Sendo quase óbvio e me apropriando dos clichês, é quase impossível ler Lispector e não virar um leitor de Lispector. E um pouco mais complicado também. Acabei de ler A HORA DA ESTRELA e fiquei tocado com o tema da simplicidade que parece ser seu mote. Tudo por que essa conexão invisível entre o sentido de um conjunto de letras e o "DNA" daquilo que previamente já tínhamos pensado, sempre traz a certeza de que não somos tão unicamente esquizofrênicos nesse mundo que é to tamanho de um feijão. Já faz tempo que venho escutando do meu guia espiritual que é preciso baixar as armas, que guerra não há e que, paradoxalmente, a maior evolução encontramos nas coisas mais simples! Esse simples em nada se confunde com medíocre e mediocridades. Ser medíocre é não ser capaz de emergir desse clima de mediocridade - como bem nominou Ingenieros - e, se você não entendeu muito bem isso, é sinal de alerta!
Mas Lispector é quase uma alma coletiva. Transita entre nossas cabeças para contar tudo aquilo que havíamos cogitado e que morreu no meio da ponte que une nossa consciência e nossa linguagem. A diferença dela é ter a coragem e a destreza que não tivemos para contar as conjunturas do nosso imaginário diabólico, que era o dela também. Os aparentes absurdos que pensamos e que pensam todos (muitas vezes sem sabê-lo), são quase sempre tolhidos pelos sindicatos, associações e outras instituições da mediocridade, afinal estão sempre em maior número e por isso assustam mesmo em tempos pós-censura. Isso não pressupõe não sentir dor por ser diferente. As linhas de Lispector quase sangram com sua própria dor. A sua dor que é a dor de Macabéa, sua personagem que, de tão sua, parece ser ela própria.
Não vou enredar a história pois vale a pena tirar impressões individuais. É mais um bom livrinho pra ler no banheiro. Mas esse pequeno manifesto da simplicidade muito ensina sobre possibilidades de viver (ou de não viver) no mundo de hoje. E lembro que a própria Lispector, em uma dada altura da vida chegou a dizer que tinha perdido o jeito de ser gente, o que, de fato, pode ter sido um grande antimarketing pessoal. De qualquer forma essa é uma possibilidade das almas geniosas. Provavelmente não quisera ela se tornar um ícone da literatura, queria apenas escrever suas dores enquanto todos agem para renunciar sempre suas próprias pulsões. Deixar de lado o animal do animal racional que somos como diz sempre o querido Warat. Mas como é ser simples? A simplicidade de Macabéa era uma mistura de João Ninguém com o ceguinho do castelo com uma planta mal cuidada. À parte essa parca qualificação, tinha um grande tesouro: uma venda nos olhos. Que a fazia mais rir do que lamentar. Que fazia crer que a felicidade é mais uma daquelas coisas que mesmo sem poder enxergar, acreditamos simplesmente, exatamente como acreditamos na estrutura dos átomos sem nunca ter visto um sequer.
Mas Lispector é quase uma alma coletiva. Transita entre nossas cabeças para contar tudo aquilo que havíamos cogitado e que morreu no meio da ponte que une nossa consciência e nossa linguagem. A diferença dela é ter a coragem e a destreza que não tivemos para contar as conjunturas do nosso imaginário diabólico, que era o dela também. Os aparentes absurdos que pensamos e que pensam todos (muitas vezes sem sabê-lo), são quase sempre tolhidos pelos sindicatos, associações e outras instituições da mediocridade, afinal estão sempre em maior número e por isso assustam mesmo em tempos pós-censura. Isso não pressupõe não sentir dor por ser diferente. As linhas de Lispector quase sangram com sua própria dor. A sua dor que é a dor de Macabéa, sua personagem que, de tão sua, parece ser ela própria.
