domingo, 2 de outubro de 2011

REFÚGIOS DA CONSCIÊNCIA NIILISTA

Hoje quero dizer as coisas com calma. Se você está com preguiça, pare de ler. Provavelmente este seja um texto longo, a não ser que eu canse antes de que o texto fique longo. Ando deveras preocupado com o pragmatismo do meu pensamento e com o embuste da minha razão equivocadamente sensível. 

Talvez trate-se de uma revisão de paradigmas ou mesmo de uma confirmação. Atravessar o autoritarismo da matéria é um tormento para quem habita dimensões etéreas, tão dispensáveis a tudo que parece ter algum valor ou brilho terráqueo. A matéria, que só cede com cortes profundos de lâminas assassinas (e "reais"), acaba quase intocada com a lentidão e suavidade do pensamento, por mais cáustico que ele seja.  

Confesso que me vejo sofrível porque sofro influências. Não fosse por conta das influências (de um pai, de um pastor, de uma puta, de uma teoria), não seríamos aquilo que somos. Somos reprodutores, copistas, repetidores. Ou melhor, eu é que sou: um reprodutor, um mero copiador de formas... Esse impulso de teorizar a partir da pobreza da nossa experiência é uma pulsão esquecida pela psicanálise da velha guarda. A rua e os bares estão minados de teóricos generalistas a partir das suas experiências únicas. O que se diz pelos alto falantes do mundo, porém, é uma ode sedutora à necessidade de sermos únicos, diferentes, referentes particulares, faróis altivos na solidão do alto mar.

É que me filio sempre à empiria, à observação despretensiosa do bicho homem, dos seus jeitos e modos de lidar com as mentiras que ele mesmo cria. Nesse sentido, faço de mim um laboratório e dos outros um fenômeno de observações com conclusões imediatas. Vistos como fenômenos, os outros simplesmente acontecem, e suas ações e reações não precisam necessariamente ser efeitos de uma causa psicológica ou antropológica qualquer. O outro como fenômeno me confere a possibilidade de concluir a cada cena da vida. Não perco tempo em concluir porque o tempo do teste do pensamento já faz a "experiência" mudar, o que inviabiliza qualquer conclusão que pretenda ser minimamente honesta. Testes longos são tarefa para a paciência científica e seus aceleradores de partículas. A ciência que me pertence é a apenas a ciência de estar ciente do que faço, de porque existo e de como interajo com o meu entorno.

Tendemos a repetir - é o que vejo ao meu redor. Voltamos ao mesmo restaurante, ao mesmo prato do mesmo restaurante. Tendemos a amar a mulher que já sabemos amar. Tendemos a ter músicas preferidas ou estilos teimosos, quase arrogantes. Tendemos a criticar as mesmas coisas – e nesse aspecto eu sou um repetidor contumaz. Tendemos aos mesmos vícios, esperando que a fajuta imortalidade da vida nos conceda tempo no futuro das nossas ilusões. Tendemos a trepar do mesmo jeito. As mulheres são campeãs em gozar de poucos jeitos... ou talvez eu é que seja mesmo ruim de cama, desfavorecendo as mulheres na multiversidade de posições orgásmicas. E, falando em sexo, tenha cuidado se sua mulher goza apenas em cima de você. Isso pré-indica duas conclusões: a insuficiência carnal de seu pau, e a vontade de domínio dela sobre você. Mulheres dominadoras só gozam em cima. Com essas, o melhor é sair correndo. Tendemos, enfim, ao eterno retorno que Nietzsche disse antes e Freud, depois. E com certeza muitos tantos antes de Nietzsche e outros depois de Freud, porque até com o alto escalão do pensamento existe muita repetição...

É pelo fato de que, tanto as repetências em si como o próprio fenômeno é repetido, que precisamos entender os mecanismos de repetição que acontecem com todos, em todos os lugares, em todos espaços e tempos históricos. A ligação do pensamento de Campbell com Jung se dá exatamente nessa pequena abordagem acerca das repetições – tempo para um gole de vinho, com licença (hoje estou educado).

Os comportamentos-tipo, também chamados de comportamento padrão, que se fazem experiência em toda a existência humana, são a chave para a compreensão de nossa própria totalidade, tarefa para que possamos subir ao próximo degrau. Platão estava certo. Platão falava de verdades, ainda que fossem as verdades inventadas por ele mesmo. Mas Aristóteles também falava verdades. Os medievais falavam verdades. Os dionisíacos da razão falavam verdades. A verdade que eu falo é verdadeira. A verdade da síndica do meu edifício é uma baita verdade. A sua verdade, estimado leitor, é verdadeira. E nessas inconjuntas disparidades, a saída de todos é perceber que desde sempre estamos condenados ao êxtase e ao tormento da nossa própria verdade. Perceber esses degraus que - mesmo diferentes entre si - são, todos, o próximo de todos. Todos temos um próximo degrau, afinal.

