domingo, 2 de junho de 2013
as duas flores cor lilás
O vínculo entre o que se diz e o que silencia
é igual ao rastro de um sonho.
A ponte entre esses dois mundos - o dito e o não-dito,
é a riqueza de estar em dois mundos ao invés de um, posto que a maioria, por desmemória, ignorância ou demasiada juventude, é pobre de um mundo só.
Há também os miseráveis,
que por milagrosa crueldade de Deus,
se contentam com farelos de um mundo só.
É que até a própria fome que sentem é miserável - daí o sucesso do farelo.
Duas flores cor lilás em um sonho esquecido,
nunca poderiam ser qualquer coisa ou coisa alguma,
sem um vínculo de afeto entre a memória do sonho e a imanência deste dito.
As duas flores lilás viviam suspensas no céu de um sonho.
os caules finos e verdes se fixavam no próprio ar,
mas-meio-que-dançando,
pois nos sonhos, a matemática da razão é um pretexto da preguiça de quem quer acordar e viver os confortos de um mundo só.
As flores eram um cálice aberto e passivo,
tanto às gotas celestiais quanto aos olhos do sonhador.
e ao olhar do sonhador, reagiam fechando as pétalas,
numa clausura tímida como a de quem quer ser um nu solitário numa praia deserta.
é que o segredo das duas flores de cor lilás era precisamente este: o esplendor do estado de cálice pedia apenas um vínculo sentimental com o sonhador, um toque espiritual, nada dessas paqueras idiotas de colégio.
a potência da floração e o gozo primaveril requisitavam a ausência da mácula do olhar.
Existem as flores que se abrem nos solstícios.
existem as que florescem só em determinadas estações.
essas duas eram permanentemente abertas, e só se fechavam quando alguém olhasse pra elas.
Eram, em seu conjunto, uma Medusa que condenava a Beleza à uma morte poética pelo olhar de um Perseu sonhador.
E isto, de lá, era tudo:
um terceiro mundo, com seus códigos, nepotismos e mistérios.
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