Disse ao médico que eu só precisava de uma requisição pra fazer uns exames. Devíamos ter autonomia pra ir direto a um laboratório solicitar exames de sangue, urina e merda (o famoso exame de merda). Afinal, esse é um cartel que nos obriga a pagar uma consulta simplesmente para que a gente pague um médico. Os laboratórios poderiam fazer ofertas como o McDonalds. MedOferta n. 1: HIV, hepatite C e glicose. Medoferta n. 2: Plaquetas, hepatite B e seu tipo de sangue.
Eu precisava dos exames porque imaginei, hipocondriacamente, que meu sedentarismo poderia me matar de uma hora pra outra, num pique acelerado de bicicleta ou num exercício sexual que exigisse mais do que eu posso oferecer, pulmonarmente falando, dada a fragilidade do meu preparo físico. O médico disse que eu poderia fazer os exames desde que estivesse de jejum. Eu disse que tinha tomado dois cafezinhos na sala de espera. Mandei recordações, por ele, à tia do cafezinho, que adoçava o café, diretamente na térmica, muito bem. Adoçar uma térmica de café ao gosto de todos é pura alquimia. As tias do café que sabem adoçar café na térmica são cientistas químicas que não tivera dinheiro pra faculdade. O médico disse que era pra eu mentir no laboratório, já que o café se dilui rapidamente na carne humana e em toda a gororoba de sangue, melecas e órgãos que ela (a carne humana) segura dentro da gente.
No laboratório, a recepcionista disse que eu precisava mijar em dois potes. Os potes me fizeram lembrar de uma vez que tive que fazer um espermograma pra ver se meus espermatozóides estavam em ordem. Num espermograma, é preciso, em resumo, tocar uma punheta e sair correndo de casa pra levar o gozo dentro de um pote pro laboratório. Aqueles quartos com revistas e filmes pornô dentro dos laboratórios só vi em filme. Aqui no Brasil, punheta de espermograma tem que ser tocada em casa. Isso porque os espermatozóides morrem em uns 15 minutos. Ou seja, a pessoa do laboratório que recebe o potinho com porra, sabe que o cidadão, a apenas quinze minutos atrás, andava tocando uma punheta. É uma intimidade escancarada. Afinal, as pessoas que andam pelas ruas estão sempre recém gozadas, ou prestes a gozar, ou desejando gozar, o que basta para concluir que Freud tinha alguma razão. Às vezes parece que psicanálise freudiana é coisa de quem tem problemas sexuais e de que psicologia junguiana é coisa de quem tem problemas com religião, mas não tenho saco pra esse assunto agora.
Entreguei os potes com mijo quente e com cheiro do café que eu tinha tomado na sala de espera com as gordinhas. O café é a única bebida que persiste até no mijo. Depois fui tirar sangue. Fiquei olhando aquele líquido negro entrando na seringa, escuro, grosso, mortal, abismático, homicida. Uma seringada do meu sangue com prazo de validade de, aproximadamente, 80 anos e nada mais. Se formos longe, temos uns 80 anos de vida. Pensando com calma, dá pra se viver a vida pensando que ela não é nada de importante. Basta considerar que daqui a 50 anos estaremos quase todos, ou mortos, ou caquéticos. Ela colocou aquele esparadrapinho redondo no buraco onde tinha chupado o meu sangue. Fui embora.
Depois de ficar devendo 2 reais no estacionamento, almocei uns bifes, passei calor e esperei a tarde passar para que a noite chegasse. As gordinhas deviam estar almoçando a nova dieta com todo pasto possível. Grãos de bico. Iogurtes pra acelerar a cagada. Depois esteira, caminhadas, esperanças, frutas.
Li uns textos idiotas de cara que faz oficinas literárias, essas coisas que são como igrejas neopentecostais. Nessas oficinas, um escritor supostamente ensina pessoas a escrever do jeito como ele escreve, fodendo, portanto, com qualquer chance de que as pessoas escrevam livremente o que querem e, principalmente, como querem. O problema das oficinas literárias é que ela permite liberdade quanto ao conteúdo, mas escraviza quanto à forma. Ensinam como deve ser a estrutura de um conto, a métrica de uma poesia, o formato e os assuntos cabíveis em uma crônica. Alguém já viu algum gênio como Drummond, Clarice Lispector ou Machado de Assis ter sido aluno de oficina literária? Oficina literária é propaganda enganosa pra escritor frustrado ganhar dinheiro.
Fui até a universidade pra ver e particpar de um seminário a convite de amigos muito queridos. Para o leitor que não participa de seminários acadêmicos, é preciso explicar que, invariavelmente, não conseguimos nos livrar das formalidades, da ritualística, dos hinos, das composições de mesa que não servem pra nada, de todos os “declaro aberto os trabalhos...”; como se alguém não pudesse entender que as coisas começam quando começam, sem que alguém tenha que nos dizer. Na mesa central, diante de um vasto auditório, 7 homens e uma estudante. Todos eles diretores, coordenadores, chefes de alguma coisa, excepcionais em alguma área, doutores.
O hino veio em seguida. Com ele a posição “sou um sarcófago egípcio que não pode sequer coçar o nariz”. O momento do hino é um saco, é a paranóia do hábito que não consegue perceber as inutilidades da tradição. Não há quem se orgulhe senão por conta de alguma ficção que tenha criado. Hino é o momento sublime em que nos dedicamos ao outro. Cantando hino brasileiro em solenidades, sempre existem olhares cruzados que buscam pelo erro do outro em algum dos trechos de apagão que todos bem conhecem no hino do Brasil. Às vezes, as pessoas com mais senso de respeito cortam a segunda parte do hino que começa com o “deitado eternamente em berço esplêndido”.
Um advogado criminalista com cara de porteiro de necrotério subiu e desceu da MESA INICIAL sem dizer nada, como se fosse um candelabro vagabundo que fica sem atenção numa mesa de jantar. Desfeita a formalidade da mesa inaugural, uma professora começou a abrir o verbo no microfone, palestrando. Contabilizava o número de mulheres que levavam sopapos dos maridos e os reflexos da Lei Maria da Penha. Depois um megalomaníaco chamado Luiz Flávio Gomes, entrou apoteoticamente no palco, com direito a luzes e efeitos sonoros. Um cara parecido com esses tipos que dão palestras motivacionais pra gente desacreditada em filme americano. Esses caras vendem, acima de tudo, esperança. É preciso ter esperança de que é possível acreditar em si mesmo, vencer, ter um pau grande, uma conta corrente com privilégios inventados pelo banco, ter fama, ter uma marca pessoal, peidar mais fedido que os colegas do colégio. Em todos os lugares do mundo haviam pessoas vendendo seu peixe à platéias de zumbis. Os zumbis alimentam esses “motivadores”, que realmente tem um senso de oportunidade aguçado.
Vou abrir uma ONG e dar palestra motivacional para as gordinhas. Eu amo elas. Eu amo as veredas. Eu amo fraternalmente a pelanca. Eu disse fraternalmente.
hahahahaa show de bola nene!!!
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