segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Limites - Jorge Luis Borges




Dentre as ruas que afundam o poente,
alguma (não sei qual) eu percorri
por uma ultima vez, indiferente
e, sem adivinhá-lo, obedeci


a Quem prefixa onipotentes normas
e uma secreta e rígida medida
às sombras, e aos sonhos, e às formas
que tramam e destramam esta vida.


Se para tudo existe regra e usura
e olvido e nunca mais e ultima vez,
quem nos dirá a quem, a esta altura,
sem perceber, já dissemos adeus?


Por trás do vidro cinza a noite cessa
e da pilha de livros que uma adunca
sombra dilata sobre a vaga mesa,
alguns por certo não leremos nunca.


Há no Sul tanto portal desgastado
com seus jarrões feitos de alvenaria
e tunas, que ao meu passo está vedado
como se fosse uma litografia.


Para sempre fechaste alguma porta
e há um espelho que te aguarda em vão;
a encruzilhada te parece aberta
e o quadrifronte Jano diz que não.


Uma entre todas as memórias tuas
já se perdeu irreparavelmente;
não te verão descer a essa nascente
nem branco sol nem amarela lua.


Não tornará tua voz ao que o persa
disse em sua língua de aves e rosas,
quando ao acaso, vindo a luz dispersa,
queiras dizer inolvidáveis coisas.


E o incessante Ródano e o logo,
todo esse ontem sobre o qual me inclino?
Tão perdido estará quanto Cartago
que o fogo e sal aboliu o latino.


Na aurora penso ouvir um escarcéu
como o rumor de turbas que se apartam;
são tudo o que me amou e me esqueceu;
espaço e tempo e Borges já se afastam.

 

J. L. Borges

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