Não vou enredar a história pois vale a pena tirar impressões individuais. É mais um bom livrinho pra ler no banheiro. Mas esse pequeno manifesto da simplicidade muito ensina sobre possibilidades de viver (ou de não viver) no mundo de hoje. E lembro que a própria Lispector, em uma dada altura da vida chegou a dizer que tinha perdido o jeito de ser gente, o que, de fato, pode ter sido um grande antimarketing pessoal. De qualquer forma essa é uma possibilidade das almas geniosas. Provavelmente não quisera ela se tornar um ícone da literatura, queria apenas escrever suas dores enquanto todos agem para renunciar sempre suas próprias pulsões. Deixar de lado o animal do animal racional que somos como diz sempre o querido Warat. Mas como é ser simples? A simplicidade de Macabéa era uma mistura de João Ninguém com o ceguinho do castelo com uma planta mal cuidada. À parte essa parca qualificação, tinha um grande tesouro: uma venda nos olhos. Que a fazia mais rir do que lamentar. Que fazia crer que a felicidade é mais uma daquelas coisas que mesmo sem poder enxergar, acreditamos simplesmente, exatamente como acreditamos na estrutura dos átomos sem nunca ter visto um sequer.
A Macabéa inventada por Lispector tinha a dupla pobreza que a própria autora denuncia no preâmbulo. Era pobre de dinheiro e pobre de espírito. Era dispensável no mundo e, mesmo assim, se diferenciava de quase todo mundo porque não se imaginava especial. Essa coléra que todos sempre tem de sentir que, de algum jeito, são completamente especiais e insubstituíveis. Macabéa não. Era dona de seu próprio desprezo inconsciente. Era simples e sem futuro, pois o futuro era a gravidez do presente que sequer sabia se iria vingar. Talvez ela abortasse numa diarréia seu próprio futuro. Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam. Nos diálogos com Olímpico, Macabéa desmaiava seus leitores: Acho que não preciso vencer na vida! E fechava seu ciclo de animal humano errante pelo mundo quando dizia: Eu vou ter tanta saudade de mim quando morrer!! Certo dia Olímpico (o namorado que Macabéa perdeu)sentenciou: Macabéa é como cabelo na sopa, não dá vontade nenhuma de comer.
A profusão de quereres diários nos aprimoram. E sofremos com a genuína distância que criamos entre nós e o sim/não. E com o medo que temos de dizer ambos em cada situação dada. E outro medo correlato pelo sempre divino julgador: o olhar alheio. Escravizamos nossa simplicidade porque ela não é bem vista. E mais uma vez sucumbimos aos agrupamentos de ceguinhos do castelo. A sinceridade também é coisa que assusta o bicho homem. Deve ser por isso que começa com o mesmo S de simplicidade. Deixar as grandes manobras pode ser uma redenção, afinal não precisamos nada mais que seguir respirando sem rinite no mundo das dores. Por isso que a anestesia foi uma grande invenção da metáfora humana. Seu equivalente para as dores da alma, ainda se há de descobrir. Enquanto isso ficamos nos goles de cachaça já que se deve desconfiar demais do Prozac e seus filhotes.
Macabéa, que teve a sorte de ser apenas um personagem inventado, não teve essas preocupações. E sua redençaõ literária foi morrer no meio do seu charco raso e pessoal, que era o raso de Clarice. Uma desencontrada que suspeitava das respostas corretas demais e que se via nos mesmos labirintos de todos. Aliás, se você não pode ver seu próprio labirinto, outro sinal de alerta! Pode estar a suceder que seja o porteiro do castelo dos ceguinhos. Pessoa, aliás, já alertava sua perdição: Perdi-me dentro de mim/Porque eu era labirinto/E hoje ,quando me sinto/É com saudades de mim.
Essas curvas interiores que não entendemos e que nos fazem não conseguir significar categoricamente a vida e a razão de estarmos transitando no mundo das dores, acabam por ensinar que a simplicidade representada pelo sim e pelo não ainda são o que de mais fidalgo e sincero (com nós mesmos) existe no lado legal de ser humano. Então termino sem terminar, completamente "nem aí" com a metódica textual. E hoje mando um abração para o mundo, cheio de clichês desarmados, de beijos despreocupados e de um pedido de perdão: Macabéa, eu também não te comeria.
então que eu li a Hora da Estrela aos 13 anos e posso dizer que Clarice e sua Macabéa me acompanham até hoje. beijo, Analú
ResponderExcluirQue bom Analú, acho bem bom mesmo que tenhamos personagens conceituais tão crus como elas. Você tenho certeza que já faz proveito da simplicidade aprendida com elas, nem que seja pra refutar a simplicidade dos medíocres.
ResponderExcluirBrigado. Beijão querida.