A MEDIAÇÃO COMO EXPRESSÃO DO FEMININO NO DIREITO:
ENTRE CAPRA E WARAT
Atrever-se é um privilégio daqueles que têm valor, sentencia Warat. E o atrevimento serve como gatilho para promover movimento. Tal qual a permissividade criativa das telas de Dalí, Magritte e outros grandes do surrealismo; o inconsciente, como reserva selvagem das interioridades humanas, é fonte da subversão. Quando Warat enxerga o Direito com olhos surrealistas, deixa que o inconsciente fale, mesmo sem falar de inconsciente. É daí que parte sua proposta surrealista, que pretende rasgar as folhas da lei, escapar da moldura do Estado e meditar outras formas de curar as angústias do Direito.
Em seu inspirador Manifesto do Surrealismo Jurídico, Warat refere que a subversão tenta provocar uma explosão nas máscaras de um cotidiano conformado, escravizado por uma maneira única de pensar que se pretende puritana e logomaníaca.
Para além do aquário de vidros espessos e racionais do Direito, por certo, muito há. O surrealismo jurídico oferece a mediação como uma das alternativas de superação da engessada jurisdição estatizada. Invocar a mediação como forma de solução de conflito é reflexo de uma grande transformação cultural que está em curso: a alternância de prevalências entre o feminino e o masculino na cultura.
Fritjof Capra, apoiado na estrutura oriental do I-Ching, observou a alternância os aspectos femininos (yin) e masculinos (yang) na civilização.
A dinâmica desses dois pólos esta associada a várias imagens antagônicas colhidas na natureza e na vida social. Refere o autor que, da mesma forma que homens e mulheres passam por fases yin e yang, também a cultura, como fenômeno dinâmico, experimenta picos em que um aspecto se sobrepõe ao outro.
A cultura ocidental de cunho patriarcal, que tentou limitar os aspectos conceituais de yin e yang à sexualidade, distorceu o significado desses termos da sabedoria oriental e fez do masculino o protagonista de nossa cultura. O predomínio do pensamento racional sintetizado no cogito, ergo sum cartesiano, demonstra que os indivíduos ocidentais equipararam sua identidade com sua mente racional e não com seu organismo total, cingindo arriscadamente corpo e mente. Associando o yin ao intuitivo e o yang ao racional, Capra constrói sua tese demonstrando que, atualmente, assiste-se a uma transição cultural que culminará com o enfraquecimento da cultura patriarcal e a inflação do feminino, cambio que, consequentemente, suplantará a supremacia do racionalismo em detrimento das características próprias do feminino (yin), como a intuição, a criatividade, a sensibilidade, a emotividade e todos estados ampliados de percepção da consciência.
O progresso da civilização ocidental se deu, pois, pelo predomínio da intelectualidade e da racionalidade, sendo que, atualmente, essa evolução unilateral atingiu um estágio alarmante. Incapacidade de manutenção de um ecossistema saudável; dificuldade na administração das cidades; falta de recursos para uma adequada assistência à saúde, educação e transportes públicos; riscos da ciência médica e farmacológica e – acrescente-se – caos ante o excesso de burocratização do Estado e, particularmente, do Poder Judiciário, um Poder paquidérmico, caro, oneroso, devolvido a sua grande missão: garantir os contratos sinalagmáticos e a propriedade privada, em nome da confiabilidade no mercado internacional; lembrando as palavras do waratiano Alexandre Morais da Rosa, são alguns dos resultados da exagerada ênfase dada à polaridade yang em nossa cultura.
Voz firme contra a dominação das características masculinas alastradas no paradigma cultural ocidental, Warat afirma que o maior problema do excesso de racionalismo no Direito é a perda de sensibilidade. Uma insensibilidade que toca aquele que julga e seus vínculos. Que torna insensível a percepção do mundo pela frieza da ficção de verdade e que fomenta a fuga alienante que proporciona as abstrações e os anseios modernos de universalidade que não permitem perceber o que a rua grita.
Tal qual Capra, que fala de uma cultura nascente e vaticina o equilíbrio entre os opostos culturais e psíquicos, entende-se que, no Direito, movimentos como o Direito alternativo, o Direito Achado na Rua, as inovações da resolução n. 9/2009 do CNJ - com o horizonte de humanizar os julgadores – e a atenção voltada para a conciliação e a mediação, são confirmações dos prenúncios de Capra e da sensibilidade reclamada por Warat.
A resposta que o surrealismo dá ao Direito com a mediação é, em verdade, uma reticência amorosa, que só pode ser alcançada por meio da recuperação das forças de yin na cultura ocidental. Se entregar à mediação é não querer vencer, de lado a lado, mas aparar contundências. O novo Direito que emerge da mediação tem como condição um novo homem, afinal, para que a colheita seja abundante, antes de revolucionar a terra, é preciso estar atento à saúde da semente...Esse novo indivíduo deve permitir a abertura das cancelas que guardam seus territórios subterrâneos e inconscientes. Só assim poderemos alcançar a verdadeira democracia que, para o inesquecível Warat, se constitui como o simples direito de sonhar o que se quer.
sonhei contigo hoje criatura!
ResponderExcluirah é? como foi? conta aí!
ResponderExcluirbah, não lembro mais...
ResponderExcluirdeve ter sido bom :)