Se cometo alguma poesia no meio do texto, peço que compreendam minha estação (estou supreso com a minha educação de hoje, talvez seja porque eu ande me sentindo culpado por alguma coisa e, por isso, estou tratando todos muito bem. Quando estamos devendo alguma coisa a nós mesmos, nos tornamos mais legais com os outros...).

Para que possamos sanar desde já equívocos futuros: Platão errou ao generalizar o conteúdo das formas. De qualquer modo, não existe ninguém com honestidade na Terra que se sinta completamente a vontade para falar de um grande filósofo. Entre os que estudam filosofia, aprofundar-se em um grande filósofo, para "colocar as lentes de determinada teoria", é tarefa básica, quase um postulado. Eu não concordo com essa regra na medida em que é impossível aprofundar a teoria de alguém sem ser esse alguém.  Para falar de Platão seria preciso ter estado do lado dele ou mesmo ter sido ele...Nesse sentido, o que se fala de Platão são atestados de incapacidade. Eu mesmo, que falo de Platão nas minhas aulas, sou incapaz de tecer comentários a contento sobre a teoria platônica, por isso é que uso o método da intuição global histórica (um método que inventei agora e que não estou com saco de explicar). Afinal, Platão errou ao generalizar os conteúdos e não as formas dos conteúdos. Platão é o pai de todos os preconceitos ocidentais. Platão é o culpado pelo aperthaid, por Hitler, pelo totalitarismo da globalização.

 Esse foi o conserto dos mitólogos que perceberam o caráter representativo-metafórico do mito. Representar, repetição e reprise, são todas palavras que tem o mesmo prefixo "rep”... provável, portanto, que tenham alguma familiaridade entre si, mas esse é um dado puramente intuitivo (do mesmo método de cima) já que não estou preocupado com comprovações científicas de absolutamente nada.

Assim, se nossa característica de “rep”etidores estiver intuitivamente certa, podemos concluir que nós somos nós mesmos só um pouquinho. Provável que o livro Repetição e Diferença do Deleuze fale sobre isso. Esse é mais um dos tantos livros que eu comprei e não li. O amontoado de livros não lidos é fonte de desassossego para quem imagina que a conclusão divina da soteriologia pode ser encontrada nos livros. De todo modo, como não podemos ser escravos de nada, que se fodam os livros. Adoto o método sincrônico de eleição de leituras: leio o livro que escolhe ser lido por mim, ou seja, quase não participo da escolha. Não apenas útil para leitura, esse método é familiar àquele dos estóicos gregos que acreditavam na indiferença como grande ferramenta para engoliar a supremacia da razão cósmica. Indiferença é um bom antídoto para as culpas e ressentimentos quando acabamos sendo demasiadamente humanos e maniqueístas. 

Tirassem a vaidade da filosofia, todos os filósofos seriam compreendidos. Os filósofos são pessoas que perdem a paciência com facilidade. Os filósofos de verdade são pessoas que não têm em si o atributo da paciência porque conseguem ser sem participar ativamente da existência, relacionando-se intimamante com elementos externos. O pensamento é o único local de nudez para o filósofo...e quanto este sai às ruas para gritar aquilo que foi pensado, já está sempre vestido e com alegorias que escondem o bruto daquilo que pensou genuinamente. O filósofo é, então, um partícipe indireto da vida, um alguém que opta conscientemente pelo diálogo interior sem que isso represente qualquer tendência egoísta.
Para Raul Seixas o astrólogo conhece a história do princípio ao fim. Na verdade qualquer um pode conhecer a sua própria história do princípio ao fim, mas apenas os filósofos que sabem que são filósofos, podem conhecer, além da história pessoal, a história coletiva do inicio e do fim. É mais ou menos nesse ponto de explicação que a coisa toda se perde. Nesse ponto, só com poesia é que as coisas podem ser ditas.  Só com as roupas metafóricas da poesia é que consegue-se dizer aquilo que não se pode dizer.  

Para que fique mais claro, é como um filósofo que lembra que, desde sempre, foi um filósofo – eu já não tenho nenhuma dúvida do caráter contínuo da consciência entre as mortes das nossas carnes humanas. Vejam essa recorrência, ou repetição - para não mudarmos os termos: espiritismo, xamanismo, cristianismo, budismo, filosofia moderna, histórias do fantasminha camarada, psicologia junguiana, regressões terapêuticas, vida eterna, cronópios verdes de Jorge Luiz Borges...tudo isso trata do mesmo assunto, das continuidades, da crença e da certeza de que além dos muros não estaremos salvos no nada, mas escravos das nossas influências contínuas. Que possamos trocar as fugas por refúgios, assim o não-sentido poderá ficar dormindo do lado de fora, como um cachorro sarnento que tem uma casinha própria.


 

Um comentário:

  1. Pauloooooooooooo!
    Já me perturbando a essa hora!!!
    Acho que terei que escrever um mail sobre esse post!
    Humpf!
    Sem beijo!

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