Pelo blog de Érica, descubro a morte de Mercedes Sosa. E passei a sentir saudade de uma pessoa que sequer conheci. E me ocorreu uma dúvida: será que as linhas do destino se encarregam de recompor entre as presenças humanas, almas tão capazes como de la negra? Uma vazia sensação de que esta resposta é negativa, acaba por me comover um pouco mais. Pouco sei da história de Mercedes. Pode ser que fosse uma gorda fedorenta. Pode ser que fosse uma chata de carteirinha. Dela não sei absolutamente nada. O que sei é apenas o que meus ouvidos foram capazes de perceber. A poesia e a voz potente misturadas com a caricatura pantagruélica, são tudo o que passarei a sentir falta.
Hoje mesmo, ao ler os escritos de Saramago em O Caderno e anexá-los com essa sensação de não pertencimento e alheamento que são inerentes nessa capital do mundo das dores que é São Paulo, pensei nessa conjuntura do destino e no que ele faria com a morte de Saramago. Escreveu ele, duvidando dos porquês de seus escritos e sobre a própria falibilidade do ceticismo, da sua inoperância ante o castelo de aço dos egoísmos capitalistas e outros contos críticos já conhecidos de sua literatura; que não bem sabia a razão de seus gritos literários. E me comprazi dessa gente que escreve e que no alto da senilidade tem a sensação de que seus escritos não tiveram a força que se imaginava. Isso tanto me preocupa na verdura dos meus vinte e poucos.
No alto de seus 87 anos, é provável que logo amarguemos a despedida de Saramago, assim como hoje se comovem os ouvidos abertos para a comoção com a perda de Mercedes. É preciso ouvidos dados à comoção para entender músicas de qualidade. Ou melhor, poesias musicadas. E aqui não se trata de criticar as músicas que nada dizem, pois que tem outro objetivo. E dizia o mesmo Saramago, que ainda não sabemos ser agraciado ou desgraçado pelo fato dos ares ainda perambularem pelos seus pulmões, que um seu amigo dizia que o motivo da vida era a mensagem que se deixava e as ajudas que podemos fazer aos outros. Acrescentaria eu, na humildade de minhas letras, também a ajuda que podemos nos conceder. A nós mesmos quando descobrimos o que desejamos, deveras, desta vida. De qualquer forma, o ceticismo do gênio lusitano por certo se propaga entre os multiplicados leitores de seus irônicos escritos. E ele, seguidor do conselho amigo, vai deixando seu rastro pelo mundo, que é o mundo das dores. Suas migalhas serão catadas por outros céticos como ele. Migalhas a sensibilizar outras gentes, tal qual a poesia sonada de Mercedes. A mesma Mercedes que hoje disse adeus ao mundo das dores e que cantava com a imensidão das suas graxas, deixou, entre tantas, uma mensagem quase óbvia sobre as mudanças: Cambia lo superficial, cambia también lo profundo, cambia el modo de pensar, cambia todo en ese mundo. É uma mensagem já conhecida. Algum filósofo antigo que não lembro o nome, já sentenciou algum aforismo com a mensagem de que a única coisa que não muda no mundo é a existência das mudanças.
E nesse domingo, com um ar de perplexidade pela pluralidade dos olhares, nós, que seguimos com ar a passear nos pulmões, perdemos Mercedes Sosa. Mas perdemos o que dela ainda viria e que, quiça, poderá voltar reencarnado em alguma outra gente. Perdemos isso. Porque a mensagem dela ficou: volver a sentir profundo! E vou dormir nessa dolorosa cidade, junto a estes milhões de consciências que amanhã ficarão quatro horas andando de ônibus no ir e vir do trabalho, estampando esse cenário tortuoso e que não têm sequer a possibilidade de pensar que podem sentir mais dor do que já sentem. Porque não podem sentir profundo. Porque devem ser máquinas sem profundidades. Macabéas à espera da morte. Provavelmente alheias ao próprio movimento cambiante do mundo. No mundo das dores é assim: uns morrem de verdade, outros morrem de mentira e poucos deixam alguma coisa que preste.
Ouça Mercedes cantando(está no meu orkut) e sentirás a magia de La Negra.
ResponderExcluirHá uma sensação diferente no ar...
Bons sonhos...
Farei Érica!
ResponderExcluirSe encontrar essas sensações, é porque valeu...
beijo