quinta-feira, 26 de abril de 2012

âncora e luz



Nascemos doentes, doentes de vida. A vida, ainda que boa ou louvada pelos cantadores e poetas, é um eterno estar doente. Um eterno estar em busca, que é o mesmo que estar doente. Não fosse a conotação de busca, a vida estaria morta para sempre, como um feto natimorto. E seria chata como ver VT de um jogo de futebol que já se sabe o resultado.

Com o tempo que tenho, aprendi que a vida é um driblar a vida, tentando ver antes, pressupondo, adiantando-se em relação ao caçador invisível que nos caça. Aprendi isso e também que a vida é um desejo de poder liberar o que é escravidão. Mas o que mais aprendi até agora é que esquecer o já aprendido é uma cartada angelical, quase divina. É que a vida é intuição pura. Com intuição se alimenta a vida. Com intuição se desdobra a vida. Com intuição se dribla a vida.

A vida é também um jogo, que só se ganha com amor. Sem amor, o empate é a vitória possível. Ou o mais próximo que se pode chegar de uma. Um empate, convenhamos, não tem a minima graça, é mórbido e distante daquilo que a intuição nos antecipa: sentimentos, sensações, sorrissos, prazeres, doces com bastante leite condensado, temperaturas amenas. Mais outonos e primaveras e transições, menos extremidades intensas, que sempre custam tão caro à nossa paz.

A vida com amor, não deixa de ser uma vida de perdas. Não há solução - e esta já é a solução: cada conquista é seguida de um desapego. Cada novo ambiente é a nostalgia do antigo, num jogo infindo de duplicidades, de dicotomias. As dualidades estão ai, e é porque elas existem que podemos escolher. Escolher a luz em detrimento da sombra, a caminhada em detrimento da inércia, mesmo que as nostalgias sejam sedutoras, até charmosas. São essas nostalgias que furtam nossa paz. Mas as nostalgias são combustível de uma memória que não lembra de onde as nostalgias vêm, de que país, ou de que olhar, afinal, a saudade é sempre de uma sensação que vem e vai embora, como uma planta que se mostra e se troca e esconde as raízes que a sustentam. 
Conflitos internos estimulados, tensões provocadas e resultados parciais: tudo isso busca o amor durante a vida. Como conclusão, o amor é um fracasso. Prefiro o amor como pesquisa, o amor como enquanto, o amor como estado. É que queremos ganhar demais - detecto. Ganhar até do nosso ego, que tanto nos ganha, que tanto lugar ocupa na nossa sala, na nossa cozinha, nos nossos sonhos - até nos nossos sonhos... O monstro quer ver antes. Ele precisa ver antes pra assustar depois. O susto é para o monstro o que o sorriso é para o anjo. Precisa, o pobre monstro, saber antes de ver. Precisa de prova pra dizer. Precisa ter sentido pra sentir. Os anjos sentem, dizem e sabem, sem nenhuma força ou planos. 

Dois postulados podem ser postulados: 1)Não se deixar enganar: isto é ética. 2)Não poder ser enganado (e nem querer ser): isto é razão. A razão que sobra é a razão que nos organiza. Não fosse pela organização, porque teríamos a razão?... esse peãozinho do tabuleiro de xadrez da vida. Se a razão nos organiza, a intuição nos faz amar. Amar o trabalho, amar os que trabalham, amar os que querem trabalho. Amar os afetos, amar os que têm afetos, amar os que querem afeto. Amar quem a vida quer que a gente ame, porque é a vida que nos envia pelo correio o amor que a nós cabe...Amar é um abrir-se. É uma golfada de ar depois do útero. É o primeiro respiro de um pescoço solto pela corda de uma forca. 

Esse sufoco é da vida mas...lembra? É preciso driblar a vida, blefar, dar uma lição na tendência, na "natureza". Dizer não ao compromisso, à agenda, à quem reclama do nosso atraso. "Ter que" é a roldana mestra da grande máquina da culpa. Ou será que estamos assim tão endividados? E se estamos, com quem estamos? Quem nos cobra tanto? O dever dos deveres é dever menos a nós mesmos. Essa saída da masmorra do sufoco é inevitável, é um broto jovem de planta na terra, é uma potência de novidade. Os perdões e os deveres são lados de uma moeda. De uma moeda que passeia pelo ar antes de cair no chão. E é preciso torcer com amor pra que ela caia... em qualquer um dos lados. 

2 comentários:

  1. Amo qdo escreve com sua alma e coração, como nos últimos posts.
    E a vida deve ser metade amor e a outra metade tbém!

    um bjo, com amor

    "O que é um poeta?
    Será, por acaso um artesão, um arquiteto?
    Deverá andar pelo mundo com uma sacola de ferramentas
    pesando-lhe, além de todos os males que carrega
    e da beleza que intenta espalhar?
    Qual o melhor poeta?
    Quem premiará o verbo,
    ainda que triste a rima
    e canhestro o inventar, o texto?
    Que trilhos deverão conter o verso?
    Quem medirá sua largura e
    a cor da alma de quem escreve?
    Que outra sina terá, senão
    (per)seguir o som de seus pés pisando
    o fluído rumo do sentir?
    Que falem os sábios,
    em sua lábia racional que
    só enxerga, do verso, o superficial,
    aparentando não saber que há,
    latente em cada poema,
    ainda que breve,
    o sangue, o reverso da alma,
    o íntimo sentir de quem escreve."
    (Saramar)

    ResponderExcluir
  2. Poesia lindíssima, afinada com os céus poéticos. Serei um eterno perplexo diante do amor que vem de ti.

    ResponderExcluir