quarta-feira, 12 de junho de 2013

Precisamos falar (alguma coisa) sobre o Direito




pa’que bailen los tucumanes

Mercedes Sosa


                Para responder a pergunta: por quê a Teoria Narrativista do Direito? É preciso, primeiro, dizer que o tema é sustentado por um fiapo, ou, dito mais claramente, por conta de uma das grandes misérias humanas: o medo. É o medo do desconhecido, esse instinto a que a psiquiatria designou de misoneísmo, o combustível que move o motor de uma das salvaguardas humanas mais queridas no Direito: a segurança jurídica. A segurança jurídica é apenas o medo humano disfarçado de terno e gravata.

                É pelo reflexo do medo humano, que as tentativas de controle do caos da arbitrariedade judicial, se tornaram a grande questão do Direito nos andares elevados do pensamento jurídico atual. Se os grandes debates constitucionais do Direito ocidental[1] são apenas fruto deste grande medo, todos os grandes debates que envolvem as ramificações das propostas de humanização do Direito, por mais infantis que sejam (como a resolução 75 de 2009 do CNJ), são a batalha que empreendemos contra este grande medo que nos petrifica o corpo e a alma. Mas para esta batalha, é necessário que possamos estar fortalecidos. Não é mais possível apostar que a doutrina crítica do Direito, que trabalha querendo transformar o “sistema de operação” do Direito, possa, de fato, transformar o Direito. A aposta deve recair sobre o próprio técnico que procurar consertar a máquina, e não sobre a máquina em si. É preciso apostar na saúde da semente para que uma colheita diferente nasça.

                É querendo controlar o animal selvagem que é a decisão judicial, que se dão a maioria dos esforços em termos de Teoria do Direito.  A própria necessidade de reinvenção de uma “teoria” do Direito, significa que se começa a marcha desta reinvenção com o “pé esquerdo” e pela porta dos fundos. Pretender uma teoria do Direito é autodecretar a incapacidade de uma Teoria do Direito adequada  aos paradigmas culturais e filosóficos de hoje. Compreender as narrações que Zigmunt Baumann faz deste tempo é, portanto, inevitável. Uma sociologia adequada do Direito deve perceber em Baumann o passo com o pé direito que é necessário dar em direção a um Direito, no mínimo, adequado e que de fato possa ser atual. Um direito adequado não é um direito que seja satisfeito adequadamente em algum caso a partir de uma coerência normativa ou uma coerência narrativa dos fatos ditos em um processo; ou, ainda, um direito que esteja adequado à ideias de Justiça que não servem para absolutamente nada; ou, por fim, um direito que esteja adequado a interesses de maiorias ou minorias, simplesmente porque as maiorias são maiorias e as minorias são minorias. Aliás, as reclamações das maiorias e das minorias são exatamente iguais: para as minorias a grande culpa é das maiorias, que não permite que elas sejam também maiorias – algo que soa paranóico, ainda que os paranóicos tenham dificuldade em se dar conta, como já disse Alexandre Morais da Rosa - ; e, para as maiorias, a grande culpa é sempre das minorias, que criam resistência para que a maioria seja sempre cada vez maior. A ideia do “homem de bem”, que é uma herança platônica nascida e criada na imanência da modernidade, é reflexo disso. A flexibilização do maniqueísmo que esta umbilicalmente relacionado com o Direito é uma dessas grandes sessões de terapia pela qual os juristas devem passar. É na crença fixa de que o legal e o ilegal representam juridicamente, de um lado, o certo e o bom, e, de outro, o errado e o ruim, que o Direito sofre a recidiva de uma patologia coletiva e crônica, uma espécie de fixação depressiva, esta que é tratada pela psiquiatria com remédio faixa preta. Para os remédios faixa preta não há outro jeito: ou temos que comprar o farmacêutico para que nos venda sem receita, ou comprar a receita com o médico, ou, em último caso, tomar pensando que é outra coisa porque não temos a capacidade de entender que estamos definitivamente loucos. De um jeito ou de outro, para que possamos conviver com o Direito patologizado que temos hoje, ou teremos que ser corruptos, ou teremos que vestir o véu da ignorância.


                Isso não significa a falta de importância da narratividade no direito, mas significa, precisamente, que também a Teoria Narrativista do Direito deve adotar a perspectiva carnal do Direito, preocupada com a saúde do técnico que trabalha no sistema operacional, e não na vagueza desumana do próprio sistema operacional. A psicologia, então, abraça o direito. Para se humanizar, o direito precisa necessariamente enfrentar o seu próprio inferno. E o inferno do direito é a discricionariedade porque ela é tudo que o nosso medo humano não suporta. Assim como a descida ao inferno do inconsciente é uma tarefa fundamental para o processo terapêutico que está no cerne das construções psicanalíticas, Jung é um autor importante para entender o inferno psíquico, também essa confrontação com o caos da discricionariedade é a permissão que os juristas devem dar para que o bisturi corte suas carnes humanas.

Para isso, aliada a outras preocupações que envolvem a tentativa de construção de uma Teoria do Direito, a Teoria Narrativista do Direito, poderia também ser pensada a partir de três diferentes distinções a partir do símbolo do teatro: uma (1) Teoria sobre as narrações feitas no Direito (pelos personagens do processo, aqueles que atuam no palco do processo); uma (2)  Teoria sobre as narrações feitas a partir do Direito (pelos espectadores que emitem suas críticas sobre a atuação daqueles que estão no palco) e, por fim, uma (3) Teoria sobre as narrações feitas do Direito (por todos que emitem suas meras opiniões, os leigos da rua, os medíocres de todo gênero, e mesmo os leigos e medíocres que, mesmo juristas, continuam sendo leigos e medíocres em relação ao direito e em relação a quase tudo).  




[1]  vá em busca de quais são os debates porque não tenho nenhuma paciência de fazer uma nota de rodapé no estilo ABNT.

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