A sexta-feira tinha começado ótima. Chuvinha fina de inverno em prelúdio de final de semana me é sempre agradável. Próximo da doce melancolia que me apraz. Banho tomado, barba feita. Um café com cueca virada (que é uma massa com açucar lá do sul para os leitores que não são de lá). Como gosto de futebol, vi uns trechos da derrota da Alemanha; fiquei feliz já que Brasil e Argentina, os times que torço, vão bem na Copa. Vim ao escritório. Completamente em paz com meus infernos. Li alguns emails e entrei no site da Globo para confirmar a derrota dos xucrute com chopp, eis que só não caio da cadeira porque ela é das firmes.
O site estampa a triste notícia da despedida de José Saramago: Morre, aos 87 anos, o escritor português José Saramago. E depois sou eu o pessimista. Tristeza, tristeza, tristeza! Um exército que já é tão pequenino, perde um de seus grandes. Até simpatizo com o pessoal do espiritismo e da conscienciologia; mas seja lá em que dimensão o Saramago vá escrever, fato é que o perdemos. Ficam os livros e os escritos todos, gravados a ferro na história da literatura. Mas o que se perde é a visão de Saramago do mundo a partir de hoje. Nas notícias de amanhã, haverá o oco. Para aonde irá a lucidez, ácida por pura necessidade, do nobre morador das Canárias? Tempos atrás vi uma reportagem belíssima da morada de Saramago e Pilar nas ilhas Canárias. Vi ali a vida que sonho. Um retiro, uma vida simples, uns livros e um amor. Saramago escreveu a homenagem de amor mais absoluta que já li, quando dedicou algum livro (não lembro qual) para o seu amor crepuscular: Para Pilar, minha casa (putaquepariu!!!). Só duas palavras! Lá no Rio Grande isso é dar nó em pingo d'água.
O primeiro livro que li dele foi justamente o mais conhecido, Ensaio sobre a Cegueira, que litaralmente furtei da minha mãe. Livro eu furto mesmo! E não é só de gente da família não. Depois de lá vieram outros tantos. Ainda faltam outros tantos (ainda bem!). Quisera a fábula de As intermitências da morte, pudesse valer para gênios como ele. O livro conta a história de um país em que as pessoas param de morrer de uma hora para a outra. A explicação se dá na segunda metade do livro. Eis que a morte, personificada em uma bela mulher se apaixona por um músico. A paixão da morte a impede de matar seu objeto de desejo. Esse livrinho pouco comentado dele é para mim uma pedra no sapato. E já gastei muito fosfato refletindo sobre essa fábula de Saramago. Quisera a morte inventada pelo próprio Saramago, tivesse se apaixonado por ele...Ah Dona Morte, vá matar gente em outro lado! Com essa péssima notícia, que banhou de negro minha sexta-feira, lembrei de um conto da Clarice Lispector em que ela narra que ia feliz, linda, otimista e bela pelas ruas do Rio de Janeiro, até que um rato esbugalhado lhe atravessa o caminho e a faz cair das nuvens que estava. A vida é assim mesmo. A partir de hoje falar-se-á, Saramago era isso, era aquilo, era aquel'outro...Aqui Saramago é saudade!
Deiz, tu acredita que ainda ontem postei o "pão" no BLOG! Estou triste. Muito triste. Me lembrei do texto que me apresentou e me ajudou no debate sobre o "ficha limpa" e acordo hoje aqui, feriado, com essa triste notícia vinda diretamente de Portugal, via sms da prenda. Como tu, apenas 2 palavras: tristeza e saudade.
ResponderExcluirÉ meu irmão, triste mesmo! O Fernando Meireles foi exato ao comentar a perda: "O mundo fica ainda mais burro e cego hoje"
ResponderExcluir"O elefante, já lho disse no outro dia, é outra coisa, em um elefante, há dois elefantes, um que aprende o que se lhe ensina e outro que persistirá em ignorar tudo, Como sabes tu isso, Descobri que sou tal qual o elefante, uma parte de mim aprende, a outra ignora o que a outra parte aprendeu, e tanto mais vai ignorando quanto mais tempo vai vivendo, Não sou capaz de te seguir nesses jogos de palavras, Não sou eu quem joga com as palavras, são elas que jogam comigo..." Saramago. A viagem do elefante.
ResponderExcluirEu gostei muito deste livro dele. Não existe outra palavra para expressar a partida de Saramago que aquela que, paradoxalmente, só existe em português e não há tradução: saudade.
"Só os viajantes acabam.
ResponderExcluirE mesmo estes podem prolongar-se em memória,em lembrança, em narrativa."
Assim ele já escreveu...
Para nós, Saramago será prolongado e eternizado em SAUDADE!
Abraço!
Bah Ana, não li ainda A viagem do Elefante, mas com essa passagem fiquei a babar (pra usar um portuga mais adaptado ao momento). As coincidências da vida me conduzem a este livro: Saramago, tua lembrança e a conversa com Albano sobre seus caminhos do Elefante. A isso Jung chamou de Sincronicidade. SAUDADE, SAUDADE, SAUDADE!
ResponderExcluirO Raulzito já dizia: "O que você deixará para esse mundo?" Saramago fez a parte dele e de outros tantos.
ResponderExcluirAbraço Violene
Quem dera eu poder deixar o que Saramago nos deixou.
ResponderExcluirAo invés de bens, deveríamos deixar apenas nossos conhecimentos, poemas, nossos escritos enfim.É isso que vale!
Um beijo no teu coração meu querido Paulo.