segunda-feira, 21 de março de 2011

cartas ao mago


Mago,



o mistério habita uma morada que transcende qualquer categoria do nosso pensamento. Chamamos esse grande mistério de Deus, com a pobreza da linguagem possível à nós, como já disseram os mitólogos por aí. Um mistério que poderia ser dito de qualquer outra forma, com outra eleição arbitrária de palavras, com qualquer outro mecanismo ou encadeação de letras que nos conceda a linguagem e os seus sentidos correlatos.

Mas é a necessidade de definir com a linguagem que nos faz assim incompletos, humanos. É essa necessidade de dizer/batizar/dar nome aos bois, que nos reduz.

Assim vivemos a experiência com o complexo: ao mesmo tempo em que pressentimos a existência de algo que não pode ser maculado pela linguagem porque distante dos 5 sentidos, também não nos contentamos em silenciar, vorazes que somos em dividir o conhecimento, viciados pela nossa velha vontade de poder, que é uma vontade de poder do intelecto pensante e que tem como ferramenta única a linguagem. Manipular essas duas necessidades humanas, faz com que nossa relação existencial se torne demasiadamente complexa. Uma complexidade que não pode ser capturada por seres que desde sempre tentaram a tudo definir sistematicamente.

Como disse Quintana, "uma definição só define o definidor"...

Quando temos a presciência de que algo existe além daquilo que podemos pensar e que mesmo sabendo, temos furtada a experiência com essa dimensão pela simples condição de estar vivo, percebemos que a verdade é um silenciar que interroga sem concluir. Afinal de contas, o que é aprender a viver senão viver simplesmente?

Por isso Mago, a tarefa de movimento a que nos incitam as interrogações como as que tiveste nessa manhã de ressaca, são armadilhas mortais porque querem esconder na interrogação um caminho em que a chegada supostamente revela uma solução. A complexidade é a parcialidade temporal de toda e qualquer solução. Ou ficamos presos no cotidiano enganador em que as respostas "existem", ou transcendemos, pairando no limbo entre o bem e o mal, para entender que o caos não é um adjetivo tão malévolo quanto se pensa. Nesse alcance, o caos, ao contrário do que se propaga, é a certeza de que tudo é nas circunstâncias limitadas do aqui e do agora, do ponto existencial, da onda (usando tua própria teoria).

Não há outra possibilidade de estar absolutamente vivo senão desse modo caótico, de braços abertos para os devires.

A poesia, meu amigo mago, é a única que pode nos transportar dentro das dimensões, pois faz a própria linguagem transcender. Na poesia as palavras deliram, já assinalou Manoel de Barros.

O mistério só chega a nós por meio de uma grande metáfora, mas quão difícil é perceber a multiplicidade de deuses, ou mesmo perceber que Deus ou os semi-deuses existem quando vemos um documentário humano sobre Jim Morrison. A metáfora aparece para contar a verdade e engana a todos que não querem, com exceção dos geniosos, uma verdade apenas exemplificada. Queremos o Deus dos deuses porque nos borramos de medo de que as divindades sejam complexas. O misoneísmo é o instinto/impulso a ser superado se o ser humano pretende avançar. E se esse é um postulado sobre as metáforas de validade possível, só posso indicar, amigo mago, que eleja arbitrariamente algumas poesias e que as leia com vagar, fazendo o salto de uma palavra para a outra, de uma frase à outra, como passos que conduzem ao caminho em que tem como resposta única o próprio caminho que se descortina.



Nenhum comentário:

Postar um comentário