quinta-feira, 10 de novembro de 2011

DEVOTO DAS RECHONCHUDAS - 1a parte

O porteiro do edifício indicou que o andar do médico que eu ia era o 8º. Subi. Era uma clínica de gordinhas que queriam descobrir porque o destino tinha lhes dado o excesso de banha humana como presente.

Gordinhas são sempre simpáticas, olham nos nossos olhos com uma ternura que as magras não têm pra oferecer no olhar. Eram muitas. Todas tinham levantado cedo e ido até o médico esperando algum milagre da ciência para que elas pudessem andar num dos cavalinhos do grande carrossel monótono da vida.

A clínica tinha três secretárias que, somadas as 8 ou 9 gordinhas que esperavam cheirosas com suas revistas e seus copinhos de café, me tornava um bendito fruto. As secretárias não tinham nem estilo nem gostosura nem calentura.

Prefiro gordas com personalidade antes de gente sem sal. Secretárias de médico são tipos de fêmea que habitam o imaginário masculino, com suas saiotas brancas e suas pernas finas e morenas e desenhadas por músculos que se escondem na camada fina de gordura que elas têm e que faz toda a diferença. Mas esse não era o caso daquelas secretárias.

Enquanto esperava que uma das três secretárias me atendesse, já que todas atendiam telefones e mexiam naquelas fichas médicas de convênios e potes de plástico com pelancas de gente gorda dentro, bebi um café naqueles copinhos plásticos de sala de espera. A sala era muito bem decorada pra dar uma esperança às gordas. Desenhos de gesso no teto, luzes indiretas, fontes de água. Nas paredes pôsteres de cidades grandes como Paris ou Nova Iorque. As gordinhas olhavam os quadros e desejavam ser gostosas como Paris ou Nova Iorque.

Queriam a fama das cidades grandes, queriam viagens, homens ricos, pausudos, pançudos, elas queriam orgasmos múltiplos, rosas na banheira com óleo de amêndoa da Tailândia, queriam champanhes, filhos educados, queriam um espaço na apertada vitrine das gostosas que dilaceravam suas vidas e seus sonhos nas Playboys, na televisão, no Pânico na TV, nos puteiros de putas gostosas à altura do bolso dos maridos que elas pretende(ria)m caso fossem magras.

As gordinhas hoje levam o fardo que já foi dos negros, dos judeus, dos índios, dos veados, dos nordestinos e por aí vai. A sala de espera foi me fazendo bem. Nenhum homem gosta de mulher gorda, senão por falta de opção. Nelson Rodrigues dizia que dinheiro só compra amor verdadeiro. Hoje, pode-se dizer que as gordas são as únicas que têm amores de verdade. Uma gorda na vida de um homem não é uma escolha, mas uma necessidade. Mas como tenho um verdadeiro afeto por tudo que é marginalizado, me aliei à classe das gordinhas, excluídas que são nesses nossos difíceis dias difíceis.

Sorri pra elas, comunicando-me sem falar nada. Elas corresponderam. Sorriram, uma a uma, algumas desconfiadas, outras mexendo no cabelo e trocando a perna cruzada. Eu amei aquelas gordinhas enquanto bebia o café no copo de plástico. Elas estavam ali mais vivas do que nunca, cheias de esperança, confiantes, honestas, espermatozóides tentando entrar num grande útero chamado pertencimento.

Uma das secretárias enfim me atendeu. Entreguei os documentos. Ela perguntou meu endereço, meu telefone, o número do convênio, o dia do meu nascimento, o tipo do meu sangue, perguntou se eu era alérgico, o tamanho do meu pau (foi só o que faltou)... Perguntei quanto custava e ela disse que era 70 reais. Paguei. Fiquei pensando que poderia empregar melhor meu dinheiro, mas, àquelas alturas, era melhor ir em frente.

A secretaria me mandou sentar e esperar até que alguém chamasse o meu nome. Abasteci o mini copo de café, peguei o jornal do dia anterior, e sentei numa cadeira que parecia um trono. Depois é que, pensando, percebi que o cadeirão era pra que as gordas não entalassem como rolhas de vinho estragado.

 
(CONTINUA)

3 comentários:

  1. Olá Paulo, quero informar que ababo de ler em minha sala em voz alta 2 de seus textos e que, tornei a sexta mais de minha chefe, minha e de uma companheira mais feliz, chegamos a conclusão que deves escrever um livro, pois tens o dom da escrita.
    Beijos!

    Larissa Paul, cuja aprovação no primeiro semestre foi fruto de sua boa vontade na qual sou eternamente grata.

    ResponderExcluir
  2. Paulinho, tu é foda !!! Muito bom !

    ResponderExcluir
  3. pÔ lARI, deixar a vida de alguém mais feliz é uma coisa muito legal. QUe satisfação! Brigado.

    Um "alter" obriga à ti, Ci. Fiquei sabendo que casou, desejo paciência, maturidade e amor. NEssa ordem. Beijaõ

    ResponderExcluir