DESFIBRILADORES, ÁCAROS E OUTROS ASSUNTOS JURÍDICOS
O cartesianismo nos legou a capacidade de criar categorias e apreender, no universo positivado das mórbidas palavras do Direito, o sentido semântico e o sentido sensível das coisas e das relações que envolvem os homens. O cartesianismo também foi a inspiração de Montesquieu, na divisão e atribuição dos poderes de um Estado já constituído e norteado para a proteção de algumas individualidades e para a promoção da solidariedade. Os projetos da modernidade, esculpidos como horizonte de sentido do Direito ocidental, fizeram dos pilares da revolução francesa – liberdade, igualdade e fraternidade – o sonho de estruturação de um Estado repleto de todos os atributos éticos e poéticos. Entre os caminhos da modernidade, a vontade de lei inspirada pelo positivismo de Comte, dividia espaço com a já clássica e sedimentada dramaturgia romântica de Shakespeare. Esses e outros incontáveis dualismos, foram, no trotar venenoso do século passado, esfacelados na constituição desse Estado que, ingenuamente, chamamos de democrático e que batizamos, de forma cega pelo ideal de justiça, de Direito.
O cartesianismo nos legou a capacidade de criar categorias e apreender, no universo positivado das mórbidas palavras do Direito, o sentido semântico e o sentido sensível das coisas e das relações que envolvem os homens. O cartesianismo também foi a inspiração de Montesquieu, na divisão e atribuição dos poderes de um Estado já constituído e norteado para a proteção de algumas individualidades e para a promoção da solidariedade. Os projetos da modernidade, esculpidos como horizonte de sentido do Direito ocidental, fizeram dos pilares da revolução francesa – liberdade, igualdade e fraternidade – o sonho de estruturação de um Estado repleto de todos os atributos éticos e poéticos. Entre os caminhos da modernidade, a vontade de lei inspirada pelo positivismo de Comte, dividia espaço com a já clássica e sedimentada dramaturgia romântica de Shakespeare. Esses e outros incontáveis dualismos, foram, no trotar venenoso do século passado, esfacelados na constituição desse Estado que, ingenuamente, chamamos de democrático e que batizamos, de forma cega pelo ideal de justiça, de Direito.
Em que canto escuro restaram esquecidos os sentidos sensíveis que reavivam as próprias palavras? Em que sala vazia perdemos a solidariedade que vai do olhar do outro ao reconhecimento afetivo por simplesmente ser humano? Em que parte do caminho ficou a empoeirada sensibilidade poética dos românticos que hoje pouco habita o pobre imaginário jurídico? Não compramos mais as doces dramaturgias antigas. Cremos que os falsários eruditos da lei ainda doutrinam. Advogamos nossa própria tentativa de acesso a um paraíso neobárbaro que sequer nos oferta o gran finale prometido. E novamente esquecemos que deveríamos esquecer essas tolices que nos vendem. E cruzamos, sem lucidez, a estrada mundana. Sem olhar os paralelos da história e seus anônimos personagens. Sem experimentar a delícia da travessia e a redenção na alteridade.
Em algum dado momento de nossas páginas passadas, a história, que sempre é a história dos homens, foi sedada por alguma funesta toxina. Nós, que nos denominamos antes de humanos, juristas, também não conseguimos escapar dessa letalidade que corroeu os sentidos dos homens durante os tempos. Mas então, inquietantemente, devemos nos perguntar: quem foram os vencedores desse desvio proposital da história do Direito e das gentes? Foram eles: os ácaros e os ingênuos. Os ácaros jurídicos, porque desde o nascimento de um Direito morto por uma falsa doutrina, vivem felizes para sempre nas bibliotecas jurídicas com velhos e novos livros velhos. Os ingênuos, porque ainda hoje conseguem acreditar que alguma coisa fora de suas consciências amortecidas pode lhes trazer benesse, redenção e felicidade. Quanta inveja se alimenta da felicidade ingênua dos ingênuos. Nossos ingênuos juristas, humanos juristas, ingenuamente sustentam um ego permanentemente bêbado para manter a lógica de seus “ismos” já gripados, por certo, suinamente.
Perplexos, alguns perguntarão: mas e o advogado? E o papel do advogado hoje? Sem a hipocrisia dos falsos louros e da gravata polpuda, também legados por nossa fidalga história, devemos nos decretar moralmente infectados. Como todos. Não se trata, episodicamente, de estabelecer novamente a la Descartes, um rol de funções, atribuições ou qualquer “papel” que o valha. Trata-se de algo complexamente simples: curar o torcicolo que nos impede de olhar os tristes olhares que nos circundam, todo o resto e suas conseqüências, depende disso! E nós advogados, já devíamos, malandramente como manda a tradição, ter sacado essa história toda. Devíamos aceitar os, deveras escassos, desfibriladores de sensibilidade que tentam reanimar o sentido humano desse coma histórico. A se seguir teimando com suas egoístas verdades, humanos e procura-dores-de-humanos, presenciarão em um breve futuro, ritos fúnebres pomposamente jurídicos: com direito a chuva de alvarás em câmera lenta na descida dos caixões que levarão os, agora, procura-dores celestiais.
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