sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Contos Imediatos XXXIV



ELE VOLTOU
-
Em 2012 a profecia dos Maias não se confirmou e o mundo acabou não acabando. Mas nem por isso deixou de ser um ano especial. Isso porque Jesus voltou à Terra para terminar o trabalho de conscientização que tinha iniciado na época que inventaram os calendários, esses que ficam espiando a calma dos empresários e outras gentes importantes nas mesas dos escritórios.


O reencarne de Jesus gerou polêmica. Os espíritas passaram a dizer que a volta do filho de Deus representava a confirmação da doutrina revelada muito tempo depois do nascimento dos calendários com Allan Kardec, o francês que falava com os espíritos depois encher a cara de espumante da melhor estirpe. Houve também um problema cartorário que impediu o registro de Jesus com o nome primordial. Alegou o tabelião que já tinha muita gente com o nome de Jesus de Nazaré – o que confirmava o sucesso da primeira campanha – e que por isso era necessário eleger outro nome para evitar o desgaste burocrático causado pela epidemia dos homônimos. Resolveu-se o imbróglio substituindo-se Jesus por Josué. Além de também começar com “ J”, rimava com Nazaré. Não confundiria o eleitorado e era um prato cheio para os marketeiros da campanha, que poderiam criar um jingle divino do tipo “Josué de Nazaré, ele voltou, vai dizer que tu não qué...”

Mas Josué não cresceu muito, era baixíssimo. Não tinha aquela cara de galã europeu nem aquele cabelo de principe encantado de outrora. Também veio ao segundo tempo da existência bem mulato, quase negro. E esse quase o impediu de faturar uma das vagas na universidade reservada aos negros pelo sistema de cotas. De fato ele não era um negrão digno do rótulo com aquela cor de cuia de chimarrão misturada com cor de burro quando foge, que é uma cor que até hoje ninguém sabe a qual das três cores essências pertence.

Aos 33 anos Josué saiu pelas ruas gritando que era o caminho, a verdade e a vida. A vizinhança disse que ele tinha enlouquecido. Os amigos do bar disseram que ele sempre tinha problemas por excesso de vaidade, principalmente depois que tomava muito vinho. Acabou trancado no hospital psiquiátrico municipal. Esperneava e gritava pelos corredores que era o salvador, que sabia o caminho, que podia ensinar o que era a vida plena e que tinha a verdade dentro da algibeira. Acabou morrendo de overdose medicamentosa.

PFF

Nenhum comentário:

Postar um comentário