terça-feira, 22 de março de 2011

"OI, VAMOS TRANSAR?" (parte 2)







Dizem que hoje em dia o sexo é fácil, mas não é bem assim. Isso só é verdade se compararmos a possibilidade que todo mundo tem de trepar hoje, em 2011, com a possibilidade que as pessoas tinham de trepar nos idos de 1911, que é um ano ainda distante de 1968, o ano símbolo da virada dionisíaca. Meus dois avôs ainda são vivos (se bem que um deles é meio vivo-meio morto. E se bem que esse que é meio vivo-meio morto consegue ser mais vivo que o meu vô vivo, se é que me entendem). Com os meus dois avôs o discurso é o mesmo: contam que pra comer uma perereca em meados do século só tinha dois jeitos: putas ou esposa (e toda aquela cerimônia fajuta que acompanha o ritual que promete curar o paudurismo do homem e a necessidade de segurança da mulher com o novo “papai” que agora vai poder comer ela legitimamente sob os olhos permissivos de Deus). Época de merda a deles.

A questão toda é que o sexo não é tão fácil a ponto de se poder chegar pra uma mulher e dizer: “Oi, vamos transar?”. Anos depois de toda revolução sexual, não podemos ser sinceros com relação aos nossos desejos. Uma frase dessas, dizem, é atentatória. A sinceridade como um todo é atentatória e eu me debato com isso, afinal, ou assinamos o contrato de hipocrisia ou assinamos o contrato da sinceridade. Como vejo pureza na sinceridade, assinei um contrato parcial com ela. Sim, parcial, porque o contrato integral é pra gente de verdade e isso eu ainda não sou e nem sei se chegarei a ser.

A garçonete enfim me atendeu. Sentei numa cadeira e fiquei bebendo meu conhaque e minha doce solidão. Estava me sentindo um idiota. Duplamente idiota. Fiz com a caneta às vezes do cigarro pra ocupar a mão que não segurava a bebida. A banda era boa. Quando começaram a tocar um rock pesado uns caras se possuíram e começaram a se empurrar. Eu não entendia se estavam brigando ou não. Talvez fosse a forma que eles tinham de sentirem-se menos idiotas. Mas era uma coisa imbecil, ficavam batendo os ombros uns nos outros, uma coisa aborígene, selvagem, animais que podiam falar e andar sobre duas patas. Nem bem arrebentavam a cara um do outro, nem bem ficavam quietos. Às vezes os empurrões se exacerbavam e parecia que uma guerra ia começar, mas logo eles se acalmavam. Não deixava de ser uma forma de estar livre, ainda que fosse imbecil.

A mulher da bunda bonita passou por mim e resolvi aplicar o contrato que eu tinha comigo mesmo.

- brigadão pela caneta fulana; agradeci. Tá afim de transar depois que a gente sair aqui do inferninho?
(um olhar de incompreensão e depois a resposta)
- idiota.

Eu sabia que ela ia ficar chocada. Tomei mais 2 doses e me mandei dali. Os imbecis se batiam cada vez mais. Um deles até arrebentou a bacia na quina de uma mesa. Quando sai encontrei duas meninas paradas na rua, gostosinhas, 17 anos, deviam esperar a carona do pai ou de alguém, pererecas sem uso, mais vontade de comprar roupas do que de trepar etc. Me aproximei e disse:

- Peço licença para me aproximar. Trago com essa aproximação um carinho, um espírito de paz, uma poesia e algumas flores. Trago tudo isso pra demonstrar que não há nenhum motivo pra temer minha aproximação já que é tarde da noite e eu sou um estranho. Faço essa introdução, já que seria absolutamente normal que senhoritas como vocês, de aparência frágil e beleza pueril, se amedrontassem com a aproximação de uma espécie estranha como a minha. – elas perguntaram meu nome e eu respondi.

- Paulo é nome de homem inteligente, disseram.

- Ah é? Conheço cada Paulo imbecil por aí. Às vezes até mais imbecis que eu. Tem outros Paulos políticos, Paulos que ainda acreditam que a terra é quadrada como a própria cabeça... (sempre pecava pelo excesso de crítica, elas ficaram a ver navios...)

