quarta-feira, 9 de março de 2011

confesso que pensei

Ultimamente tenho lido muito os escritos do Bukowski. E fico pensando nele durante boa parte do dia. Vai ver é uma paixão, daquelas arrebatadoras. Fico pensando na vida que ele teve que levar, ou melhor, que ele levou, porque não TEVE que levar a vida que levou, mas sim, OPTOU pela vida que levou, o que é MUITO diferente.

O dever que se esconde na conunção “TEVE QUE”, é algo que rouba nossa dignidade e que nos afasta da própria individuação, essa palavra com a qual Jung batizou o processo de iluminação do inconsciente. O processo de autenticidade idiossincrático. Aquilo que teremos que passar se quisermos ser aquilo que REALMENTE somos e que se esconde atrás daquilo que parecemos ser.

A dignidade da vida de cada um, tendo a individuação como uma condição, é vizinha da autenticidade, da existência sincera que levam aqueles que não podem viver alheios de si mesmo. (Fiz uma massa com molho de creme de leite a uns dias atrás e o fedor que se espalha pela casa é tenebroso).

Meditando sobre a passagem do velho e morto Buk pela terra, dá pra pensar que uma vida “digna” não é, na verdade, muito digna. Isso me desassossega uma barbaridade porque fui criado pra ter uma vida digna entre aspas. Aos olhos do mundo, o Buk foi um beberrão de merda que só “prestou” porque escreveu e acabou virando escritor, que se torna uma insígnia de dignidade apenas depois que se tem livros escritos. Nesse sentido, foi a escrita que salvou ele, mas apenas dos olhos de aço dos outros porque ele esteve salvo e livre desde o início já que nunca esteve preocupado com porra nenhuma, se lixando mesmo, cagando e andando.

Lembro inevitavelmente do Bukowski porque acabei de sair do tribunal. Fui até lá participar da palhaçada toda, do teatro de títeres sem cérebro, com o pessoal que ficou com a cobertura e os camarões fritos na torre de babel. Conto como foi: os cidadãos de "bem" iam “julgar” causas (eles, os JUÍZES com a caixa e o nariz alto) e eu supostamente “defender” uma das tantas causas. Uma grande cena. Uma historia da carochinha. Todos com a certeza inabalável da sua grande importância na sociedade (...contribuindo com sua parte para nosso belo quadro social, pra não esquecer do Raul). Todos, inclusive eu, com uma capa preta sobre os ternos e terninhos delicadamente lavados na lavandeira. Batmans do Direito prontos pra salvar Gotan City. A coisa mais imbecil desse universo.

Como o ser humano é doido por uma pompa, por um espaço destacado, todos querendo apenas empanturrar o estômago da vaidade: uns acham que aparecer é ter dinheiro (vaidade pura); outros acham que aparecer é ficar famoso com o Big Brother ou fazendo artes ou escrevendo livros (vaidade pura), outros querem aparecer isolando-se numa montanha com a certeza de que são mestres em meditação (vaidade pura), outros acham que aparecer é comer as pererecas que tem as mais belas donas (vaidade também), outros, ainda, pensando que os filhos vão ser o que eles não foram, fodendo a vida da gurizada só pra aparecer para os compadres e poder dizer que têm orgulho dos filhos quando, na verdade, o orgulho é do próprio rabo (vaidade de novo).

Da vaidade ninguém escapa, fato. É só olhar todas essas movimentações e fotos no facebook. Não que se deva condenar a vaidade, não mesmo, mas a porca torce o rabo quando a vaidade fica inflacionada e as pessoas acabam pensando que são espermatozóides que partiram do saco de Deus. E antes que alguém me julgue, saiba que me incluo na constatação, já que isso não é uma crítica. O silêncio dos que apenas ouvem diz mais que os ecos dos que gritam por ai, digo isso porque as vezes me escondo no próprio silêncio e percebo que sou igual aos que gritam. Queria ser mais silencioso, mas, as vezes, falo demais e me ferro. Mas essa vaidade, voltando à ela, é a velha vontade de poder que o grande Nietzsche já constatou em 1800 e pedrada, ele que conseguiu ir até o inferno e voltar de lá são, salvo e com o mapa que leva até o tesouro de ir até o inferno e poder sair de lá vivo e olhando tudo de um degrau mais alto.

Alimentamos nossa vaidade com a mesma voracidade de uma hiena que acaba de caçar um antílope azarado na savana. Lá no tribunal, todos pensavam que eram importantes porque definiam a vida das pessoas, modificavam a sentença do juizico da primeira instância, os rumos dos processos. Tudo em direção ao bem da nação, da justiça e da igualadde, da proteção dos valores blábláblá.

