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No frutífero ínterim entre a consciência de estar desperto e do mergulho ao inconsciente que o sono promove, lembrei de “Foi apenas um sonho” (Revolutionary Road, 2008), filme que me deixou boquiaberto a um ano atrás. E não sei exatamente as razões de sua aparição neste lusco-fusco de consciência. A verdade é que a história tocou, provavelmente, pelas rotas que se apresentavam no meu contexto pessoal. Desviadas, estreitadas, dissimuladas. No momento em que a falta de respostas era a única resposta clara. No momento em que apercebia que transitar por um mar de contradições era a mais nova condição.
Entre esse momento, o filme foi luminoso para apoiar a repugnância à felicidade formalizada que tentam nos enfiar guela abaixo. Já notaram como a felicidade é dogmatizada? Basta ter várias coisas e ser outras poucas e pronto: um feliz sai quentinho do forno da vida. O filme fala sobre a (falta de) coragem de buscar a felicidade fora da receita pronta. Ana Maria Braga, pedimos benção ao seu bom humor matinal e sua felicidade sem fim...Aliás, tem muita Ana Maria em todo lugar. Merecem o mais puro sentimento de pena. Não há tanta sorte ou tanta felicidade enlatada nas prateleiras dos mercados! Pobres felizes enlatados...
O filme, que repete o casal de Titanic mas não sua historinha previsível, traz consigo uma riqueza de sentido que imperativamente nos faz questionar o universo que cerca nossas vidas. Esse circo no mais das vezes montado com peças falsas. O nosso xadrez diante da morte, em que não se vence com um xeque-pastor.
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A náusea contida que se tem no final do filme é porque, de alguma forma, nos projetamos nos personagens e não sabemos bem se queremos ser o matemático “louco e lúcido” ou Wheeler “são e cego”, ou seria, ao contrário, um “são lúcido” e um “louco cego”. Deixar a tradição nos ensinar pelo tropismo das condutas sua velha felicidade e chegar ao crepúsculo com a mesma “vontade de silêncio” ou revolver o chão das pseudo-certezas? O fim do filme é uma tijolada na cara: tudo que o velho homem queria era não ter que escutar mais as idiotices da velha rabugenta que tinha casado a sabe-se lá quantos mil anos atrás. É o único filme em que o coadjuvante vira protagonista. Dá pra lembrar de outro ótimo filme: “Into the Wild”, que também fala sobre rupturas e coragem para fazê-las. Se tivesse essa coragem que aparecem raras até nos filmes (claro, queremos ver o José Mayer comendo aquelas gostosas...quem duvida que o José Mayer seja feliz?) estaria eu fazendo as malas...só não sei para onde...
Paulo meu querido,
ResponderExcluirEstamos cercados de famílias margarinas e ao tentarmos sair desse contexto o preço é muito alto.
Fico com a opção de pagar um preço alto, dar minha cara a tapa, mas saber que estou tentando ser o mais fiel possível comigo. Digo tentando, pq estamos sempre tentando.
Amei o filme e principalmente seus comentários.
Que possamos ir em busca de sentimentos verdadeiros, relacionamentos reais e não felicidades enlatadas.
um bjo enorme.
Saudade de ti...
Érica, também me filio ao partido do azeite, que é contrário à felicidade das famílias margarina!! Aliás é uma ótima analogia...basta colocar uma margarina no fogo pra ver o que acontece... E diante disso lembro Nietzsche: "VOCÊ TEM QUE ESTAR PREPARADO PARA SE QUEIMAR EM SUA PRÓPRIA CHAMA:COMO SE RENOVAR SEM PRIMEIRO SE TORNAR CINZAS". Talvez o mundo precise usar a lógica da Alemanha no pós-guerra: queimar totalmente para renascer!
ResponderExcluirObrigado pelos comentários carinhosos!
Saudade desse nome assustador...