Deram risada. Já tinha sido bastante que tivessem conseguido formular um comentário. A maioria sequer consegue. Na verdade eu é que era um chato vestido de educado. Eu representava, nada mais. Como se as ruas fossem um palco. Como se a vida fosse um palco. Elas disseram que estavam esperando o táxi. Vi frustrada a possibilidade de comer alguma delas. Poderia comer qualquer uma já que as duas eram ótimas. Uma tinha uma saia indiana, estilo hippie. A outra era baixinha e ria até dos paralelepípedos da rua. Ria de tudo que eu falava. Com mais tempo e mais sorte, poderia comer a baixinha. Mas o meu saco também não era muito grande pra ficar falando com elas por muito tempo.

O táxi chegou e disparei a última bala do meu tambor:
- Se quiserem posso dar uma carona pra vocês.

Elas disseram que seria antiético chamar o táxi e dispensá-lo. Era uma boa e ética desculpa. Seguiram em marcha na direção do carro que esperava. Senti que não iria ter jeito. Ia dormir sem comer ninguém. Num instante, pensei que poderia pagar o valor equivalente ao taxista para que elas fossem comigo. Elas não aceitaram, claro. Quem iria embora com um estranho que tinha tomado 10 doses de conhaque às 2 da madrugada? Antes da hippie entrar no carro, pude perceber as duas carnes redondas e duras da bunda dela. Comentei:

- Tua bunda é muito bonita.
- Brigada.

Gostei pelo fato dela não ter se ofendido, seria uma grande mulher quando chegasse aos 27 anos. Percebi que quem dirigia o táxi era uma mulher. Ela escutou meu elogio à bunda e perguntou:

- Ah senhorito, então gostou dela só por causa da bunda?
- Basicamente sim – respondi.

A menina apenas ria, adorando o cortejo. Eu continuei:

- Olha, a verdade é só uma: primeiro, o importante é a bunda. Cada homem gosta de um tipo. Alguns gostam de bunda esparramada. Outros de bunda empinada. Outros de bunda magrinha e dura. Outros de um bundão estilo reboque de topic. Outros de bunda estilo queijo coalho. Os gostos são os mais diversos, mas a certeza é uma só, antes de tudo, é a bunda que deve agradar (mulheres não me matem!) Só depois é que vem todo o resto. Esse todo o resto é essencial também, porque ninguém agüenta uma mulher só pela bunda bonita que ela tenha. Perceba cara leitora que agora pensa que eu sou alguém deplorável, que não se trata de nenhum machismo, apenas de uma verdade sincera. Qualquer coisa dita em contrário pelos companheiros de raça é fingimento. Então, ou admitam que lhes agrada as sinceras mentiras, ou vivam bem com a verdade que acabo de lhes contar.

Caminhei em direção à minha casa. A cidade parecia hostil às 3 da madrugada. Parecia, mas eu não sabia se efetivamente era. Eu nunca saía de madrugada trotando pelas ruas. Sou um velho que mora num corpo novo. Sentia-me demasiadamente velho. Não sei como, mas a solidariedade é uma coisa que aumenta com o passar dos anos. Só não aumenta pra quem não tem solidariedade nenhuma. O que não existe não pode crescer. Eu, que era um velho usando uma carcaça jovem e tinha uma veia solidária, me despedacei com o catador de papelão que selecionava o lixo na beira da calçada às 3 da manhã. Puxei instintivamente a carteira. Instintivamente mesmo. A única nota que eu tinha era uma de R$ 50. Eu poderia comer três dias com aqueles R$50, mas tinha outros R$50 no banco. Dei a nota para o pobre mendigo. Pobre mendigo. Prometeu que Deus ia me pagar de volta os R$50. Concordei com o olhar.

Continuei caminhando. Como o ser humano é estranho quando caminha. Se largarmos o corpo e simplesmente usarmos as pernas, os braços balançam, em movimentos contrários às pernas, de um jeito muito esquisito e mecânico. Como parecemos idiotas. As pessoas são umas máquinas usadas por consciências. Eu sabia disso porque eu era um velho dirigindo um corpo novo, também nasci a dez mil anos atrás. Pra onde será que vão as consciências que morrem de velhas?

