro, como que alguém do Nepal vai me fazer mal?...). A Grécia quebrada com Sócrates no cemitério desdenhando dos coveiros e seus salários de fome que não podiam comprar as coisas, que estavam pela hora da morte. Protestos e passeatas contra o capitalismo, já que o grande mal da civilização é ter dificuldade de perceber o óbvio.

Um representante comercial de remédios entrou na sala e pediu pra falar com um dos médicos. A secretária deu uma evasiva. Ele deixou umas caixas de amostra grátis com a secretaria e sumiu. Esses caras são sempre iguais: uma calça alinhada, uma camisa mais alinhada ainda, graduação e pós-graduação em “jeitinho brasileiro” (pra convencer os médicos a usar os remédios dos laboratórios que eles representam) e, claro, uma pasta de couro gigantesca e pesada como um chumbo sem esperança. Eles não usam gravata pra não comprometer a vaidade dos médicos. Se alguém descobrir algum representante comercial de remédios que use gravata, mande uma foto.

Depois de passar todas as páginas do jornal, percebi que a sala tinha apenas 3 gordinhas, o que significava que logo chegaria a minha vez. É bom levar um livro quando se vai ao médico. Abri o Bukowski e o que eu lia era sobre a beleza que existe no submundo. A honestidade até suas últimas consequências, tão anestesiantes quanto fortes e porcas e fedorentas. Chamaram o meu nome. Entrei num corredor que dava para várias portas.

– É a sala número 5, indicou uma moça legal.
– Brigado, agradeci.

Entrei na sala. O médico parecia um imbecil. Tinha sido educado e domesticado pra ser uma pessoa legal, orgulho dos avós, dos pais, do presidente da república. Parecia uma múmia sem vida. Tinha um cabelo preto penteado pro lado, com gel. Provavelmente Bozzano. Uma foto da esposa e do filho, que devia ter uns 8 anos. A aliança cintilava no dedo em que se coloca a aliança quando se tem a genial ideia de casar. Alguns dizem que eu falo mal do casamento porque não encontrei um amor de verdade, fodam-se.

(CONTINUA...)

domingo, 13 de novembro de 2011

VENDO LOTES EM MARTE


Belíssimo documentário exibido no Cinerama BC sobre o iceberg que humanamente se anuncia nos mares da nossa civilização. Ver que os rios que correm entre as veias humanas são iguais às veias da Terra é aterrador. O resumo da ópera é que estamos todos fritos.

Tenho ingressos para os discos voadores que virão nos salvar e lotes em Marte à venda, com vista para outros lotes desabitados. Excelentes condições de pagamento. Primeira parcela só depois do Natal. Havendo interesse, favor contatar o administrador deste blog.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

DEVOTO DAS RECHONCHUDAS - 1a parte

O porteiro do edifício indicou que o andar do médico que eu ia era o 8º. Subi. Era uma clínica de gordinhas que queriam descobrir porque o destino tinha lhes dado o excesso de banha humana como presente.

Gordinhas são sempre simpáticas, olham nos nossos olhos com uma ternura que as magras não têm pra oferecer no olhar. Eram muitas. Todas tinham levantado cedo e ido até o médico esperando algum milagre da ciência para que elas pudessem andar num dos cavalinhos do grande carrossel monótono da vida.

A clínica tinha três secretárias que, somadas as 8 ou 9 gordinhas que esperavam cheirosas com suas revistas e seus copinhos de café, me tornava um bendito fruto. As secretárias não tinham nem estilo nem gostosura nem calentura.

Prefiro gordas com personalidade antes de gente sem sal. Secretárias de médico são tipos de fêmea que habitam o imaginário masculino, com suas saiotas brancas e suas pernas finas e morenas e desenhadas por músculos que se escondem na camada fina de gordura que elas têm e que faz toda a diferença. Mas esse não era o caso daquelas secretárias.

