A noite chuvosa que chega traz
atravessamentos poéticos. Nos amontoados de livros, o destino faz os dedos
agarrarem Warat. Minha falta de autonomia clama pela satisfação de meus desejos
de manutenção do paternalismo cultural que cruza inexoravelmente meu modo de ser-no-mundo... Em Warat encontro
assento. Identifico na intertextualidade
da leitura e da escritura, a possibilidade de assumir minha condição de ladrão
sem sofrer as penas da moralidade ou outras que queiram tirar minha paz. Posso ser um plagiador da matéria do pensamento. De Warat recebo, como um médium recebe informações de uma psicografia, as fantasias de Cortázar, de Barthes, de Jorge Amado. Livro-me da
culpa de dizer o já dito e de pensar o já pensado, ainda que queira sentir a
culpa de sentir de novo. No fundo quero me livrar de toda a culpa, para ser um psicopata do amor, um apunhalador das energias puras do afeto, um verdugo que lança corpos num mar de delícias. Sinto-me como um filho sem desejo de matar o próprio
pai. Sinto-me na bolsa protetora da mãe-canguru. Narcisicamente, vejo o contorno dos meus traços na semiologia amorosa de Warat. A narrativa de divinização da
intimidade e de valorização do silêncio no encontro amoroso, tornam o texto alheio
eco da minha própria voz. Também o labirinto do medo, como força contrária à
energia desbravadora do amor, anestesiam meu vagar temeroso no desconfortável
terreno dos afetos. Mesmo dividindo uma ausência pontiaguda com a chuva, encontro a mão do amigo no universo fragmentado e multifacetado dos cronópios. Warat brinda com Cartázar, posso sabê-lo sem que possa explicar, posso escutar o tim-tim das taças que talvez sejam copos.
Ponho o pensamento a caminhar
pelas ruas molhadas. Desejo que ele se perca. Sei que pensando minhas reservas
selvagens permanecem intocáveis. Se me protejo da dor, também deixo de andar, chegando no limite do sentir que a solitude permite. Daqui em diante repetirei o mesmo caminho, como um Sísifo predeterminado. Se abandono o pensamento em uma rua escura,
como um cão que, abandonado pelo dono, busca o caminho de casa, é por desejo de
vida, afinal, tomamos ou o amor ou o temor como bússola. Desejo perder os
referenciais que impõem em mim a organização metódica do meu temor, numa espécie de tratamento
compulsório de evitação da dor. Busco a reserva selvagem que se esconde no
outro com uma lanterna de pilhas fracas - e sem a paciência que a busca requer. Quero o silêncio antes do dito, cônscio
de que preciso passear pela superficialidade das palavras ditas antes do bálsamo do silêncio. Quero viajar
até o terreno oculto do outro, em busca da sensação do amor, que é como o
perfume natural e silencioso da mulher que se ama. Da pele fina da mulher que se ama.
Amor é longa caminhada. É uma
fusão de duas jornadas heróicas abandonadas no labirinto do destino. Como
caminhantes de labirintos, desejamos a sorte das mãos dadas, o calor do corpo que
afaga, a proteção da vigília noturna pelo olhar do outro enquanto dormimos, o
revezamento que alivia o peso da vida. No inicio, uma caminhada de amor é um olhar
de desconfiança, é uma comunicação distante de solicitações e concessões de
mais espaço, como um bumbo leguero que marca a lonjura pelo grave eco que viaja
pelos ares de ouvido a ouvido. O destino é o encontro com a reserva selvagem do
outro e com a possibilidade de se tornar um voyeur com crachá de permissão. Os
dois lados da moeda do amor estampam a subversão, mas só em um deles a subversão pode ser compartilhada com a de outro. Amar é um exercício de
compartilhamento de subversões. A subversão de um habitar a intimidade do
outro. Qualquer outro tipo de subversão é carnal e, portanto, periférica. A
subversão como experiência da intimidade do outro é uma troca de silêncios. Não
há como acessar integralmente o terreno selvagem do outro com a linguagem, sob
pena de um plágio de amor. Só os plágios escritos são permitidos no terreno do
amor, que não prevê sanção ou falta para a cópia de argumentos. O amor sabe que
sua raridade é personalíssima como uma impressão digital. O amor sabe que é um
trem de poucas passagens no vale de ambigüidades da vida. Precisamos saber também. Os dias frios e chuvosos pioram a dor nas costas. A falta de amor também.
Podes evitar as dores do amor, evitando o amor. Estarás renunciando à
viver. As dores do amor são criativas, nos levam a perceber, à transformação.
Se renunciamos às dores do amor, deixamos de ser ciganos. Nossas vidas deixam
de ser um rio que vai até o oceano, transforma-se em charco estancado. O
estancamento narcisista. Um rio permanece limpo porque flui. O fluir
outorga-lhe virgindade. Todos os amantes são virgens. (meu plágio cronópico)
Belíssimo texto, e o plágio, delicioso!!! Abraços alados.
ResponderExcluirEncantamento subversivo. Saudades de Warat, e muito bom voltar aqui.
ResponderExcluirLevei pro facebook.
Abraço!!
Belíssimo texto...um bj!
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