Cheguei em casa com a fome renovada. Nada nos armários. Abri a geladeira e tinha um melão com meses de vida. Desisti. Lembrei do freezer, poderia ter alguma coisa esquecida lá. Quando abri não tinha porra nenhuma. Resolvi desligá-lo da tomada pra economizar luz. Já tinha tentando isso outra vez mas ele começou a feder muito. Eu não sabia que freezer também fedia depois de morto. Aprendi isso quando passei a morar sozinho. Fiquei pensando naquelas histórias de gente que esquarteja alguém e guarda no freezer. A história era sempre a mesma: morte, esquartejamento, pedaços do churrasco humano no freezer, viagem do esquartejador e falta de luz. Os vizinhos passavam a perceber o fedor insuportável de uma carne apodrecendo (só pode que carne de gente fede mais que de churrasco), chamavam a polícia e creu. O assassino era descoberto. Um freezer vazio combina também com sacos de plástico cheios de dólares. Mas eu não tinha nenhum.



14 comentários:

  1. Quando vi que postou a parte 2, comecei a ler a parte 1 e em seguida a parte 2 e, eu não conseguia parar de ler, até que terminou! Sei que não se importa com o que os outros acham, porque quem acha não sabe nada também, mas gostei muito, não vou negar que ri demais! abraços!

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  2. Certo dia tu me disse assim:

    "As pessoas só namoram pelo simples fato da transa!"
    "Funciona assim, as duas pessoas se conhecem, se curtem e transam... na semana seguinte se encontram e transam... na outra semana se vêem duas vezes e transam e assim consequentemente e sempre mais." "No fim, só resta namorar"


    Sempre lembro disso.
    Acho engraçado e verdadeiro!

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  3. É cruel. Mas é totalmente sincero! Me divirto contigo!

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  4. Sensacional, pensei que o final seria outro, afinal estavamos lendo sobre bundas bonitas hahaha. Abç

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  5. E ninguém entendeu a fixação do Selton Melo por aquela bunda linda em "O cheiro do ralo"... vcs são msm uns incompreendidos! E a nós só resta a academia e mto exercício de glúteos... hahahah
    Mas sabes que com relação as mulheres a coisa é mto mais complexas, né? As preferências são variadas e algumas verdadeiramente excêntricas... Agora durma com um barulho desses! rsrsrs
    Adoro te ler!
    Beijos!

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  6. Mas eu sou muito romântica, não conseguiria fazer simplesmente por fazer...

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  7. kkkkkkkkkk... Paulinho vc é demais!!!
    E como repercute....

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  8. Brigadão meus queridos leitores de inutilidades, mesmo, lá do fundo da alma.

    Sr. Anônimo, pelo que percebo és uma Sra. Anônima. Nesse blog respeita-se o anonimato, mas respeita-se também a curiosidade, então, mostre a cara senão eu mato toda tua família.

    Sobre o fazer Sra. Anônima, se é sexo, faça com todo romantismo que você quer. Respeite-se. Mas, se por ventura não encontrar um pinto romântico e a perereca reclamar de algum "vazio" existencial, saiba abrir exceções para os pintos "profanos". Se isso acontecer, eu me candidato, desde que antes possa avaliar com cuidado seus predicados (fotos de corpo inteiro no meu email com alguma frase de "efeito" pra fazer de conta que eu me importo com o "conteúdo" mesmo que se trate de um sexo profano).

    Beijo no coração de todos.

    Ass: meu alter-ego

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  9. heheehehe, bom só posso dizer que a anônima "2" e romântica, não é a mesma da anônima "1" que sou eu! kkkk

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  10. É importante saber que os homens se interessam MESMO por bundas...
    Paulo, qual é mesmo o teu e-mail? (haha)
    Adoro as coisas que escreve!
    Beijos.

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  11. Olha, eu to ficando confuso com os anonimatos, sem entender porra nenhuma. Vou matar 2 famílias então.

    Carla, meu email é o mesmo.
    Brigado querida. Beijo

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  12. Se a anônima 2 contar quem é, vai deixar de ser anônima, dai não terá mais graça... E o Paulo não vai poder matar mais 2 familias, não é vero?
    Mas, qual é mesmo o seu e-mail?

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  13. A tua espontaneidade com pinceladas bukowskianas torna o teu conto genial.
    Adorei.
    ;*

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  14. Este comentário foi removido pelo autor.

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