Cruzei o olhar com um dos juízes. Era um cara novo, uns 40 anos. Detivemo-nos no olhar por 2 segundos. Ele me olhou com um sentimento nos olhos que não sei o nome. Um estranhamento misturado com medo e pedido de socorro (este último de nós 2). Parecia o olhar de um enjaulado que estava feliz por poder ver a mulher no final do dia de trabalho. (A felicidade de um preso prestes à receber visita íntima?) Pensei na certeza que ele tem em relação à dignidade da vida que leva. Como a vida é dele, que fique com essa certeza até o final (mesmo que em geral não seja isso que aconteça). Mas a vida dele, me diziam os olhos, era tão estática que me secou por dentro. Lembrei da crueza do lobo da estepe que aparecia para o Hermann Hesse. E em mim se fez um deserto. O deserto da falta de sentido. Ele, o juiz-grande-horizonte-de-todo-estudante-de-direito, ali, prostrado, seco, com os olhos mortos e sem brilho, com vários mil reais na conta corrente todo mês, filhos educados pra ter vários mil reais na conta todo mês, uma mulher honesta que goza numa só posição, churrascos premeditados com a sogra epilética, natais iguais até morrer, processos, processos e mais processos, causas jurídicas sem gente humana envolvida, uma TV led na sala e a mulher com dor de cabeça na cama lendo a CARAS, a filha usando ecstasy na rave e ele sem saber aonde “errou”, uma casa na praia que vai ser vendida depois do divórcio para um narcotraficante cheio de plásticas quando a mulher achar alguém que faça ela gozar em duas posições, aquilo tudo ali, materializado naquele cidadão que acha que a prescrição (um instituto inventado pelo Direito) visa a paz social. O importante julgador ali, com a vida desértica em meio aos purificadores de água. Paralisado. Morto. Fétido mas perfumado com perfumes caros comprados no free shop. Enjaulado. Escravo da rotina, do dia-a-dia. Do pão nosso de cada dia que ele compra na padaria quando sai do tribunal. Daquelas charlas miseráveis dos outros advogados idiotas como eu que iam se pronunciar sobre outras coisas estapafúrdias.

Não nos entendemos naquele olhar de 2 segundos (sabem como é isso né?). Tão encapsulados que estávamos nas roupas e naquela bata preta do batman que vai julgar os malfeitores de Gotan City e trazer a paz de volta com a prescrição. Antes de pronunciar as asneiras que eu ia falar, peidei baixinho, sem nenhum cheiro ruim, passando despercebido. Fiz uma prece rápida ao Bukowski com uma rápida lembrança, pedindo que ele me desse sapiência e paciência, acho que acredito mais em Deus quando penso no Bukowski, e talvez só ele poderá entender o sentido de divino de que eu falo. Comecei o trololó. E lá pelo meio da minha engravatada exposição, blábláblá vai, blábláblá vem, mais um peido mudo. E todos os meritíssimos com caras seríssimas olhando pra mim, sem nem imaginar o que se passava por baixo da bata preta.

5 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Eu aqui tentando estudar algumas coisas legais outras nem tanto, e olhando um site aqui, outro ali no intervalo do que eu acho que to entendendo, caio neste blog, um pouco de propósito um pouco não... E olha professor... ou ex professor, bom acho que fica melhor Paulo haha.
    Gostei do que tu escreve, sinceramente eu vou lendo, lendo algo interessante, daqui a pouco me deparo com um macarrão ou uma perereca, um pum ali um palavrão aqui e segue assim nos demais textos que apesar de, são mesmo interessantes.
    Nem toda leitura precisa ser chata, e aqui entre um parágrafo e outro, da pra rir.

    Gostei do blog, e vou voltar claro.

    obs: depois de cozinhar, abra a casa ou no mínimo alguma janela prox. a cozinha, sempre me ajudou a diminuir o cheiro hahaha

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  3. Pois é, o pior é acordar um dia, e saber que você leva a vida que este juíz não pediu.
    OBS: Você fez uma prece?
    Abraços!!!

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  4. paulinho, compartilho: eu tenho vontade de mandar todo mundo a merda nesse mundo do direito umas 24h por dia.

    adorei o texto principalmente porque identifiquei esses pensamentos do vazio dessa vida e percebi que não eram só meus.

    abraço!

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  5. O mundo podia ser menos cansativo e monótino e previsível mesmo Bárbara.

    A ficha sempre cai meu amigo Bruno, cedo ou tarde ou mesmo depois da morte que é quando cai a ficha de que, na verdade, não morremos.

    Só o camelo vive no deserto Lili. Na falta de sentido só temos a nós mesmos, um cantil com água e uma lanterninha com pilha fraca.

    Meu afeto a todos.

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