segunda-feira, 12 de julho de 2010

O Direito no País das Maravilhas - Parte 3


É o atrevimento de Alice que falta ao Direito e ao jurista de antanho, o jurista jurássico (lhes cai bem, inclusive, a combinação de palavras). Atrever-se é um privilégio daqueles que têm valor, sentencia Warat. E o atrevimento serve, simplesmente, como gatilho para promover o movimento. Tal qual a permissividade criativa das telas de Dalí, Magritte ou Picasso, o inconsciente, como reserva selvagem das interioridades humanas, é o espaço que permite a subversão, inclusive das estruturas sociais. O inconsciente possibilita rasgar as folhas da lei, escapar da moldura do Estado, meditar formas outras de curar as angústias do mundo (que contém o arrogante Direito que quer evocar um mundo próprio). Mesmo que o discurso do inconsciente já viesse narrado por seus predecessores, desde Aristóteles até os românticos alemães (Heinroth, Carus e Schopenhauer, este propositalmente arrolado mesmo que não seja enquadrado dentro da escola romântica), é pelas mãos de Freud que a relativização da monarquia racional se dá pela inserção do inconsciente como fonte das produções surrealistas.

O surrealismo tenta provocar uma explosão nas máscaras de um cotidiano conformado, escravizado por uma maneira única de pensar, que se pretende puritana e logomaníaca. Ao afirmar que a razão é a essência do homem, como insiste o legado de Descartes, já se está a afirmar a sua divisão, a existência de franjas marginais, conclui Warat apoiando-se em Breton. Não se pretende com esse passeio literário oferecer respostas ou bóias de salvação para o Direito. O que se busca, simplesmente, é promover movimento. Abanar a fumaça inerte do Direito para que se desvelem novos ambientes, novos cenários. É como mover as lenhas da fogueira, não para aumentar a quantidade de madeira por impossível tarefa, mas para acender as que ficaram à margem, intocadas pelas labaredas.

Freud é auxiliar para entender a energia vital que surge de todo movimento. Definiu uma dicotomia em sua teoria que bem traduz essa ausência de nomadismo no Direito: contrapôs a pulsão de vida (Eros) à pulsão de morte (Tânatos), sugerindo que a primeira indica movimento contínuo de vida e que a outra, ao contrário, simboliza a inércia absoluta representada com o defunto, com a morte, com o corpo carente de vida. A morte designa o fim absoluto de qualquer coisa positiva: um ser humano, um animal, uma planta, uma amizade, uma aliança, a paz. Não se fala da morte de uma tempestade, mas sim da morte de um dia bonito.

É dessa vizinhança com a simbologia da morte que o Direito, assim como toda produção do conhecimento, deve se afastar. Mas porque esse é um escrito surrealista e que se pretende criativo, desvinculado do caráter unitário das verdades científicas; a morte pode se revestir de um sentido além do dado por Freud. Pode ser entendida como revelação e introdução, já que pretender novidades é ir atrás das iniciações e dos recomeços, esses que tem sempre a morte (simbólica) como prelúdio. A morte é agora marcada pelo seu poder regenerativo, fundador. Seja lá como se queira observar a morte e usa-la como analogia, o certo é que aqui será usada como forma de produzir energia de movimento, para fazer caminhar. Tal qual pretendia Eduardo Galeano quando comparava o horizonte às utopias, dizendo que estas são como o mutante horizonte que se esconde na medida dos avanços que se dá: servem para a grande tarefa de promover passos, diz Galeano.
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CONTINUA

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