Enquanto esperava que uma das três secretárias me atendesse, já que todas atendiam telefones e mexiam naquelas fichas médicas de convênios e potes de plástico com pelancas de gente gorda dentro, bebi um café naqueles copinhos plásticos de sala de espera. A sala era muito bem decorada pra dar uma esperança às gordas. Desenhos de gesso no teto, luzes indiretas, fontes de água. Nas paredes pôsteres de cidades grandes como Paris ou Nova Iorque. As gordinhas olhavam os quadros e desejavam ser gostosas como Paris ou Nova Iorque.

Queriam a fama das cidades grandes, queriam viagens, homens ricos, pausudos, pançudos, elas queriam orgasmos múltiplos, rosas na banheira com óleo de amêndoa da Tailândia, queriam champanhes, filhos educados, queriam um espaço na apertada vitrine das gostosas que dilaceravam suas vidas e seus sonhos nas Playboys, na televisão, no Pânico na TV, nos puteiros de putas gostosas à altura do bolso dos maridos que elas pretende(ria)m caso fossem magras.

As gordinhas hoje levam o fardo que já foi dos negros, dos judeus, dos índios, dos veados, dos nordestinos e por aí vai. A sala de espera foi me fazendo bem. Nenhum homem gosta de mulher gorda, senão por falta de opção. Nelson Rodrigues dizia que dinheiro só compra amor verdadeiro. Hoje, pode-se dizer que as gordas são as únicas que têm amores de verdade. Uma gorda na vida de um homem não é uma escolha, mas uma necessidade. Mas como tenho um verdadeiro afeto por tudo que é marginalizado, me aliei à classe das gordinhas, excluídas que são nesses nossos difíceis dias difíceis.

Sorri pra elas, comunicando-me sem falar nada. Elas corresponderam. Sorriram, uma a uma, algumas desconfiadas, outras mexendo no cabelo e trocando a perna cruzada. Eu amei aquelas gordinhas enquanto bebia o café no copo de plástico. Elas estavam ali mais vivas do que nunca, cheias de esperança, confiantes, honestas, espermatozóides tentando entrar num grande útero chamado pertencimento.

Uma das secretárias enfim me atendeu. Entreguei os documentos. Ela perguntou meu endereço, meu telefone, o número do convênio, o dia do meu nascimento, o tipo do meu sangue, perguntou se eu era alérgico, o tamanho do meu pau (foi só o que faltou)... Perguntei quanto custava e ela disse que era 70 reais. Paguei. Fiquei pensando que poderia empregar melhor meu dinheiro, mas, àquelas alturas, era melhor ir em frente.

A secretaria me mandou sentar e esperar até que alguém chamasse o meu nome. Abasteci o mini copo de café, peguei o jornal do dia anterior, e sentei numa cadeira que parecia um trono. Depois é que, pensando, percebi que o cadeirão era pra que as gordas não entalassem como rolhas de vinho estragado.

 
(CONTINUA)

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

um poema estranho



Antes do início,

éramos um nada dividido ao meio.

De metades, passamos à unidade de uma célula.

Éramos então uma vida que não desejava,

um não-querer autocontente,

satisfeitos com o trançado arbitrário das moiras do acaso.

Vivíamos felizes:

sem gozo,

sem um chefe, 

sem pódio,

sem cerveja gelada,

sem contas pra pagar,

sem saudade, principalmente sem saudade,

sem ausências, mesmo em solidificada solidão.

A unidade, em si mesma, bastava.

Éramos vivos sem consciência de vida,

como se a unidade fosse um sonho que lembramos no dia seguinte.

Depois do início vem a vida.

Viver é a responsabilidade

de encontrar essa unidade perdida.

E o fazemos com a música que nos chega aos ouvidos,

tocando uma punheta inspiradora,

trabalhando com algum prazer,

lendo um livro que preste.

São apenas lampejos nostálgicos do nosso nada de antes,

mais nada.