sexta-feira, 22 de junho de 2012

JARDINEIRA




As melhores flores são as inesperadas.
Todas as mulheres sabem disso.
Flores anônimas ficam cheirando pelo caminho da memória.
Flores anônimas duram mais, não precisam de água.
Sobrevivem sobre o óbvio.
Mulher repudia flores oficiais,
têm o mesmo cheiro florido de coroa de velório.
Receber flores do oficial,
em dias oficiais,
com contraprestações oficiais,
é o que há de mais broxante pra uma mulher.

O melhor vinho - se sabe desde as tavernas -
é o que se bebe com o melhor amigo.
Em copo de plástico,
no bico,
vinho vagabundo,
com rolha empurrada pra dentro da garrafa.
Até os vinhos bons são os melhores quando se bebe com um bom amigo.

O melhor sexo, também nunca é óbvio.
Precisa ser sem camisinha se for de se fazer com.
E com, se for de se fazer sem.
E se quiser ser dos melhores, precisa de um detalhe esparso, 
de alguma magia que não se pode prever.
Não precisa de roteiro ou método, 
nem das variações do kama sutra.
O kama sutra é o anti-sexo.
O melhor tem sempre um detalhe posterior:
um gemido meio "hmmmmm", 
meio oco e 
abafado e 
contido e 
liberto e 
sem treino e sem afinação, 
ou então
um interfone que toca, um cheiro de sei lá o quê, 
um cachorro que para pra ver o chacoalho esquelético dos corpos,
um pé que se aloja, equilibrista, embaixo da coxa,
um pedaço de bunda que fica ralado no tapete da sala.


Os melhores amores, são sempre os impossíveis.
Romeu e Julieta, mares pra atravessar, 
sogras que aporrinham a paciência,
esperas no frio fodido de uma noite de inverno por um aceno entre a cortina e a janela e o desejo. 
Os melhores amores são os distantes, os que custam caro, 
os que levam a alma e centavos da alma e que deixam vítimas nuas e sem celular num mato longe da cidade.
Sem descaminho, perdição e vertigem, todo amor é insosso.
É preciso o peso da cruz para a redenção.
Amor bom é o que precisa ir em ônibus lotado.
Amor bom precisa de complicação, de confusão, 
de coisas pra resolver desde o início, de dificuldade, de conchavos, 
de diz-que-me-diz-que, de imunidade baixa.
O amor de depois se alimenta do drama de antes.


E o depois é uma jardineira que poda as flores num sábado de tarde, 
com luvas amarelas, cabelo preso, pescoço à mostra,
um sorriso lindo que Deus-me-livre, um olhar de cuidado, 
avental  pra aparar o barro,
...e até aquela pazinha pra revirar a terra.

Eu deixo a convenção para a exceção dos domingos.
O cotidiano não me contém.
A vigília me parece pão com manteiga, cerveja sem álcool, doce sem açúcar.
O sonho, porém, me completa porque consegue me desligar.
O sonho é a minha cachaça.

O óbvio está morto,
e no fim da fila da reencarnação.

4 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. "O sonho, porém, me completa porque consegue me desligar. O sonho é a minha cachaça"...e como dizia Caio F. Abreu: "não me desperte, por favor, não te desperto." Sigamos sonhando.

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  3. Sigamos Érica, brigado pelo carinho.
    Beijão Tali!

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