terça-feira, 15 de setembro de 2009

Manifesto contra a cegueira ( I )

A idéia de, pouco a pouco, denunciar a falta de lucidez em uma espécie de manifesto fragmentado surgiu exatamente agora. Procurando imagens e pensando nesse assunto (seja a cegueira ou falta de lucidez, e já estão dadas as opções para otimistas e pessimistas), percebi que muitos assuntos mundanos, dos botecos à academia, giram em torno deste tema que é tão velho quanto o homem: o não percebimento, o não dar-se conta.

Desde o Gênesis, em que se esfarela divinamente aquele que experimenta a árvore do conhecimento no jardim do Édem (pelo que lembro era o próprio Adão, não importa, enfim), passando por Platão, que provavelmente tenha lido esse texto preâmbular da Bíblia para escrever a sua manjada Alegoria da Caverna, chegando contemporâneamente à metáfora social de Saramago em Ensaio sobre a cegueira; é intrigante que tanta obviedade ainda seja tão pouco percebida.

E penso que o excesso de informação - que, diga-se, é bem diferente que excesso de conhecimento - quita, sobretudo, a sensibilidade e acaba drogando as consciências desse pessoal que pensa apenas que bonito é ser bonito. Até porque, verdadeiramente, o bonito dos lúcidos nunca é o mesmo bonito dos bonitos, que geralmente, de tão bonitos ficam cegos de tanto se olhar no espelho e dizer em silêncio a si mesmos: estou suficientemente bonito para andar por esse mundo...Basta observar as menininhas de pouca idade que quase perdem o passo observando se o penteado e a bunda estão bem alinhadas no reflexo das vitrines nas calçadas...É uma cena sociológica chocante! E na Índia tupiniquim as gostosas continuam com a bunda mais arrebitada do que nunca, o modelo das menininhas-fantoche. Elas se modelam ao padrão globo: salto alto para empinar a bunda, jeans para esconder a celulite, cabelos de gente morta pra encompridar o cabelo da cabecinha oca e mais um belo par de silicone hermeticamente comprimido. Ficam, deveras, atraentes! Porém não se dão conta que as Julianas da globo são personagens e elas, reais.

Mas o assunto não era exatamente esse. Na verdade um correlato. Semana passada lancei no meu msn a seguinte frase: A capital nacional da literatura é campeã nacional na novela Caminho das Índias, parabéns Passo Fundo! E para minha surpresa, a frase, por si só, deu muito ibope. Gente que contestou, gente que concordou. Deu de tudo. Porém o que não deu muito ibope foram os argumentos, de lado a lado. Não se tratava exatamente de sugerir que a novela não tinha qualidade, nem mesmo que falar da Índia não estava tão na moda assim. Eu não poderia fazer qualquer juízo porque sequer assisti um capítulo. A preocupação era mesmo contra o histórico não percebimento, com a manipulação das massinhas cinzentas com catarata, com a reprodução de sentidos e horizontes que geralmente se reproduzem na televisão.

A novela em si serve para entreter. Igualzinho a qualquer outro programa, sair para tomar uma cerveja, ver uma partida de futebol ou qualquer coisa. Trata-se de um momento relax. E sendo esse o objetivo, não há o que argumentar em contrariedade. O que combativamente defendo é a capacidade de não alienação. Se limitar a ver só novela, é sim, um problemão. E me lembro de não lembro quem que dizia: "A televisão para mim é um grande incentivo à cultura, cada vez que algúem liga ela, vou para a sala ao lado para ler um livro".

Por outro lado, fiquei a pasmar por uns instantes: minha querida Passo Fundo ganhou o título de campeã nacional de ibope em caminho das Índias, até ai ok! Mas leva desde tempos o título de capital nacional da literatura! Confesso que pensei: alguém encomendou essa pesquisa. Pelo que soube temos aqui na cidade, a estatística de que meus conterrâneos leem em média 6 livros por ano. Compensações à parte, confesso que, ou habito os lugares errados ou os leitores daqui estão armando uma revolução silenciosa contra as menininhas que olham a bunda empinar nas vitrines. Mas desconfiei um pouco mais, notadamente por dois fatos: não temos uma livraria de grande porte aqui e também não vemos ninguém lendo em espaços públicos. Quando comentei isso com meus alunos, acordamos que, de fato, ninguém sairia para ler na Gare ou pelas praças da cidade...uma total falta de hábito, inclusive minha que nunca li nada fora bulas de remédio e propagandas de sinaleira em espaços públicos. Mesmo assim é intrigante quando se vê nas grandes cidades pessoas lendo em todos lugares, praças, metrô, ônibus, calçadas; da Europa à Porto Alegre. E nós, a capital da leitura, não! Amanhã, se não chover, vou ler um livrinho curto embaixo da estátua do Teixeirinha, para autenticar meu discurso.

Também comentamos na aula que talvez seja a velha falta de incentivo ou os elevados custos dos livros. Outros rebateram falando de iniciativas como as poesias nos ônibus (que por ser nos ônibus, por si só, acabam desvalorizadas, porque quem anda em ônibus não aparece nunca como protagonista das novelas e logo não é muito um bom "modelo a ser seguido").

Penso na síndrome de Capgras: uma patologia, não sei se nos olhos ou no cérebro, em que as pessoas acometidas, mesmo com capacidade de reconhecimento visual, não conseguem disntinguir pessoas próximas como os familiares, não reconhecem seus afetos, enfim. Essa talvez seja uma boa analogia em relação à essa síndrome de preferir o produto pronto, ainda que seja defeituoso, do que as pacienciosas linhas de algum texto que nunca terminam de ser elaboraradas. E esse vício também passa pelas novelas, que incentivam as paixões efêmeras aos amores duráveis. Estimulam o extase do momento presente e o gozo, despreocupadas com a qualidade esticada dos instantes. Lançam palmas e assovios ao malandro, ao enganador e ao traidor. Tudo o mais é chacota. Mas o mundo não pode parar, afinal, é preciso seguir, é preciso viver a vida!

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