domingo, 3 de junho de 2012

O MEDO DOS QUE TÊM




Pude ver nos olhos de um rapaz endinheirado que bebia com amigos nobres num condomínio à beira-mar. Era sábado à noite. Estavam felizes. Seriam mais felizes depois dos goles. Riam. Mas pude ver o medo no olhar que não olhava pra fora. A olhos falhos pareceriam todos arrogantes, pedantes de nariz-empinado. Mas não. A arrogância que a forma indicava escondia a estrutura de um hospedeiro do medo. Como um vírus da gripe que se aloja num corpo e num espírito frágeis, o medo escolhe os que têm como casa. Depois de ter, como manter? - perguntou em silêncio um medroso. Conquistas terrenas (coisas), emocionais (afetos) e intelectuais (ideiais) - caso algum desavisado pense só nas coisas que pode tocar. 

Pelo medo de perder a saúde: anestesia. Pelo medo de perder o emprego: subserviência. Pelo medo de perder o amor: relações pela metade. Pelo medo de não ter tudo: preferir quase nada. Pelo medo da desobediência: a vitória do "tu deves". Pelo medo do olhar alheio: solidão. Pelo medo de falhar: vícios, viagra e virtudes vãs. Pelo medo de morrer: consumir eternamente. Pelo medo da desordem: a obediência do poder terceirizado. Pelo medo de perder referenciais: castração da autonomia. Pelo medo do novo: o mofo azedo do velho. Uma prece farmacológica a todos esses medos que querem nos tirar a propriedade do corpo e da alma. 

A morte dos mestres,  a morte de quem faça do destino obrigação e a morte de quem não sabe saber que não sabe o destino dos outros. Depois a dor efêmera do desamparo, o deserto, a mão que, mesmo aguardada, não se estende. Logo uma bússola desvairada, um gole de água que mantém sinais vitais, um joelho no chão e grãos de areia na boca seca. O reequilíbrio, o prumo, a sombra ao longe. O sangue forte, a obstinação, a transformação. Onde há dor não há consciência. Onde há vazio não há consciência. Onde havia repetição, há agora criação. A sensação de estar nascendo é a sensação de quem não tem nada. E é essa força que pode contra todos os medos.  

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