pa’que bailen los tucumanes
Mercedes
Sosa
Para
responder a pergunta: por quê a Teoria Narrativista do Direito? É preciso,
primeiro, dizer que o tema é sustentado por um fiapo, ou, dito mais claramente,
por conta de uma das grandes misérias humanas: o medo. É o medo do desconhecido,
esse instinto a que a psiquiatria designou de misoneísmo, o combustível que move o motor de uma das salvaguardas humanas mais
queridas no Direito: a segurança jurídica. A segurança jurídica é apenas o medo
humano disfarçado de terno e gravata.
É
pelo reflexo do medo humano, que as tentativas de controle do caos da
arbitrariedade judicial, se tornaram a grande questão do Direito nos andares
elevados do pensamento jurídico atual. Se os grandes debates constitucionais do
Direito ocidental[1]
são apenas fruto deste grande medo, todos os grandes debates que envolvem as
ramificações das propostas de humanização do Direito, por mais infantis que
sejam (como a resolução 75 de 2009 do CNJ), são a batalha que empreendemos contra
este grande medo que nos petrifica o corpo e a alma. Mas para esta batalha, é
necessário que possamos estar fortalecidos. Não é mais possível apostar que a
doutrina crítica do Direito, que trabalha querendo transformar o “sistema de
operação” do Direito, possa, de fato, transformar o Direito. A aposta deve
recair sobre o próprio técnico que procurar consertar a máquina, e não sobre a
máquina em si. É preciso apostar na saúde da semente para que uma colheita
diferente nasça.
É
querendo controlar o animal selvagem que é a decisão judicial, que se dão a
maioria dos esforços em termos de Teoria do Direito. A própria necessidade de reinvenção de uma “teoria”
do Direito, significa que se começa a marcha desta reinvenção com o “pé
esquerdo” e pela porta dos fundos. Pretender uma teoria do Direito é
autodecretar a incapacidade de uma Teoria do Direito adequada aos paradigmas culturais e filosóficos de
hoje. Compreender as narrações que Zigmunt Baumann faz deste tempo é, portanto,
inevitável. Uma sociologia adequada do Direito deve perceber em Baumann o passo
com o pé direito que é necessário dar em direção a um Direito, no mínimo, adequado
e que de fato possa ser atual. Um direito adequado não é um direito que seja
satisfeito adequadamente em algum
caso a partir de uma coerência normativa ou uma coerência narrativa dos fatos
ditos em um processo; ou, ainda, um direito que esteja adequado à ideias de Justiça que não servem para absolutamente
nada; ou, por fim, um direito que esteja adequado
a interesses de maiorias ou minorias, simplesmente porque as maiorias são
maiorias e as minorias são minorias. Aliás, as reclamações das maiorias e das
minorias são exatamente iguais: para as minorias a grande culpa é das maiorias,
que não permite que elas sejam também maiorias – algo que soa paranóico, ainda
que os paranóicos tenham dificuldade em se dar conta, como já disse Alexandre
Morais da Rosa - ; e, para as maiorias, a grande culpa é sempre das minorias,
que criam resistência para que a maioria seja sempre cada vez maior. A ideia do
“homem de bem”, que é uma herança platônica nascida e criada na imanência da
modernidade, é reflexo disso. A flexibilização do maniqueísmo que esta
umbilicalmente relacionado com o Direito é uma dessas grandes sessões de
terapia pela qual os juristas devem passar. É na crença fixa de que o legal e o
ilegal representam juridicamente, de um lado, o certo e o bom, e, de outro, o
errado e o ruim, que o Direito sofre a recidiva de uma patologia coletiva e
crônica, uma espécie de fixação depressiva, esta que é tratada pela psiquiatria
com remédio faixa preta. Para os remédios faixa preta não há outro jeito: ou
temos que comprar o farmacêutico para que nos venda sem receita, ou comprar a
receita com o médico, ou, em último caso, tomar pensando que é outra coisa
porque não temos a capacidade de entender que estamos definitivamente loucos.
De um jeito ou de outro, para que possamos conviver com o Direito patologizado
que temos hoje, ou teremos que ser corruptos, ou teremos que vestir o véu da
ignorância.
Isso
não significa a falta de importância da narratividade no direito, mas significa,
precisamente, que também a Teoria Narrativista do Direito deve adotar a
perspectiva carnal do Direito, preocupada com a saúde do técnico que trabalha
no sistema operacional, e não na vagueza desumana do próprio sistema
operacional. A psicologia, então, abraça o direito. Para se humanizar, o
direito precisa necessariamente enfrentar o seu próprio inferno. E o inferno do
direito é a discricionariedade porque ela é tudo que o nosso medo humano não
suporta. Assim como a descida ao inferno do inconsciente é uma tarefa fundamental
para o processo terapêutico que está no cerne das construções psicanalíticas,
Jung é um autor importante para entender o inferno psíquico, também essa
confrontação com o caos da discricionariedade é a permissão que os juristas
devem dar para que o bisturi corte suas carnes humanas.
Para isso, aliada a outras
preocupações que envolvem a tentativa de construção de uma Teoria do Direito, a
Teoria Narrativista do Direito, poderia também ser pensada a partir de três
diferentes distinções a partir do símbolo do teatro: uma (1) Teoria sobre as
narrações feitas no Direito (pelos personagens do processo, aqueles que atuam no
palco do processo); uma (2) Teoria sobre
as narrações feitas a partir do Direito (pelos espectadores que emitem suas críticas
sobre a atuação daqueles que estão no palco) e, por fim, uma (3) Teoria sobre
as narrações feitas do Direito (por todos que emitem suas meras opiniões, os leigos
da rua, os medíocres de todo gênero, e mesmo os leigos e medíocres que, mesmo
juristas, continuam sendo leigos e medíocres em relação ao direito e em relação
a quase tudo).
[1] vá em busca de quais são os debates porque não tenho nenhuma paciência de fazer uma nota de rodapé no estilo ABNT.
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