segunda-feira, 24 de maio de 2010

Contos Imediatos XXII


SENTIR O TEMPO

Luizinho, que ainda não sabia muito bem contar o tempo, ficava intrigado com a primeira frase que a professora da escola escrevia todos os dias. No alto do quadro, lá estava ela a escrever o nome da cidade, um número que mudava todo dia - e que de tempos em tempos recomeçava do um -, outro nome que era chamado de mês, e um número grande que, à primeira vista, era o mais arrastado e lento de todos. Este último nunca tinha mudado desde o primeiro dia de aula. Apesar da pouca inquietude, aquilo inquietava o guri. Porque tinha entendido mais ou menos como funcionava aquilo, em alguns dias, querendo adiantar o preâmbulo da aula para estar à frente dos colegas, Luizinho escrevia o primeiro número somando mais um ao do dia anterior, mantinha o nome do mês que sempre demorava para mudar, e esbarrava no número que indicava o ano. Vez ou outra tentava mudá-lo, somando números tal qual fazia com os dias. Mas sempre era derrotado quando a professora chegava e escrevia a data no quadro. Não podia entender como aquele número não mudava nunca. E também tinha vergonha de perguntar para a professora, sonegado pela timidez que era sua amiguinha próxima. Essa foi uma cruel indagação que consumiu Luizinho durante todos os dias daquele primeiro ano de escola. Gastou muita borracha apagando todos os preâmbulos frustrados que tentaram avançar o número daquele ano.

Hoje ele nem lembra como aprendeu que o ano era mesmo o mais demorado a mudar. E hoje, contemplando os crisântemos do asilo Nossa Senhora de Lourdes, estranhamente, os dias parecem ser mais lentos e arrastados que os anos para o Sr. Luiz, que acabou com um pronome antes do nome, que encolheu junto com ele.
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PFF

Um comentário:

  1. Paulo querido, ando com dificuldades com o tempo.
    Dias que não passam...
    Texto lindo!
    bjo pra ti

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