quarta-feira, 16 de novembro de 2011

DEVOTO DAS RECHONCHUDAS - 2a parte

Coloquei o livro do Bukowski que me acompanhava no canto da cadeira, que era bem espaçosa. Dei uma nova olhada para as gordinhas da sala, algumas retribuíram o olhar. Me senti o rei delas, um Quixote magro no meio de um puteiro espiritual de gordas otimistas. Eu ainda amava cada uma das gordas, torcendo para que ficassem magrinhas, saudáveis, gostosas e, claro, que mantivessem a simpatia.

Voltei os olhos ao jornal. Numa página a foto de um cartaz grudado a um poste de rua com a inscrição “JESUS BREVE VOLTARÁ”. Pensei, será que ele voltará? Não conclui nada. Segui folhando o jornal. Em outra página, a notícia de que uma professora inglesa tinha sido condenada pela justiça britânica porque tinha mandado umas mensagens sexuais pra um aluno de 14 anos.

No meu tempo, aluno comer a professora era caso de premiação e não de condenação. Se o mundo anda tão mudado assim, dá até pra acreditar que Jesus vai mesmo voltar. Na política, corrupções e brigas partidárias. Nos esportes, esportes. Colunas sem nada a dizer. Uma articulista indicando um livro. Outro articulista dizendo que estava com as unhas encravadas. Obituários de gente que estava morta antes de morrer. Missas de 7º dia. Palavras cruzadas.

Meu horóscopo dizia que era pra tomar cuidado com pessoas próximas (sinal de que as pessoas que moram longe não vão me fazer nenhum mal, pensei - claro, como que alguém do Nepal vai me fazer mal?...). A Grécia quebrada com Sócrates no cemitério desdenhando dos coveiros e seus salários de fome que não podiam comprar as coisas, que estavam pela hora da morte. Protestos e passeatas contra o capitalismo, já que o grande mal da civilização é ter dificuldade de perceber o óbvio.

Um representante comercial de remédios entrou na sala e pediu pra falar com um dos médicos. A secretária deu uma evasiva. Ele deixou umas caixas de amostra grátis com a secretaria e sumiu. Esses caras são sempre iguais: uma calça alinhada, uma camisa mais alinhada ainda, graduação e pós-graduação em “jeitinho brasileiro” (pra convencer os médicos a usar os remédios dos laboratórios que eles representam) e, claro, uma pasta de couro gigantesca e pesada como um chumbo sem esperança. Eles não usam gravata pra não comprometer a vaidade dos médicos. Se alguém descobrir algum representante comercial de remédios que use gravata, mande uma foto.

Depois de passar todas as páginas do jornal, percebi que a sala tinha apenas 3 gordinhas, o que significava que logo chegaria a minha vez. É bom levar um livro quando se vai ao médico. Abri o Bukowski e o que eu lia era sobre a beleza que existe no submundo. A honestidade até suas últimas consequências, tão anestesiantes quanto fortes e porcas e fedorentas. Chamaram o meu nome. Entrei num corredor que dava para várias portas.

– É a sala número 5, indicou uma moça legal.
– Brigado, agradeci.

Entrei na sala. O médico parecia um imbecil. Tinha sido educado e domesticado pra ser uma pessoa legal, orgulho dos avós, dos pais, do presidente da república. Parecia uma múmia sem vida. Tinha um cabelo preto penteado pro lado, com gel. Provavelmente Bozzano. Uma foto da esposa e do filho, que devia ter uns 8 anos. A aliança cintilava no dedo em que se coloca a aliança quando se tem a genial ideia de casar. Alguns dizem que eu falo mal do casamento porque não encontrei um amor de verdade, fodam-se.

(CONTINUA...)

2 comentários:

  1. Professor, você esqueceu de colocar, que tais representantes, são profissionais em "puxar o saco". Eles puxam o saco da secretária (que não tem bem um saco, mas nada que umas lembrancinhas no final do ano não resolva), dos clientes que estão aguardando (mesmo não conhecendo, porque vai que um deles é parente do médico), do porteiro (o porteiro sabe de tudo o que o médico faz, onde foi, o que gosta de fazer), ou seja, é meio que um agente do FBI em puxar saco e saber sobre a vida deles....

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  2. verdade amigo Bruno, dá pra escrever um livro "A psicologia do representante comercial de remédio". Esses caras tem muito a ensinar. hahaha
    Grande abraço

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