segunda-feira, 4 de junho de 2012

OLHOS QUE NOS OLHAM



Os olhares que nos olham são tantos.
Na rua, nas câmeras de elevador, no facebook, no Google Earth.
Logo estarão nos vendo no box do banheiro, fazendo a barba,
tocando uma bronha, bolinando nossas mulheres.
Tentaremos o esconderijo, e esconderijo não haverá.
Como um esconde-esconde numa sala sem móveis.
São tantas as medidas e tantos os olhares que nos olham.
Talvez mais olhares que medidas...porque acontece de muitos terem a mesma medida do olhar.
São animais que andam em bando, com medo da solidão lupina.
Então nos interpretam, arbitrariamente - essa é sua delícia e deleite.
Quê mais poderiam fazer, esses que nos olham?
Essas moscas que rondam fraternalmente uma grande merda coletiva.
Mas não se pode negar quando estão certos - tantas são, de fato, nossas interpretações.
Somos tanta coisa, coisa tanta:
um filho da puta, um anjo, um arrogante asqueroso, um potencial namorado.
Os disfarces são a nossa embriagues, nossa mentira posta.
A verdade é como um apartamento limpo.
A gente chega perto e a verdade se esvai pela mácula da presença.
Trazemos pó na sola dos pés,
trazemos a água da chuva que escorre pelo guarda-chuva,
trazemos a consciência que percebe a sujeira que faxineira também viu, e se limitou a ver,
como um médico que vê uma chaga e vai tomar um chá.
A casa, mesmo limpa, só se suja com presença.
Não há faxineira possível para a toda a sujeira.
Então é melhor disfarçar, jogar tudo embaixo do tapete,
virar o colchão com os lambuzos de gozo.
Disfarçar que as formigas vivem conosco,
disfarçar que há um cemitério de espermatozóides pelas mantas,
disfarçar que há um antro de ácaros por todos os lados,
mentir que as pombas cagam nas bordas da sacada.
Quantas são as cagadas marginais que não queremos ver!
Somos como as pombas cagonas, com a diferença que elas cagam sem culpa.
Se ao menos pudéssemos cagar nossa culpa, mas não.
Civilizados, conscientes e metidos a gente nos quis a vida. Ela é uma rainha.
Quê pensam, afinal?
Todo julgamento é uma colcha de retalhos, e não há como saber a cor única da colcha.
Talvez pouco importe a cor, se tudo estiver escuro.
Convenhamos: fechamos os olhos a tudo que importa,
que é pra sentir as cores por dentro, e não com a pobreza dos olhos,
essas lanças afiadas pela natureza humana.


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